Lisboa enfrenta em 2024 uma das maiores pressões urbanas de Portugal, estando o mercado imobiliário marcado pela crescente procura e pelos limites na oferta de habitação. Podemos discutir se o que fez aumentar o preço dos imóveis foi a reabilitação dos mesmos (há 10 anos boa parte do centro da cidade era inabitável), o turismo e o AL, os imigrantes, os vistos Gold, e por aí fora. Pouco interessa.

O que interessa discutir neste momento é que o resultado foi um aumento constante nos preços dos imóveis, influenciado pela competição feroz pelo espaço disponível. Pragmaticamente, queremos todos viver no mesmo sitio. Quando todos queremos o mesmo, o preço aumenta.

Na verdade, num país com 76% de proprietários e virtualmente sem mercado de arrendamento, o preço das casas baixar a pique seria o pior que podia acontecer aos portugueses. O que queremos é que o preço não aumente tão rapidamente que proíba aos jovens a emancipação ou a troca de casa por necessidade.

Fala-se em construção e em como o aumento da mesma permitirá baixar os preços das casas na cidade, mas isto não chega, lamento. A realidade, essa, não pode ser dissociada das questões de mobilidade e de transporte.

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Lisboa é frequentemente criticada pela sua rede de transportes públicos, considerada ineficiente e insuficiente, datada e assente no transporte rodoviário, o que acentua as distâncias e limita as opções habitacionais. Quanto mais carros entram em Lisboa, pior funciona a Carris. Quanto pior funciona a Carris, mais portugueses preferem vir de carro para Lisboa.

Com estes pressupostos em mente, é fundamental reconhecer que, para regular o mercado imobiliário lisboeta e manter os preços das habitações a níveis sustentáveis, o investimento na mobilidade é um elemento essencial.

A Teoria da Renda Locacional (Bid Rent Theory), proposta por William Alonso, explica que os preços dos terrenos e imóveis aumentam à medida que nos aproximamos dos centros urbanos. A proximidade ao centro oferece maior acessibilidade, oportunidades de emprego e serviços, tornando o espaço mais desejado. Em Lisboa, esta lógica é clara: as áreas mais centrais, como a Baixa, o Chiado, o Príncipe Real e a Avenida da Liberdade, são as mais valorizadas, precisamente porque oferecem maior proximidade aos principais polos económicos e culturais da cidade. A única maneira de o preço nestas zonas baixar, seria aplicar políticas de extrema esquerda para assistirmos à degradação nas zonas tal qual Havana, Cuba. Se tudo estiver destruído, de facto não terá valor, mas também não promoverá qualidade de vida a quem lá vive.

À medida que a cidade cresce, a competição pelo espaço nas áreas centrais intensifica-se, e a oferta de habitação torna-se limitada. Mesmo com nova construção, admitindo que não vamos terraplanar a Lisboa antiga, a procura tenderá a ultrapassar a oferta. Resultado? Os preços sobem.

Esta tendência não é apenas uma questão de escassez de terrenos. A falta de um sistema de transportes eficaz promove a dependência das áreas centrais, uma vez que as zonas periféricas, menos bem servidas por transportes, não oferecem uma alternativa viável para muitos residentes. Construir bairros inteiros na periferia da cidade, vai apenas adensar o problema dos automóveis no centro da cidade e criar “commutes” casa-trabalho-casa infernais aos portugueses, que continuarão a preferir viver mais perto do centro da cidade.

Na verdade, o papel da infraestrutura de transporte no mercado imobiliário é central.

A teoria do “Transit-Oriented Development” defende que áreas desenvolvidas em torno de infraestruturas de transporte público eficazes tendem a atrair maior investimento imobiliário e a ter uma valorização significativa. A titulo de exemplo, em Lisboa, a proximidade a uma estação de metro ou a comboios suburbanos significa um aumento no valor dos imóveis.

A atual rede de transportes lisboeta tem, infelizmente, várias limitações. O metro cobre apenas uma parte da cidade, e há muitas zonas residenciais que não têm acesso direto a estações. Adicionalmente, a frequência de autocarros e comboios merece críticas pela sua inconsistência, qualidade e incapacidade de cumprir horários.

Esta lacuna na mobilidade afeta diretamente a valorização das áreas mais distantes do centro. Mesmo em zonas que poderiam ser economicamente acessíveis, como Odivelas, Amadora ou Loures, a falta de uma rede de transportes eficaz e confiável faz com que muitos trabalhadores e residentes prefiram viver mais perto do centro, aumentando a pressão sobre essas áreas centrais e, consequentemente, os preços.

Lisboa não é uma cidade com uma geografia que impossibilite a expansão para áreas periféricas, mas isso só é possível se essas áreas forem suficientemente servidas por transportes públicos. A descentralização das atividades económicas e a criação de novos centros urbanos (como por exemplo Oeiras e os seus parques empresariais) pode ajudar a redistribuir a procura de habitação.

Na cidade, zonas periféricas como o Parque das Nações, beneficiaram significativamente de uma requalificação urbana acompanhada de um bom acesso a transportes e, por isso mesmo, geraram uma grande valorização imobiliária sendo hoje parte integrante e conexa de Lisboa. No entanto,  outras áreas periféricas que não tiveram o mesmo nível de conectividade, não conseguiram atrair o mesmo tipo de desenvolvimento e investimento.

Outro fenómeno indissociável desta conversa é a gentrificação. Onde outrora existiam bairros acessíveis e habitados por residentes de classes sociais mais baixas, hoje existem áreas de alto valor imobiliário. À medida que os preços aumentam, os residentes são forçados a deslocar-se para áreas mais periféricas, onde, novamente, enfrentam os problemas de falta de transporte, aumentando os problemas de exclusão social e criando esta ideia de uma cidade para ricos e uma para pobres.

Esta exclusão urbana gera um ciclo vicioso, no qual a desigualdade social se agrava, e a mobilidade é limitada tanto fisica (devido à falta de transportes) quanto economicamente.

O foco excessivo no desenvolvimento imobiliário em áreas centrais e de prestígio não resolve o problema de fundo. Ter partidos políticos de extrema esquerda a fazer da nova Zara na praça da Figueira bandeira pela habitação é um absurdo ideológico de quem nada percebe de imóveis nem de dinâmicas populacionais – a falta de soluções habitacionais acessíveis e a insuficiente conectividade entre o centro e as zonas periféricas, essas sim fazem a diferença.

Então e qual a solução? A chave para regular o mercado imobiliário, está na construção mas com investimento em mobilidade. Mas à séria. Com comboios e não com trotinetas para inglês ver.

Se queremos o mercado imobiliário de Lisboa regulado de forma equilibrada, sem comprometer a sua atratividade económica, o investimento na mobilidade é crucial. Não se trata apenas de construir mais casas, mas de garantir que a cidade esteja interligada de forma eficiente, permitindo que as áreas periféricas se tornem opções viáveis e atrativas para viver. Isto ajudaria a aliviar a pressão sobre as áreas centrais, a expandir as oportunidades de habitação e a criar uma distribuição mais equilibrada da procura. Uma cidade para todos e não só para alguns.

Projetos como a expansão do metro de Lisboa, a criação de novas ligações ferroviárias, transportes eléctricos sobre carris e o aumento da frequência e qualidade de transportes públicos são essenciais para melhorar a mobilidade na cidade e na conexão com as cidades limítrofes e contribuir para uma cidade mais inclusiva e funcional.