Houve uma fase da minha vida em que todos os anos rumava a Madrid para participar nas conferências mundiais que se realizavam sobre liderança. Escutei os maiores gurus mundiais. Ouvi gente paga a peso de ouro para fazer este tipo de conferências. Estive com pessoas que só conhecia dos livros. Alguns prémios Nobel. Admirei o brilho intelectual e a capacidade oratória de muitos. Mas regressava sempre com a ideia de que o sucesso deles era configurável aos casos que tiveram de enfrentar. Que mudando a situação/organização nada garantia que o sucesso estivesse presente. No fundo, confirmando o que a vida ensina: que muitos líderes com sucesso numa organização falham em outras. E dessas experiências falhadas não se fala(va). Passado todo este tempo muitos desses líderes jazem com as empresas que lideravam e não resistiram à bolha especulativa dos anos 90 que contaminou toda a economia global. O subprime, a dívida soberana e o capitalismo especulativo deitaram por terra as suas fantasias retóricas. Não houve Silicon Valley que lhes valesse.

Exemplo acabado do anteriormente referido são também  os estudos de casos de sucesso empresarial, dissecados em obras clássicas da gestão e retomados nas mais renomadas escolas de organização e gestão de empresas, que acabam por sucumbir à evolução dos mercados e à imprevisibilidade do devir. Aliás, das 43 empresas americanas mais bem geridas, estudadas por Peters e Waterman numa das mais importantes obras sobre gestão, Em Busca da Excelência, várias foram aquelas cujo desempenho se agravou pouco depois da primeira edição do livro, em 1982.

Não sei se aprenderam. Os seminários e as conferências por esse mundo fora continuam cheios de casos de sucesso. A literatura dá exemplos de como alcançar o êxito. Mas está na generalidade ausente sobre o modo de enfrentar e lidar com o insucesso e o fracasso. Existe uma espécie de pudor e de medo em enfrentar uma realidade das organizações que é o de falharem os objetivos. Ainda que, num meio competitivo como é aquele em que operam as organizações, a probabilidade de insucesso ser bem maior que a do êxito. É óbvio que nada nos move quanto à descrição de experiências de sucesso. E não nos passa pela cabeça que essas experiências não contenham matérias que constituam motivos de aprendizagem. Mas, e o fracasso? Quem fala dele? Não existe? Não é motivo de aprendizagem. Em que medida a retrospetiva de sucessos e insucessos passados é transferível para a prospetiva da excelência do futuro?

O coaching, entretanto, erigiu-se como uma nova religião. Uma espécie de evangelismo .Tal como os governos consideram que progredimos fazendo mais leis, também algumas tendências de liderança consideram que se muda a realidade alterando as terminologias e inundando os discursos profissionais de clichés, novidades terminológicas e cuidando da saúde motivacional” dos líderes e dos gestores.

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As organizações não devem perder muito tempo com estes modismos. Será preferível estudarem os fatores inibidores da ação e das escolhas. Tentar compreender o desvio entre o previsto e o realizado. E perceber que nas organizações, vivemos um tempo que parece avançar mais rapidamente que o conhecimento que temos sobre ele e sobre o modo de o organizar.

Mais importante que a atualização do léxico é estudar os projetos, as organizações e os países que obtêm resultados e alcançam sucesso. E constatar que ele ocorre nas organizações onde existe modéstia das palavras e dos propósitos. Mas uma clara definição das opções – poucas, mas bem determinadas -uma clara focalização nas prioridades e a existência de estabilidade nas lideranças e nas políticas. Em que contam os resultados e não as intenções. E uma cultura de exigência. De compromisso. Não é tudo. Mas ajuda muito.

Uma tendência muito em voga nos últimos anos tem sido o de convidar agentes desportivos – treinadores e atletas com sucesso nas respetivas carreiras profissionais – para fazerem palestras aos quadros das empresas sobre processos de mobilização motivacional baseadas no modelo de intervenção no treino e preparação desportiva. Acompanho sempre este tipo de importações com muitas reservas. Porque uma equipa desportiva não é uma empresa. Mas também por outras razões.

Em primeiro lugar, porque os conhecimentos acerca das variáveis de contexto não são transferíveis. O que dá certo numa organização não é sucesso garantido numa outra. O que pode ser um catalisador de sucesso e valor acrescentado num setor de atividade, reconfigura-se como um obstáculo inultrapassável noutro. Depois, porque não há uma melhor maneira de liderar: tudo depende da situação. Em terceiro lugar, porque não é possível replicar numa sala ou num auditório as práticas de liderança. Em quarto lugar, porque a liderança tendo muito de conhecimento e de saber, tem sobretudo bastante de experiência e de talento. E, finalmente, porque os insucessos dessas pessoas, que os têm, raramente são expostos e analisados.

Na vida profissional as melhores aprendizagens de liderança foram em exercício de funções. Em que assumia a condição de liderado. Profissionais de desporto que foram marcantes no modo como lideravam os projetos em que participei. E com estilos diferentes, modos distintos de comportamento e até dimensões ideológicas diversas. Mas todos com uma enorme capacidade de organização e mobilização de recursos e de pessoas. E com projetos em que tiveram sucesso e outros em que fracassaram.

A capacidade em aprender com o fracasso e em enfrentar o insucesso nos períodos de maior adversidade são um traço impressivo das carreiras de maior sucesso no desporto. São, frequentemente, o testemunho que nos deixam alguns dos mais notáveis líderes desportivos, dentro e fora do terreno de jogo. A sua capacidade em reinventar-se e não se furtarem a tomar decisões nos períodos mais críticos e decisivos das suas carreiras desportivas e vidas pessoais. Algo que a literatura cunhou no termo resiliência.

Num tempo em que os temas da liderança (…e de algum modo da gestão) também viraram negócio e criaram uma novilíngua, é bom que se tenha presente que o líder é como um grande cozinheiro para cuja qualidade as palavras não são suficientes e nenhuma teoria explica. (Andrew Sullivan). E que pode escrever o melhor livro do mundo com as receitas, os ingredientes, as quantidades dos produtos, os tempos de preparação que, seguramente, qualquer tentativa de o imitar ficará muito aquém daquilo que ele consegue.

A complexidade do tempo presente e do futuro próximo, exige uma capacidade de compromisso com objetivos, resiliência e respostas eficazes e assertivas aos desafios que se colocam às organizações, às equipas e às pessoas na sua vida profissional, familiar e afetiva.

Trata-se de encontrar soluções e implementar medidas para, em pequenos passos, ajustar as nossas atitudes e comportamentos, gerir as emoções, mobilizar a motivação, ultrapassar limitações e, por entre quedas e derrotas, conseguir a superação, ser melhor, vencer o conforto e almejar a excelência.

Porém, transferir esta mensagem para a concretização de projetos organizacionais carece de muito mais que um discurso apologético ou palavras motivacionais com que diariamente somos saturados, por inúmeros profetas, nos mais diversos canais de comunicação. Num tempo em que há quem venda a ideia de que há uma melhor maneira para liderar é sensato interrogarmo-nos sobre a bondade dessa afirmação. E convivermos com uma outra, porventura mais singela: a de que aprendizagem se faz com o sucesso e com o erro. E que não é possível banir este último da vida das organizações. As sociedades não se constroem sem riscos e um deles é a possibilidade de falhar e a impossibilidade de suprimir os erros. Liderar é também saber conviver com eles e deles tirar o melhor proveito para se reinventar, ou como nos deixou Beckett,tentar de novo. Falhar outra vez. Falhar melhor”.

José Manuel Constantino (1950-2024) era licenciado em Educação Física, Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto e Doutor Honoris Causa pela Universidade Técnica de Lisboa. Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e da Grã-Cruz da Ordem de Instrução Pública, foi diretor do Departamento dos Assuntos Sociais e Culturais da Câmara Municipal de Oeiras (1996 – 2002), presidiu ao Instituto do Desporto de Portugal (2002-2005) e à Confederação do Desporto de Portugal (2000-2002). Era membro do Conselho Social da Faculdade de Ciências da Economia e da Empresa da Universidade Lusíada (desde 2016) e foi membro do Conselho Geral do ISCTE-IUL (2017-2018). Era, desde 2013,  presidente do Comité Olímpico de Portugal.
Este artigo está inserido no livro “85 Vozes pela Liderança: O mundo mudou. A liderança também!”, que será publicado pelo ISCTE Executive Education e pela Leya em novembro.