Com o discurso sobre imobiliário saturado, espero desenjoar um pouco e trazer ao leitor um conceito não utilizado em Portugal e que pode facilitar – acredito eu em muito – a vida dos portugueses.

Todos os que já arrendaram um imóvel sabem que têm de entregar ao senhorio um montante como forma de garantia, a caução. O senhorio reterá este valor para fazer frente a danos que o inquilino cause no imóvel. No final do contracto, caso existam danos no imóvel, o valor das reparações será descontado na caução a devolver ao inquilino. As obras e reparações substancialmente mais dispendiosas, bem como a insegurança em caso de interrupção de pagamento, só levam ao aumento do valor das cauções.

Apontar o dedo às políticas seguidas nas ultimas duas décadas, à geringonça que ajudou a destruir o mercado de arrendamento ou dizer que os portugueses deviam era ganhar mais é tudo verdade, concordo, mas não é solução. Chorar sobre leite derramado de nada adianta, nem nos vai pôr mais dinheiro na conta.

A realidade, quer gostemos ou não, prevalece sempre e a realidade no mercado de arrendamento é que um dos fatores que dificultam o acesso ao arrendamento é o valor da caução.

É mais ou menos por esta altura que partidos como o PS, BE ou PCP dizem: “que se fixem limites às cauções!”. Um dos problemas dos limites às cauções é que, quando não pagam as reparações, o arrendamento passa a ter um risco não suportável e ou se aumenta a renda, ou o imóvel nem chega a entrar no mercado. Casas fechadas não resolvem problemas.

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A substituição da caução por um seguro de renda assenta num modelo em que os inquilinos não despendem o montante da caução, mas em que se contratualiza um seguro de renda. Neste modelo, e na eventualidade de danos no apartamento, ou de o inquilino incumprir o contrato de arrendamento, o senhorio está protegido e será o inquilino a fazer contas com a seguradora. Isto permite ao inquilino arrendar um imóvel com um investimento à cabeça menor, enquanto lhe imprime responsabilidade sobre a propriedade do senhorio. Só inquilinos de má-fé, olharão para esta solução como problemática.

A título de exemplo, temos o ZeroDeposit no Reino Unido (RU), em que o inquilino tem a possibilidade de pagar uma taxa não recuperável (equivalente apenas a uma semana de renda) em vez de uma caução recuperável equivalente a vários meses. A seguradora garante o equivalente a seis rendas.

O DepositFreeRenting é outro sistema anglo-saxónico em que a empresa providencia seguro ao senhorio para danos no imóvel ou rendas não pagas, em troca de uma taxa mensal, não recuperável. Igualmente no RU existe o Flatfair, em que os inquilinos subscrevem uma filiação em vez de uma caução.

Na Suíça, existe o SwissCaution em que a empresa adianta ao senhorio a caução e o inquilino paga uma taxa anual com base numa percentagem da caução. Na Holanda existe o Huurcheck, à semelhança do Dexi na Suécia, em que o inquilino paga uma taxa única equivalente a uma percentagem da renda mensal.

A Irlanda tem o Deposify que oferece um sistema parecido aos congéneres Holandês e Sueco, mas que também acrescenta o serviço de mediação de disputas na sua plataforma online.

E Portugal o que tem? Nada.

Como tudo na vida, todas as alternativas têm vantagens e desvantagens, vamos a elas:

Vantagens para inquilinos

Flexibilidade financeira. Estas alternativas possibilitam alugar um apartamento sem necessidade de despender, à cabeça, uma grande quantidade de dinheiro, tornando o arrendamento mais acessível.

Poupança imediata. A substituição de uma grande caução por pequenas tranches canaliza o resto do dinheiro para despesas familiares mais importantes ou permite o seu investimento noutra forma de retorno.

Deixa de ser necessário ter fiador/avalista.

A capacidade de pagamento da caução deixa de ser um factor de exclusão no arrendamento.

Desvantagens para inquilinos

De facto, algumas taxas não são recuperáveis e no longo prazo o inquilino pode vir a pagar mais. Enquanto a caução poderia ser totalmente recuperável caso não existissem danos no imóvel, neste caso há sempre alguma perda.

Ter de lidar com uma seguradora e eventuais não coberturas.

Vantagens para os senhorios

Redução do risco do aluguer. Ao ter a sua propriedade segura por uma seguradora, o senhorio ganha confiança no arrendamento e põe o imóvel no mercado.

Processo simplificado. Não é necessário estar a reter dinheiro dos inquilinos ou fazer devoluções.

Maior número de inquilinos por onde escolher, pela diminuição de factores de exclusão.

Desvantagens para senhorios

Alguns custos também para senhorios, aquando da abertura de contractos.

Limitações nas coberturas dos seguros.

Resolução de disputas com os inquilinos passam a ter também de ser feitas com a seguradora o que pode demorar mais tempo.

É absolutamente fundamental entender que este sistema não invalida que o inquilino continue a pagar a caução por inteiro, se assim for a sua vontade. Esta é uma opção, não uma substituição… e ter opções é sempre bom.

É urgente reduzir o fardo do peso financeiro que a caução tem nas famílias portuguesas. A caução não deve ser objecto de exclusão social e de dificuldade no acesso à habitação. Embora seja expectável alguma resistência inicial a taxas não reembolsáveis, no final do dia, acredito que a qualidade de vida dos portugueses melhoraria.

Mesmo sabendo que o fundamental é construir mais e melhor, abraçar novos modelos e alternativas, pode ajudar a desbloquear a situação, melhorando a flexibilidade financeira dos inquilinos, reduzindo o risco dos senhorios e simplificando os processos de arrendamento.

Uma última consideração é o cenário regulatório, além do que já todos sabemos ser necessário. A introdução de novos modelos exige apoio legislativo e regulamentações sectoriais para garantir transparência e proteção ao consumidor.