É costume dizer-se que «uma imagem vale mil palavras», e esta, do pequeno acto de variedades nos bastidores da Assembleia da República no dia da visita de Lula, é dez vezes mais vocal do que aquela quantidade.

Primeira constatação: o cameraman/realizador é um profissional competente. Tanto que fez da sua câmara uma câmara subjectiva ao arrumá-la atrás de Costa. A câmara conta, portanto, a história do ponto de vista do primeiro-ministro, a terceira figura do Estado, em primeiro plano meio desfocado, mas impositivo, imóvel, ajuizando, acolhendo as explicações deferentes dos outros. A câmara é ele e é ele quem manda.

E que vê a câmara-Costa?

Vê primeiro, ao centro, falando e rindo, não Augusto Santos Silva, não o Presidente da Assembleia da República, não a segunda figura do Estado, mas apenas um homem ansioso que tem sobre tudo o que faz e diz uma ideia inflacionada de subtileza e argúcia, e que, no momento, explica que a fúria e os gritos em que eclodiu para criticar o comportamento da bancada do Chega durante a visita do presidente brasileiro era uma «fúria gélida», ou seja, diz que estava a ser teatral apenas. Assim se explica Silva a quem manda, e explica-se para reforçar — pensa ele — as hipóteses que tem — segundo julga — de um dia ser Presidente da República — como sonha. É por Silva se explicar a quem manda que nele se nota já um esfregar serviçal de mãos e um natural esboço de vénia.

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A câmara-Costa vê, à direita, não o Presidente da República, não a primeira figura do Estado, mas «os comentadores», como Costa que manda também por vezes lhe chama. E a primeira figura do Estado, que poderia e deveria ter-se contido sem comentar as tristes cenas acabadas de acontecer no plenário (tão confrangedor o protesto do Chega como o esbracejar e gritaria de Silva… e a própria presença de Lula), no entanto, não resiste e comenta. «Eu estava ali ao lado e a ver à minha direita…», começa ele, de olhos postos em quem manda, servindo entretenimento.

A cena é cruel para os protagonistas, mas se o Presidente da República tem, ao menos desta vez e sobre o pequeno filme, o bom senso de nada dizer, já a segunda figura do Estado abespinha-se, e critica, e ameaça com investigações e processos os autores e divulgadores de um filme feito com autorização oficial, feito onde e como é costume, e divulgado como é normal que seja. Compreende-se, porém, a indignação de Silva: na realidade, no filme, é ele o único que aparece verdadeiramente despido.

Já Costa nada tem a opor, ao contrário, já que o filme mostra quem manda.

Perdeu as eleições contra o primeiro-ministro que resgatou o país da bancarrota causada pelos socialistas, mas Costa aliou-se a extremistas para sobreviver e mandar. É certo que não manda como mandam os estadistas, que ambicionam o poder, evidentemente, mas para enobrecer o país, e dar mais riqueza e bem-estar ao povo. Costa não, Costa destruiu a TAP, destruiu o Serviço Nacional de Saúde, destruiu a Educação, destruiu os serviços públicos, acentuou a falência da Justiça, se lhe derem tempo destruirá a habitação, impôs a fraude do virar da página de austeridade enquanto cortava no investimento, cultivava com esmolas uma hoste de dependentes, ocupava o Estado com gente ávida e incompetente, e subia impostos, e empobrecia o país. Que importa? Pouco lhe importa! Costa não quer governar, e despreza o país e o povo. Quer mandar, apenas. A isto se resume a habilidade do «político mais hábil»: ele manda para si, e, de resto, para nada.

As coisas são o que são, e este filme é o que é. O filme que espero que se lhe siga releva do mais puro wishfull thinking: será o filme de um Presidente da República traído e frio, eficaz mas contido, a utilizar a sua inteligência, cultura e contactos superiores para fritar longa deliberada persistente e malevolamente (sim, gostaria que fosse também malevolamente, embora Marcelo, sendo “traquino”, não seja mau como Costa) a fritar longa deliberada persistente e malevolamente este homem que manda, este político medíocre e pernicioso, até que seja afastado, ele e todos os seus silvas, a bem do progresso, da sanidade e da decência.

(O autor escreve em português e não segundo o acordo ortográfico.)