As recentes declarações de Paula Teixeira da Cruz, actual ministra da Justiça, recuperaram um debate que se encontrava há demasiado tempo em estado letárgico. A legalização das drogas leves.

Em 1920, sob forte pressão de alguns grupos de interesse, foi passada uma proibição constitucional à venda, produção, importação e transporte de álcool nos Estados Unidos da América. A lei seca, como ficou conhecida, procurava assim diminuir o consumo de álcool. A partir desse momento — correlação espúria ou causalidade, fica como exercício para o leitor — o número de roubos aumentou 9%, os homicídios dispararam 13%, os espancamentos 13%, o consumo de estupefacientes e psicotrópicos 45%, os custos policiais subiram quase 12%, e o mercado negro registava fabulosos lucros de cerca de $3 biliões/ano, uma grande parte dos quais revertia directamente para Al Capone.

Cerca de 51 anos depois, Richard Nixon reforçou a dose, passe o trocadilho, e decide encetar uma outra guerra, desta feita contra as drogas. Entre 1970 e 2010, a despesa alocada ao combate às drogas aumentou de menos de $1 bilião de dólares para $20 biliões (preços constantes). Já a taxa de consumo de drogas manteve-se relativamente inalterada, oscilando entre 1% e 2% de toda a população americana. O número de mortes por overdose aumentou significativamente, de cerca de 10 mortes por 100 mil habitantes, em 1999, para 25 mortes por 100 mil habitantes em 2010, assim como aumentou quase oito vezes a taxa de encarceração, de menos de 0.2%, em 1970, para 0.8% em 2008. Actualmente, um milhão e meio de pessoas são anualmente detidas, sendo que um terço destas acabam na prisão.

Em sentido totalmente contrário, os estados do Colorado e do Washington legalizaram, em 2012, o consumo para fins recreativos (o consumo para fins medicinais já era legal) de drogas leves. Embora os dados ainda não permitam uma análise extensa, são animadores. Segundo estatísticas oficiais, o crime violento e de propriedade decresceu 10.6%. Estima-se que a receita fiscal oriunda das drogas leves respeitante a 2014 — sendo legal está sujeita aos trâmites que regem qualquer outra actividade — possa atingir cerca de $100 milhões de dólares. O número de acidentes de viação também reduziu para menos de metade da média anual desde 2002, valores mínimos históricos. Esta actividade gerou também cerca de 10 mil postos de trabalho directos, e uns quantos outros indirectos, incluindo operários de construção, electricistas, canalizadores, contabilistas, advogados, etc.

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Embora de forma menos audaciosa, também Portugal tem uma experiência de 13 anos de despenalização do consumo de drogas leves para fins pessoais. O número de toxicodependentes, contabilizado em 100 mil pessoas nos idos dos anos 90, baixou para menos de 40 mil. O consumo de drogas entre jovens também caiu, e de forma análoga ao Colorado, a criminalidade cometida sob a influência de drogas também sofre um decréscimo, de cerca de 44%, em 1999, para menos de 21% em 2012. Adicionalmente, os recursos humanos e financeiros necessários para a persecução legal puderam ser reafectados a outros fins.

O consumo de drogas tem contudo potenciais danos colaterais. Não são substâncias inócuas, e quando consumidas, ainda que em doses moderadas, poderão dar origem a sérios problemas de saúde, assim como a comportamentos desviantes. Aliás, tal como o álcool ou, em menor escala, o tabaco. Mas este argumento atesta para ambos os lados — se o seu consumo é potencialmente nefasto, importa regular e informar sobre o seu consumo.

Não obstante esta visão mais utilitarista, que procura encontrar nos benefícios tangíveis uma justificação moral para a legalização das drogas leves, não é menos relevante o imperativo categórico que daqui advém: o consumo de qualquer substância, porquanto não implique um dever de terceiros, diz respeito apenas ao próprio. Trata-se de uma liberdade individual. Ou, em linguagem comum, o que cada um faz consigo próprio só a si diz respeito, e delitos causados pelo extravasar dessa liberdade já estão devidamente contemplados na lei. Este é um bom momento, como qualquer outro, para discutir o assunto, em particular se essa liberdade tem sido condignamente salvaguardada. No Colorado e em Washington já o fizeram.

Professor da Universidade do Porto, doutorando em economia da saúde