1 Uma das coisas politicamente mais interessantes as eleições de Março é a de saber o acolhimento eleitoral que terá o PSD. Durante décadas não se lhe questionava a hegemonia nem o lugar – alternados com o PS – nos destinos políticos do país. PSD e PS eram os fundadores da democracia e os sempre ditos pilares do regime. Um e outro chefiavam governos a sós ou em coligação. Costumava ser assim.

As coisas mudaram, o universo político também, nasceram partidos, e sobretudo o entendimento que alguns têm – e cultivam – do que é servir a política também mudou. Muito.

2 Enquanto o PSD esteve tragicamente mal entregue com Rio Rio – recusou uma coligação pré-eleitoral, fez sumir o CDS dos radares parlamentares, deu a maioria absoluta ao PS – o abocanhamento – desculpem a horrenda palavra – o horrível abocanhamento do Estado pelos socialistas foi um triunfo: a hegemonia do PS não foi beliscada: uma número avassalador de portugueses dependem do Estado e acham natural depender. O poder foi-lhes sempre dando mimos e meios. Hoje vivem num misto de instalação em porto seguro de onde não se saia para o mar, e de uma opção pelas águas paradas. E sentem-se bem. Não há sobressaltos mas também não há ambição de melhor futuro (ou sequer de futuro, mas esse é um dado que já sabemos de cor, a falta de ambição portuguesa vem nas estatísticas). O efeito é aliás bilateral: face a portugueses resignados mas aparentemente não infelizes vir alguém falar-lhes em reformismo talvez não valha muito a pena: para quê interpelá-los para reformas ou incomodá-los com “mudanças” se depois não gostam e… não votam? Ou falar-lhes de mérito e brio se ignoram um e pouco praticam o outro?

3 Em resumo: as deploráveis núpcias entre o PS que trocou o país pela fidelidade do funcionalismo público e esses milhares de adeptos do grande clube do Estado, podem estar para durar: a deliquescência do “hoje” torna muito mais difícil o combate contra a instalação, a torpeza dos dias, o abandono de ideais, a ausência de sentido da palavra nação. E torna talvez mesmo impossível usar da mais interpeladora pergunta que se pode fazer a um votante: “não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta-te a ti mesmo o que podes fazer ele”. É isto: haverá ou não a responsabilidade dessa pertença? A transformação do voto numa resposta a um país? O responder à chamada de uma pátria necessitado? Ambicionar mais?

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Não se sabe.

4 O PSD será indiscutivelmente (nem era preciso o advérbio), o único receptáculo possível do voto indicador da vontade de mudar. E aqui o embaraço é a escolha: mudar de exigência, de vontade, de decência, de atitude, de protagonistas políticos mas também de decisores, mas também de prioridades, de escolhas, de programa. E de ar do tempo (não são palavras alinhadas e alinhavadas a eito, podem parecer mas não são: sinalizam simplesmente a salubridade que será indispensável reencontrar para levar por diante o vislumbre de “outra coisa”. Ao menos o vislumbre, seria já um princípio possível).

O PSD será capaz da empreitado e do fôlego que ela exige? De se libertar do perímetro partidário e abrir uma janela, escolhendo, convidando, acolhendo; alargando horizontes, escutando o país e não só ouvindo-o (não é o mesmo); levantando voo sobre a família partidária e pousando em Portugal. Capaz da exibição de autoridade – a sua, própria e intransmissível – na escolha dos deputados, recusando uma bancada feito do exclusivo da prata do PSD e enriquecendo-a com candidatos a deputados fora de casa?

Entretanto Luís Montenegro diz-nos que não é uma “obsessão” a procura ou a realização de uma coligação pré-eleitoral.

Pois bem, devia ser. Não uma obsessão (o substantivo parece-me desadequado) mas uma prioridade, a primeira prioridade. Uma frente eleitoral cria uma onda, que cria um impulso que desagua numa vontade que remata num voto.

Em resumo: o tempo e as coisas pedem outras núpcias. Um casamento não de conveniência mas de convicção entre a capacidade de convocatória do PSD e eleitorado de centro direita e direita no dia 10 de Março? Olhando para o PSD como o único timoneiro capaz de conduzir outros vice-timoneiros atrás de si? Apesar do evidente downgrading – e por isso mesmo! – sofrido pelo modus faciendi político dos últimos longos anos ,alguém terá que acudir à política portuguesa. Os assombrosos recursos do PRR um dia esgotar-se-ão. Pergunto: quem nos reorganizará economicamente para que o país não tropece na sua condenação á pobreza, no baço sumiço da classe média, na via sacra dos baixos salários, na fuga de jovens para melhores paragens, no total fracasso da administração publica. Trabalhos de Hércules. Vivemos de esmolas chamadas “fundos” – um dia acabam; do turismo – por definição os turistas cansam-se dos sítios; de algumas heróicas exportações mas o sector privado vinha em modestíssimo lugar na lista das prioridades do PRR (cartão de visita mais que eloquente que este do governo socialista é difícil)

Trabalhos de Hércules, sim. Sobretudo se admitirmos que haja talvez parte considerável de portugueses disponíveis para o repto da mudança. De Hércules, sim.

Só uma coisa interessa: ambicionar mais.

5 A candidatura de José Luís Carneiro tem como um dos seus ex-libris a expressão “continuidade”. Um convite à “continuidade”. Ninguém achará a expressão no mínimo desadequada? Continuidade daquela tralha, daquelas escolhas, daqueles “casos” duvidosos que se cavalgam uns nos outros? Continuidade daquela inoperância, daquela falta de respeito acintosa pelos mais frágeis com urgências hospitalares que necessitam de calendário prévio? Daqueles casos que se cavalgam uns nos outros? Continuidade?

Pedro Nuno Santos o desenvolto, também arranjou uma palavra fetiche, desta feita um adjectivo: tudo é “radical” no PSD e no espaço do centro-direita. O adjectivo é modestíssimo e sobretudo disparatado: como argumento não se percebe bem a fundamentação mas talvez o candidato publicamente tão bem amado não perceba algumas coisas.

Uma campanha aquém.

PS. A solidão tem destas coisas: atrai mais solidão. Pela primeira vez desde o início do seu primeiro mandato, o Presidente da República surgiu ao país quase nu: as imagens de segunda-feira exibiam ainda mais que mostravam um homem totalmente só, melancolicamente só, aflitivamente só. Numa espécie de arrecadação do Palácio de Belém, tratando o seu filho por dr., não sabendo o que fazer com o olhar, não sabendo o que fazer com as mãos, não sabendo se se sentava ou levantava, não sabendo se havia de ter um papel na mão, de o ler ou de o pousar numa mesa vazia de mais, grande demais e feia de mais, estava ali a solidão esculpida nele próprio.

Como o cidadão acha — não é de hoje — que não precisa de se aconselhar, de ouvir, de discutir, de analisar, de ponderar, de escolher, o Presidente que levou para Belém o cidadão nunca ouve ninguém. Faz muito mal e todos sabemos isso. Na segunda-feira também não ouviu. O resultado foi dramático. Tal como a escolha do cenário, obteve o efeito contrário: estranhou-se tudo em vez de tudo se ter dissipado.

Claro que falta contar mais de metade, a procissão ainda não saiu de Belém, mas…

Mas há isto: conheço Marcelo Rebelo de Sousa há anos, sei a massa de que é feito e sendo desbocado, prolixo e abusador no verbo não o é na ética. Pese embora que o filho se tenha atrevido a mandar um mail para a Presidência, que o Presidente da Republica se tenha esquecido e depois lembrado — porquê agora? — do que fez e disse ou mandou fazer e dizer; que haja zonas sombrias e buracos na história desta história, no que toca a Presidência, preciso de mais luz e menos poços de ar para culpar o Chefe de Estado por causa do cidadão.

E os outros? Ou só há um nesta seriíssima questão?