Em Lisboa há quatro princípios sacrossantos: não se pode dizer o que quer que seja sobre Juntas de Freguesia, nem sobre sindicatos, nem sobre os diferentes serviços municipais, nem sobre decisões passadas tomadas pelos anteriores Presidentes de Câmara.
Nada pode ser questionado, sem haver um rasgar de vestes dos que já nasceram ofendidos com tudo, porque estes princípios sacrossantos lisboetas dizem-nos que está tudo bem, mesmo quando a realidade nos mostra que isso não é verdade.
Neste artigo, vou ousar escrever sobre o lixo em Lisboa, sem respeitar o sacrossanto fingimento silencioso que leva os lisboetas ao desespero e a registar queixas consecutivas na aplicação “A minha Rua”, em que a Higiene Urbana aparece como o maior foco de descontentamento. As reclamações são variadas, desde lixo abandonado, a falta de limpeza da via pública e resíduos em torno de ecoponto e vidrões.
Nem a taxa turística que rende milhões à cidade e que é uma das fontes que sustenta os custos da higiene urbana é suficiente para resolver o problema do lixo, que curiosamente não está na lista das principais preocupações de outros municípios com grande densidade populacional, mas em Lisboa é um problema que se arrasta há décadas. Porque é que isso acontece?
Quando António Costa era Presidente da Câmara de Lisboa foi feita uma reforma administrativa da cidade que descentralizou para as 24 Freguesias muitas competências do Município, nomeadamente na área da higiene urbana. Este processo que depois teve seguimento no mandato de Fernando Medina levou a que em Lisboa se passasse a ter 25 entidades que recolhem lixo, numa multiplicação de estruturas em que muitas funções se sobrepõem.
Na altura António Costa emitiu uma nota informativa, para explicar aos serviços que não estava a privatizar nada e que estava a tornar as freguesias mais fortes, mas o que me parece é que as tornou mais descontentes, porque quase todas se queixam da falta de verbas para responder às exigências de uma cidade que se quer limpa.
Há quem diga que esta descentralização levada a cabo pela dupla Costa & Medina foi feita com o propósito de dividir para reinar, para que as paralisações se tornassem menos impactantes e pudessem ser menos instrumentalizadas por quem tem vindo a perder gás nas urnas.
A cidade de Lisboa tem um modelo de gestão de recolha de lixo que mais nenhum autarca do país quis copiar (e ainda bem que não o fizeram, porque isto não funciona), em que numa mesma rua, temos a Câmara a recolher o lixo dos contentores e dos ecopontos, as freguesias a recolher o lixo das papeleiras e o lixo que está no chão. O que acontece é que muitas vezes, como os contentores estão cheios e não há sensibilização, as pessoas põem o lixo no chão e aí as Juntas reclamam, porque dizem que aquele lixo só está no chão porque os serviços da Câmara não fazem o que lhes compete. Confuso, não é?
As alternâncias de quem está na câmara levam a que as Juntas do partido oposto reclamem mais e vice-versa, mas o momento mais hilariante foi levado a cabo pelo vereador Ângelo Pereira, quando afirmou que as Juntas de Freguesia “recebem milhares de euros para tirar o lixo da rua e não tiram o lixo da rua”.
Todos estão de acordo que o atual modelo de recolha de lixo não funciona, mas depois ninguém arrisca coisa nenhuma para não beliscar os tais princípios sacrossantos que mencionei no início.
Há um ponto que pode ser resolvido rapidamente que é o dos ecopontos. Esta divisão hilariante em que o que está dentro do caixote é da câmara, mas se está no chão já é da Junta, tem de acabar. Os serviços da Câmara têm de voltar a recolher tudo o que diga respeito aos ecopontos, para acabar definitivamente com este passa culpas.
Há um segundo ponto que é o da sensorização dos ecopontos, que caso já estivessem implementados, dariam a indicação de quando é que os contentores estão cheios para que as rotas sejam programadas quando são realmente necessárias, de modo a evitar que os resíduos fiquem espalhados na rua.
Há um terceiro ponto que é o modelo de gestão de recolha do lixo, na sua totalidade. Se olharmos para municípios de grande dimensão, populosos e com um fluxo turístico elevado, em que não existe este rol de reclamações à volta do lixo, muitos têm a mesma solução em funcionamento: uma empresa municipal que proporciona uma organização autónoma e é gerida de forma empresarial. Esta possibilidade faz com que a gestão seja feita por uma única entidade que gere os recursos humanos para que eles possam ter rotatividade nas tarefas que desempenham e não terem a sobrecarga atual.
Porque é que Lisboa não faz o mesmo? Se a verdadeira preocupação for a da satisfação dos munícipes, Câmara, Juntas de Freguesia e sindicatos devem fazer parte da solução. Se tudo estiver a funcionar, teremos certamente ruas mais limpas e menos pragas.