É fácil escrever rapidamente uma lei, um decreto-lei ou um regulamento. Mas o fácil e barato sai, bastas vezes, muito caro. Tão caro que pode mesmo ter, apesar de poder não ser essa a intenção de quem legislou, os efeitos inversos daqueles que se pretendia obter.
Efetivamente é possível legislar de forma tão errada que os objetivos políticos que se visa prosseguir são cilindrados, nomeadamente, pelo retorno perverso resultante desse texto. O que é especialmente aviltante em áreas como a do arrendamento urbano. Assim o espelhou muito recentemente a Unidade Técnica Orçamental no estudo de apreciação de efeitos económicos do pacote fiscal sobre rendimentos prediais, referente a um conjunto de projetos legislativos em discussão no Parlamento. Para citar um exemplo, aí se lê que excluir os arrendamentos vivos do acesso ao benefício fiscal induzirá o efeito perverso de precarização dos vínculos existentes e minará a eficácia da maioria das iniciativas legislativas.
São já muitos os estudos, nacionais e internacionais, que aconselham Estados, regiões, municípios, reguladores e demais entidades com poder legislativo ou regulamentar a organizar-se no sentido de melhorar a qualidade da legislação e da regulamentação.
É o que mostra também o recente Regulatory Policy Outlook 2018 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Aí se defende, nomeadamente, que há a necessidade de desenhar regras transparentes, assentes em dados concretos, que tomem em consideração os riscos, assim como as realidades presentes no terreno. E que deve procurar-se o envolvimento das partes interessadas, bem como a avaliação dos impactos, antes e após a adoção das normas.
Poderá insistir um incauto que a avaliação do impacto legislativo e a defesa das políticas públicas, nomeadamente as sociais, serão matérias sem relação. Mas têm-na, e estreita. Por exemplo, no tocante ao apuramento e consideração das consequências da “lei das 35 horas”, pensemos como teria sido diferente ter identificado e resolvido atempadamente os efeitos nefastos que a mesma implicou para o sistema de saúde.
A União Europeia, a OCDE e diferentes países vêm percebendo e explorando o potencial das ferramentas de avaliação de impacto das normas, integrando-as em iniciativas destinadas a legislar melhor (ver, por exemplo, Better Regulation).
Na verdade, podemos com a avaliação, nomeadamente, antever de forma mais cuidada os resultados de diferentes cenários de atuação pública em equação, identificar vantagens e desvantagens de cada cenário, garantir maior adesão ao que é a realidade e, nomeadamente, antecipar e evitar efeitos não pretendidos.
Este instrumento apoia a tomada de decisão política, nomeadamente na escolha do cenário que prossegue da forma mais conveniente as finalidades políticas visadas e a maior racionalidade económica na opção adotada. Confere segurança ao decisor, designadamente pela maior ancoragem na realidade, pela melhor perceção de vantagens, inconvenientes e riscos, pelo diálogo que pode promover com os interessados, assim como pela melhor fundamentação e consistência dos caminhos a trilhar.
Não se quer este instrumento para substituir o decisor político. É o decisor político que tem aqui mais um instrumento de sustentação da sua ação. Instrumento que, aliás, oferece também maior transparência ao processo decisório, ficando mais claras as razões das opções adotadas, ainda que ideológicas. Instrumento que pode expor pressões indevidas e fenómenos conexos. Instrumento que prossegue, afinal, princípios básicos de um Estado de Direito.
Trata-se aqui, também, de um instrumento capaz de identificar diferentes graus de impacto, positivos e negativos, das medidas a adotar, em face de diferentes territórios, gerações ou outros grupos.
Portugal já conhece estes instrumentos, encontrando-se em curso iniciativas importantes que importa aprofundar, mas também sabemos que uma cultura de “legislação fácil” não se muda de forma ágil.
Importa, assim, estruturar a atuação pública no terreno normativo, designadamente para que erros como os citados, desde logo em políticas com elevada projeção social, não continuem a ser cometidos.
E importa também que nós cidadãos sejamos mais exigentes.
Que não aceitemos de ânimo leve que em legislação como a decorrente do Regulamento Geral da Proteção de Dados a Assembleia da República se possa bastar com uma apreciação que se limita a indicar que em face da informação disponível, não é possível determinar ou quantificar os encargos resultantes da aprovação da presente iniciativa.
Ou que nas discussões sobre aumentos de pensões, ou outras do tipo, permitamos limitar-nos a ouvir falar em perspetivas de mercearia estancada no tempo, circunscrita a preocupações de deve-e-haver.
A avaliação de impacto das normas é, resumidamente, uma ferramenta de apuramento da qualidade das leis e um crivo de transparência, assim como reflexo de uma democracia madura e responsável, também pela aproximação entre decisor e cidadão que implica. Sejamos todos mais exigentes. Legislar barato sai caro.
Jurista, Investigador do Centro de Estudos de Direito Público da Faculdade de Direito de Lisboa