O método socrático é um exercício de argumentação com perguntas contínuas e sucessivas. Consiste em questionar sempre respostas que nos parecem ser impostas.

O secretário de Estado João Galamba traz Sócrates claramente à memória. Sobretudo, pela sua capacidade de gerar mais dúvidas a cada resposta que dá no caso do Lítio. Importa recordar que esta polémica resulta de uma investigação da jornalista Sandra Felgueiras, que durou meses, mas que apenas depois das eleições legislativas pôde ser transmitida pela RTP, o serviço público de televisão.

Este processo é demasiado turvo. Pela importância estratégica do tema para o país e pela mediatização que alcançou devia ter sido esclarecido num tempo e numa forma diferentes daquelas que ocorreram.

Se este processo é regular e não suscita dúvidas, devia ter sido esclarecido pelo Secretário de Estado no período eleitoral. E a forma como foi ensaiado o esclarecimento só intensifica as dúvidas que este processo merece. O secretário de Estado João Galamba diz que herdou um processo e adjudicou conforme a lei do anterior governo PSD/CDS. Um membro do Governo não pode ter uma “memória selectiva” sobre a herança do passado, quando todos os socialistas gritaram “somos todos Centeno” e nenhum deles fez alusão à redução do défice que herdaram do Governo do PSD/CDS. É perigoso quando um governante tenta justificar os seus actos presentes com governos anteriores. É um sinal de que este governante, dr. João Galamba, pretende desresponsabilizar-se do processo pelo qual ele é o responsável.

Esta forma de esclarecimento do secretário de Estado João Galamba lembra novamente Sócrates e, especificamente, a primeira parte do método socrático, em que se utiliza a ironia, que vem da expressão grega “perguntar, fingindo não saber”. O dr. João Galamba pergunta pela responsabilidade de governos anteriores, fingindo não saber que a responsabilidade recai sobre o actual governo do Partido Socialista.

Espera-se que o secretário de Estado aproveite o método socrático, em que mergulhou este processo da exploração de Lítio, e reconheça a “importância da ignorância” antes de ser ouvido na comissão competente da Assembleia da República. A “importância da ignorância” foi o que permitiu a Sócrates proferir a célebre frase “só sei que nada sei” e com a consciência da ignorância sabia que o caminho era a busca do conhecimento.

É fundamental que o secretário de Estado responda publicamente, com clareza e com conhecimento, que é sua responsabilidade nesta matéria. Ao Governo cabe decidir e prestar contas das suas decisões, pelo que é urgente perceber o processo que conduziu à assinatura de um contrato de exploração por um período que poderá ir até 35 anos, com uma empresa com 3 dias de vida e um capital social de 50 mil euros. Isto sobre um negócio com um potencial de quase 400 milhões de euros. Onde estão recursos públicos, decisões políticas e consequências ambientais que ainda não foram clarificadas. É esse esclarecimento que cabe ao Governo fazer, não só aos Deputados que representam os cidadãos, mas a todos os portugueses que merecem saber afinal, o que se passa, porque até agora este processo só lembra Sócrates.

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