A Presidência da República, com uma frequência que não era habitual em anteriores titulares do cargo, passou a assinalar os sucessos de atletas portugueses em competições internacionais. E fê-lo de modo diverso: pela divulgação de mensagem de felicitações aos vencedores, através de atos oficiais de receção para apresentação de cumprimentos e pela atribuição de diversos tipos de condecorações.

Estes atos são positivos. Revelam que o mais alto magistrado da Nação está atento à vida desportiva nacional e que procura valorizar no plano nacional aquilo que são os sucessos desportivos internacionais. Mas, como em tudo na vida, o excesso ou uma opção não baseada em critérios de valor desportivo corre o risco de banalizar o que deveria ser considerado um registo de excelência.

A comunidade desportiva interroga-se sobre que motivos explicam que um sucesso desportivo de um campeão europeu seja assinalado numas modalidades e o não seja em outras; que competições de níveis etários de formação sejam equiparadas a competições de escalões absolutos; que nuns casos se visitem os locais de estágio e de preparação desportiva e noutros se ignorem; que nuns casos se apresse uma distinção e noutros se protele; que numas cerimónias o presidente da respetiva federação seja convidado a usar da palavra e em outras não.

Uma decisão política, por mais respeitável que o seja, não pode assentar no arbítrio. E de arbítrio se tratará se não proceder à diferenciação de tratamento de modalidades desportivas com base em justificação razoável ou for destituída de uma base ou de fundamento que permitam perceber ao cidadão comum o(s) critério(s)que enforma(m) tal diferenciação.

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Se relativamente às mensagens de felicitações se compreende que a conduta do Chefe do Estado não se paute pela rigidez, no que concerne a competições desportivas incluídas no âmbito de Campeonatos da Europa, do Mundo e Jogos Olímpicos, a situação é distinta sobretudo quando se trata não só de manifestar satisfação pelos êxitos obtidos, mas de atribuir outras, mais solenes, distinções pelo Estado.

Na hierarquia das distinções desportivas oficiais existem Condecorações Desportivas designadas Medalhas de Mérito Desportivo de natureza específica e da responsabilidade do Governo e as Ordens Honoríficas, com diferentes graus e conteúdos, da responsabilidade da Presidência da República.

As primeiras estão intimamente associadas ao mérito desportivo alcançado; as segundas juntam ao mérito desportivo uma apreciação que, salvo melhor opinião, deve ter em conta quer o especial impacto social do feito desportivo, o contexto internacional e o nível competitivo em que foi alcançado, mas também a dimensão do distinguido enquanto referência nacional que importa reconhecer e destacar como exemplo no plano ético, social e cultural.

Nesse sentido, seria expetável uma articulação entre a atribuição de Ordens Honoríficas e a atribuição das Medalhas de Mérito Desportivo, em que as primeiras reconheçam casos de elevada excecionalidade onde o resultado desportivo não seja o critério único e as segundas outorgadas sempre que se alcancem resultados desportivos de dimensão internacional.

Vivemos tempos marcados pelas agendas mediáticas. O exacerbamento da mediatização dos atos públicos torna real o risco da trivialização e da perda do valor da homenagem quando com ela se pretende distinguir os melhores como exemplo para a sociedade. É, por isso, que se considera essencial que o poder político se paute neste domínio por critérios que assentem no superior interesse público, o que pressupõe plena paridade no estímulo a dar por esta via a todas as modalidades desportivas. Infelizmente, têm-se multiplicado os exemplos de recondução da solenidade da distinção a uma lógica que, consciente ou inconscientemente, avilta o nobre propósito da distinção do Estado: atrai-se a atenção mediática para o homenageante em lugar de se encarecerem os feitos do homenageado e os efeitos da sua projeção social, tendo em atenção o contexto competitivo em que o resultado desportivo notável foi obtido.

Não temos a ingenuidade de supor, ou de esperar, que exista uma coincidência absoluta entre o valor político de um sucesso desportivo e o respetivo valor desportivo. Mas é de exigir que a decisão política tenha critério e se fundamente numa avaliação do mérito desportivo alcançado, o qual tem de ser contextualizado face ao valor e à dimensão competitiva internacional em que foi alcançado.

A excelência desportiva e o desempenho corporal vulgarizam-se quando o valor político de um vencedor de uma modalidade de uma qualquer disciplina do desporto adaptado vale o mesmo que o campeão de uma modalidade olímpica. Quando se distinguem vencedores em competições em que o número de medalhas a atribuir é exatamente igual ao número de participantes ou quase.

É óbvio que este não é um pecado exclusivo do poder político. Mesmo da parte das organizações desportivas, por vezes, uma competição à escala do bairro ou de um pequeno leque de participantes premeia o vencedor com uma medalha a que chama de ouro, como se de um campeonato do Mundo ou uma competição olímpica se tratasse. As organizações desportivas que deveriam ser as guardiãs da identidade do desporto não travam esta deriva e, em alguns casos, acompanham-na e alimentam-na.

O desporto no mundo globalizado afirma-se como uma componente essencial das sociedades modernas e é, ele próprio, um fator de modernização que se reflete na vida dos indivíduos e das comunidades. É também um fator reconhecido de capital social enquanto promotor de redes, normas e relações de confiança, vínculo e responsabilidade que mobilizam os indivíduos no desenvolvimento de um amplo leque de competências orientadas à prossecução de objetivos partilhados, com um valor educativo incontornável.

Mas a sua credibilidade e legitimidade será sempre conferida não por letra de lei, ou proclamações retóricas, mas antes pela capacidade das lideranças políticas e desportivas fundarem a sua intervenção no respeito por tais princípios fundamentais, os quais presidiram à emergência do desporto como uma atividade ao serviço do desenvolvimento humano, enraizada numa matriz de valores que, hoje, invariavelmente se ignoram no barómetro da voragem mediática.

Todos apreciamos e valorizamos a relação de proximidade e de atenção que o Presidente da República concede aos feitos desportivos dos portugueses. Situação que só ganha em ser sustentada numa lógica institucional que não fique refém das agendas mediáticas e valorize socialmente o desporto junto das diferentes modalidades. De todas. Sem exclusões!

Presidente do Comité Olímpico de Portugal