Estive por estes dias em Berlim o que, além do passeio, foi uma boa forma de relembrar a importância do que damos por adquirido e não valorizamos. Vamos por partes: Berlim é uma cidade reconstruída após os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial e depois da divisão de um muro feito para que as pessoas não fugissem do paraíso comunista. A história é pesada e sente-se em cada esquina e nos ombros dos berlinenses. Mas não é melancólica como se comprova no ambiente vibrante da cidade.

Do Reichstag às portas de Brandemburgo, da Potsdamer Platz à Berlin Hauptbahnhof, locais imensos reconstruídos, ou construídos de raiz, equivalentes em dimensão a várias exposições como a nossa de ’98. Novas linhas de transportes (o eléctrico, o autocarro, o metropolitano e os comboios regionais ou estaduais estão interligados ao ponto de metade dos berlinenses não terem carro), novas instalações governamentais, cicatrizes de feridas profundas que nos dão um sentido do futuro.

E como é que isso acontece sem que pareça conversa vazia? Muito simplesmente olhando para o endividamento do Estado face ao PIB, que era de pouco mais de 50% em 1995 e que foi de 63% em 2023. Bem sei dos problemas que a Alemanha atravessa por se ter fiado nas matérias-primas vindas Rússia e na dependência que as suas grandes indústrias têm da China. Mas em 2011, vinte e um anos após a reunificação alemã, após a construção de todas aquelas infra-estruturas, a dívida pública rondava os 79% do PIB. Foi nesse ano que Portugal, Espanha e Grécia, que há décadas recebiam fundos de Bruxelas, deixaram de se conseguir financiar. Como é que isso foi possível?

É uma pergunta que quem quer que vá a Berlim obrigatoriamente faz. É a questão que todo o alemão colocou em 2011. É inevitável. Principalmente quando, como na última quarta-feira ao chegar a Lisboa, me deparei com a carreira do 744 (antigo 44) fechada por passar das 9 da noite. Com o metro a levar-me para a Alameda quando quero ir para Alvalade, a não querer usar um táxi por razões óbvias, o choque é abrupto mesmo para quem está à espera dele. E que pergunta: o que fizemos ao dinheiro que não foi pouco? O que fizemos ao tempo que tivemos de quase 40 anos?

E porque não foi pouco o dinheiro nem escasso o tempo, a resposta reside na falta de planeamento. O resultado está à vista na ferrovia e na travessia do Tejo. Mas o caso do aeroporto de Lisboa é, por si só, exemplar: como durante 50 anos estivemos para decidir onde construir o novo, não se apostaram nos acessos ao actual. Ao ponto, de 38 anos após a adesão à CEE, os autocarros serem escassos e o metro não o ligar directamente ao Campo Grande. O aeroporto fica dentro da cidade, mas é mais fácil ir do Charles de Gaulle ao Bd Saint-Germain ou de Heathrow à Charing Cross.

Em Portugal pensa-se e antecipa-se pouco. E isso custa mais que os fundos de Bruxelas recebidos nos últimas décadas, muitíssimo mais que os fundos do PRR. Em 1963, o presidente Kennedy sugeriu que quem não conhecia a diferença entre o mundo ocidental e o comunista devia dar uma vista de olhos a Berlim. ‘Let them come to Berlin’. Fica a ideia.

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