Em 1970, Hirschman, um famoso economista de Harvard, lançou um livro que se tornaria profundamente influente nas ciências sociais. Fazendo uma analogia para a política, o trabalho de Hirschman descreve três modos de os cidadãos reagirem à insatisfação com os resultados obtidos na geração de bem estar social e económico. Em primeiro lugar, os cidadãos podem escolher ser leais (loyalty) aos partidos políticos que detém o poder. Ao serem leais, seja por motivos sinceros ou estratégicos, os cidadãos fortalecem o sistema político com o seu apoio. Em segundo lugar, podem escolher ainda vocalizar os seus protestos (voice). Protestando, seja através de formas canónicas como manifestações ou, simplesmente, votando num partido que seja diferente daquele que está no poder, os cidadãos demonstram a sua insatisfação e o desejo de mudar o estado de coisas. Por último, Hirschman fala ainda da possibilidade saída (exit), isto é, os cidadãos podem escolher alhear-se da participação política, através da abstenção, ou, num sentido menos figurado, sair definitivamente do sistema político através da emigração.

Lembrei-me novamente do trabalho de Hirschman ao ver uma sondagem publicada pelo Expresso há duas semanas, na qual a esmagadora maioria dos inquiridos mostra um profundo pessimismo perante a situação do país. Perguntados sobre como esperam que seja o país em 2030, 66% dos respondentes antecipa maior desigualdade, 77% prevê um aumento de impostos e, ainda, 54% espera que haja um aumento da precaridade nas relações laborais.

À luz destes números, assim como a miserável trajectória económica do país nos últimos vinte anos, seria expectável que, utilizando a tipologia de Hirschman, houvesse uma minoria de Portugueses dispostos a demonstrar a sua lealdade ao Partido Socialista, principal responsável pela situação que nos trouxe até aqui. É certo que o Partido Social Democrata também esteve no poder nas últimas décadas. No entanto, creio que apenas por má fé alguém pode julgar que o resultado daquilo que Portugal é hoje – para o bem e para o mal – não é primordialmente uma função da governação Socialista. Surpreendentemente, as sondagens apontam, pelo menos neste momento, para uma nova vitória do Partido Socialista. Confesso que a manutenção da lealdade a um sistema cuja capacidade de produzir bem-estar e riqueza é baixíssima constitui, para mim, um dos maiores puzzles do Portugal contemporânea. Como é possível que a maioria dos Portugueses assista à degradação do país, tenha, de acordo com a sondagem do Expresso, uma noção clara que os principais indicadores vão piorar, e continue a apoiar o status quo?

No entanto, se olharmos com atenção, vemos que a lealdade é cada vez menor. Em vez de assistirmos a protesto, muitos Portugueses estão a optar simplesmente por sair do sistema político. Olhemos, por exemplo, para o número absoluto de votantes no PS e no PSD. Em 2002, os dois partidos obtiveram mais de 4.3 milhões de votos. Em 2009, esse valor caía para 3.65 milhões. Em 2019, caiu para 3.35 milhões. No espaço de duas décadas, os dois principais partidos continuam a partilhar o poder. No entanto, fazem-no com menos 1 milhão de votos de apoio explícito, o que não é de somenos. É certo que, no entretanto, apareceram novos actores partidários como o Chega, o PAN e a IL. Todavia, em 2019, último ponto de observação que temos disponível, estes partidos tinham um número de votos ainda residual e não podem ser a explicação para a erosão do número de votos dos grandes partidos. Aparentemente, a insatisfação com o sistema político faz-se através da saída, nomeadamente com a abstenção.

Chegados aqui é preciso pensar numa alternativa que mobilize os Portugueses e os tire da atrofia em que estão metidos. No fundo, é preciso um partido político que consiga que os partidos optem por utilizar a sua voz, através do voto, em vez da saída, através da abstenção. Com todos os problemas, nomeadamente a associação a lugar-tenentes pouco recomendáveis do Passismo, Paulo Rangel tinha uma tentativa de discurso para a mobilização e protesto face ao actual estado de coisas. Sei que isto poderá parecer algo inocente, mas, ao ouvi-lo, para além de ser evidente que leu livros e sabe o que é o Mundo, algo muito diferente do político comum em Portugal, pareceu-me vislumbrar a ideia de que é necessário criar riqueza, não ter tabus sobre como o fazer e, ainda, não estar satisfeito com pouco. Rui Rio ganhou as eleições primárias do PSD e seria altamente benéfico para a democracia Portuguesa que rompesse com as ambições pequeninas de António Costa e da esquerda Portuguesa, assim como do inquilino de Belém, e apontasse uma alternativa clara. Voltando à analogia de Hirschman, o país não se pode dar ao luxo de continuar a alimentar a lealdade ou a saída. É indispensável a voz.

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