Em matéria de Jogos Olímpicos o novo século prometia começar bem. O jornal Público, na sua edição de 23 de julho de 1999, numa reportagem dos jornalistas Carlos Filipe e Marco Vaza informava: “Mais alto, mais forte, mais longe. É assim que Portugal quer caracterizar a sua missão olímpica aos Jogos de Sydney, no Verão do próximo ano. Nesse sentido, governo e dirigentes associativos estão de acordo: “só devem ir os melhores, custe o que custar, doa a quem doer”. Não foi, certamente, por os jornalistas terem baralhado a máxima olímpica que as boas intenções políticas e associativas depressa se desvaneceram. Porque, os dados, há muito, já estavam lançados. O que aconteceu foi que, os lusos herdeiros ideológicos da Comuna de Paris, que sempre odiaram Pierre de Coubertin (1863-1937), nunca aceitaram o modelo desportivo anglo-saxónico proveniente das escolas públicas inglesas. Renascidos em maio de 1968 com, ente outros, Jean-Marie Brohm e a tese  freudo-marxistas expressa na “Sociologie Politique du Sport”, deram a volta ao texto e, mal se apanharam no poder,  a máxima de excelência adotada por Coubertin, Citius, Altius, Fortius, foi trocada pela mediocridade do “não vamos discriminar atletas em nome de uma seleção de elite” do igualitarismo demagógico dos ressentimentos de uma certa casta sacerdotal esquerdista que, por cá, emergiu com o objetivo de nivelar por baixo as esperanças de desenvolvimento e progresso do 25 de Abril.

Ao tempo, em vésperas dos JO de Montreal (1976), de acordo com um programa de alto rendimento desencadeado por Melo de Carvalho Diretor-geral dos Desportos à época, Moniz Pereira (1921-2016) era acusado pelo esquerdismo maoista lisboeta de ― andar a gastar o dinheiro do povo ―, porque ia com Anacleto Pinto, Aniceto Simões, José Carvalho, Carlos Lopes, Fernando Mamede e Hélder Jesus para a Aldeia das Açoteias para prepararem a participação nos JO de Montreal (1976).

Entretanto, a partir dos anos noventa, o desporto nacional foi capturado por um absurdo programa de preparação olímpica que, para além de um ou outro atleta de geração espontânea capaz de romper com a nomenclatura institucionalizada e produzir resultados, à margem das responsabilidades inalienáveis do Estado, tem vindo, em roda livres, a gerar mais burocracia, mais despesismo e mais subdesenvolvimento. Um antigo atleta olímpico, que até conseguiu resultados bem significativos nos JO, dizia-me recentemente: — o que eu mais queria era que eles saíssem da frente porque só serviam para atrapalhar. E, hoje, depois do atletismo, do triatlo, do judo e da canoagem, calhou ao ciclismo de pista, mostrar aquilo que o desporto nacional pode fazer desde que os nossos olímpicos dirigentes se deixem da lógica do “lá vamos cantando e rindo” e, de acordo com uma ética de autenticidade, entre a prática de base e o alto rendimento, ponham o desporto a funcionar conforme as excelentes possibilidades e potencialidades do País e as necessidades e interesses dos portugueses.

Não será fácil porque, o verdadeiro sucesso não surge em função das circunstâncias contingenciais, mas de: (1.º) Uma escolha consciente; (2.º) Uma prática disciplinada e; (3.º) Uma prospetiva capaz de organizar um futuro melhor. Por isso, o maior obstáculo que se coloca ao desenvolvimento do desporto nacional é o da existência de uma irracional cultura reverencial, uma espécie de Síndrome de Estocolmo, relativamente a um programa de preparação olímpica que está a destruir a estrutura e a dinâmica do desporto português.

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E o mantra que justifica o estado de mediocridade confortável em que o desporto nacional sobrevive, passou a ser o de, em cada ciclo olímpico, afirmar convictamente que foram obtidos os melhores resultados de sempre. Todavia, se olharmos para a racionalidade dos factos podemos observar quanto a falsidade do discurso dos melhores resultados de sempre cai por terra quando se olha para a história mais recente do desporto nacional. E um dos exemplos mais expressivos é o do atletismo português:
(1.º) Nos JO de Sydney (2000), com 22 atletas, foram conseguiu 58 pontos (1ª lugar = 16 pontos; 16º lugar = 1 ponto) o que significa 2,63 pontos por atleta;
(2.º) Passados 24 anos, nos JO de Paris (2024), o atletismo, igualmente com 22 atletas, ficou-se pelos 37 pontos, 1,68 pontos por atleta.

Claro que, é muito cómodo dizer que a culpa é dos atletas que não correm, não saltam ou não lançam aquilo que deviam correr, saltar ou lançar. Tal como, ainda é mais cómodo afirmar que a responsabilidade é das federações cujos dirigentes não planeiam, não organizam, não administram e não controlam com a devida eficiência. Todavia, o que é facto é que o modelo de funcionamento do alto rendimento desportivo nacional, sustentado num hermético programa de preparação olímpica que se sobrepõe às competências e responsabilidades das federações, como se tem constatado ao longo deste século, para além de estar a prejudicar a prática desportiva de base, jamais será capaz de produzir resultados no alto rendimento com a necessária consistência quanto à sua projeção no futuro.

A observação do atletismo ao longo dos últimos trinta anos, tal como a de outros desportos, aconselha à realização de estudos competentes e independentes a fim de, com realismo: (1.º) Considerando os respetivos quadros condicionantes; (2.º) Identificando as características, a história  e os respetivos fatores críticos de sucesso de cada desporto; (3.º) Numa visão estratégica integrada do desporto nacional, tendo em atenção um horizonte temporal a 5 ciclos olímpicos, esclarecerem-se para cada um dos desportos os grandes objetivos e metas a rever e afinar anualmente.

Lamentavelmente, na lógica da propaganda dos “melhores resultados de sempre” e no completo desprezo por uma ética de autenticidade respeitante à dialética entre o princípio da igualdade e o da equidade: (1.º) Se a demagogia da quantidade passou a prevalecer no alto rendimento uma vez que “não se discriminam atletas em nome de uma seleção de elite” que mais parece uma sublimação de um ressentimento contido;
(2.º) A demagogia da qualidade impera sobre a lógica da igualdade uma vez que acesso à prática desportiva enquanto direito universal, cada vez mais é só para alguns como, por exemplo, decorre das Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE) que abrangem 55 desportos em benefício daqueles que, pelas mais diversas razões, já praticam desporto fora do sistema educativo.

Recordo que há vinte e quatro anos, perante os resultados do JO de Sydney (2000), entre outros críticos, o jornalista David Borges, afirmava: “eu, francamente, não vejo nenhum interesse numa participação (olímpica) que não envolva uma forte possibilidade de conquista de medalhas” (Record, 2000-09-29). E José Manuel Fernandes (Público, 2000-10-02), concluía: nuns JO, “uma mão-cheia” de atletas classificados para além das medalhas significa, tão só, que “são os primeiros dos derrotados”.

Pelo contrário, vinte e quatro anos depois, a comunicação social, uma engajada pela oligarquia que tomou conta do desporto nacional e, outra, ofuscada pelos surpreendentes resultados do ciclismo em especialidades que a generalidade dos portugueses nem sabia sequer que existiam, limita-se a desenvolver umas pindéricas odes olímpicas que, escritas à pressa, ignoram o passado e, porque ignoram o passado, são escritas à pressa sem qualquer perspetiva de futuro.

É necessário entender que o êxito dos ciclistas, tal como o de outros atletas de diferentes desportos, nada tem a ver com o magisterdixismo narcisista que, através de um desconforme programa de preparação olímpica e do açambarcamento do espaço público, tomou conta do desporto nacional. Para além do empenho dos atletas, das famílias e das equipas técnicas, as medalhas do ciclismo nos JO de Paris (2024) têm, sobretudo, a ver com a dinâmica económico-social da Região da Bairrada. Numa conjugação virtuosa de vontades e de competências, várias entidades, o Governo, Câmaras Municipais, Universidades, empresas privadas, equipas profissionais de ciclismo, o Clube de Ciclismo da Bairrada e uma nova Federação de Ciclismo, libertaram-se dos constrangimentos de um programa de preparação olímpica sem sentido a fim de organizarem o próprio futuro. E foram capazes de tirar partido do momento tal com a Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) foi capaz de tirar partido do momento de Carlos Lopes (2.º / 10.000m) nos JO de Montreal (1976); a Federação Portuguesa de Canoagem (FPC) foi capaz de tirar partido do momento de Emanuel Silva (7.º / K-1 500 m) nos JO de Atenas (2004); e a Federação Portuguesa de Triatlo (FPT) foi capaz de tirar partido do momento de Vanessa Fernandes (2,º / triatlo – mulheres) nos JO de Pequim (2008).

Por isso, ao contrário daquilo que, infelizmente, está a acontecer com o atletismo, a canoagem, o judo, a vela e outros desportos, é necessário saber tirar partido do momento e, com entusiasmo, mas, também, com racionalidade e ponderação: (1.º) Estudar a situação; (2.º) Determinar objetivos; (3.º) Estabelecer a estratégia; (4.º) Definir sistemas de controlo; (5.º) Envolver as pessoas e, ao contrário do programa de preparação olímpica com mais de vinte anos, garantir que (6.º) o futuro será melhor do que aquele que aconteceria caso nada tivesse sido projetado. Em conformidade, o ciclismo, o triatlo e outros desportos, para além do habitual “queremos mais dinheiro”, devem ser transformados em estudos de caso de onde, certamente, decorrerão ensinamentos de fundamental importância para o desenvolvimento do desporto nacional.

O que está a acontecer é que a falta de sentido histórico está na base do subdesenvolvimento do desporto português. Se as críticas da comunicação social relativas aos resultados dos JO de Sydney (2000) provocaram alguns efeitos uma vez que as performances nos JO de Atenas (2004) foram substancialmente melhores, no atual cenário desportivo em que, para além de, de quando em vez, imolarem um qualquer bode expiatório que se ponha mais à mão na fogueira que é a comunicação social, nunca ninguém é responsável por nada nem por coisa nenhuma desde logo porque, em cada edição dos JO, sob a batuta da propaganda, regra geral, atingem-se os melhores resultados de sempre. E fica tudo dito e explicado.

Em conformidade, mal os JO de Paris (2024) terminaram já o Secretário-geral do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Araújo, ainda encadeado pelas luzes de Paris, de acordo com a práxis instituída que passa por esconder os maus resultados em vez de assumi-los a fim de os superar, concluía terem sido conseguidos os “melhores resultados de sempre” (Renascença, 2024-08-11). Mas, ao contrário do que aconteceu em 2000, não fosse o culto de personalidade instituído nos últimos dez anos ser beliscado, a comunicação social não se atreveu sequer a perguntar ao Secretário-geral do COP com era possível tal conclusão quando:
(1.º) Nos JO de Atenas (2004), com um orçamento de 10,9 M€, Portugal: (a) com 81 atletas; (b) participou em 15 desportos; (c) a um custo de 134 567 € por atleta; (d)   ganhou três medalhas genuinamente produzidas pelo desporto português; (e) a um custo de 3,6 M€ por medalha; (f) colocou 14 (21,87%) dos atletas até ao 8º lugar (diplomas); (g) a um custo de 778 571 € por diploma;
(2.º) Nos JO de Paris (2024), com um orçamento de 22 M€, Portugal: (a) com 73 atletas; (b) participou em 15 desportos; (c) a um custo de 301 368 € por atleta; (d) ganhou três medalhas genuinamente produzidas pelo desporto português; (e) a um custo de 7,3 M€ por medalha; (f) colocou 14 (19,17%) dos atletas até ao 8º lugar (diplomas) dos quais 12 (16,43) genuinamente produtos do desporto português; (g) a um custo de 1.692 307 € por unidade para 14 diplomas ou 1 833 333 € por unidade para 12 diplomas genuinamente portugueses.
Note-se que, no período considerado, de 31 de dezembro de 2005, a 31 de dezembro de 2024, enquanto a inflação acumulada foi de 41,92% (INE), em contrapartida, o aumento do financiamento ao programa de preparação olímpica foi de 101,83%.

O absurdo de tudo isto é que, ao cabo de mais de 20 anos, o tal programa de preparação olímpica não ganhou sequer capacidade para, de uma forma clara, determinar os objetivos e metas que se pretendiam atingir e qual a estratégia para os conseguir. Em consequência para os JO de Paris (2024) a olímpica tecnoestrutura limitou-se a indicar de uma forma vaga os objetivos que se pretendia atingir. Vejamos quais foram os objetivos e se, realmente, foram atingidos:

PRIMEIRO OBJETIVO: Conquistar 4 medalhas sem que se indicasse em que desportos ou especialidades e com que eventuais atletas. Só foram conseguidas 4 medalhas à custa do abono de família em que Pablo Pichardo está transformado. Até que a competência político-administrativa do desporto nacional seja capaz de criar as condições para que Pichardo supere a marca de 18,08 m conseguida em Cuba em 2015, as medalhas que ele possa ganhar, por uma questão no âmbito da ética de autenticidade, pertencerão sempre ao desporto cubano;

SEGUNDO OBJETIVO: Atingir 15 diplomas (posições até ao oitavo lugar) sem que se indicasse em que desportos ou especialidades e com que eventuais atletas. Foram conseguidos 14 diplomas o mesmo número do que nos JO de Atenas (2004);

TERCEIRO OBJETIVO: Conseguir 36 classificações até ao 16º lugar sem que se indicasse em que desportos ou especialidades e com que eventuais atletas. Só foram conseguidas 32 posições o que significa que se ficou a 11,12 pontos percentuais do objetivo previsto. Se, em média, os 22 atletas dos JO de Atenas classificados entre os 16 primeiros fizeram 8,77 pontos, os 32 atletas dos JO de Paris (2004), em média, fizeram 6,47 pontos por atleta. Se expurgarmos os 15 pontos que entendemos pertencerem ao desporto cubano, então, a média desce para 6,02 pontos por atleta. Se considerarmos, ainda, como uma exceção os pontos do ciclismo que o futuro dirá se se tratou só de um favor dos deuses ou de um resultado estruturante, então, salta à vista a perturbante quebra de qualidade do desporto português nos últimos 24 anos. Para além da quebra da quantidade.

QUARTO OBJETIVO: Contabilizar 57 pontos entre os 8 primeiros. Só foram conseguidos 45 pontos quando, em Atenas (2004) foram conseguidos 44.

QUINTO OBJETIVO: Competir em 17 desportos. Só se competiu em 15. Todavia, considerando que nos 15 desportos estão incluídos três novos desportos (break, skate e surf) que só passaram a fazer parte do Programa Olímpico do Comité Olímpico Internacional (COI) nos JO de Tóquio (2021), na realidade, Portugal, em termos do programa de preparação olímpica desencadeado em 2004/2005, só competiu em 12 desportos;

SEXTO OBJECTIVO: Atingir um rácio de sucesso de 80% dos atletas integrados no programa de preparação olímpica (164). Só 73 atletas (44,51%) garantiram a presença em Paris. Mas se considerarmos a equipa de andebol como uma unidade (164-18+1) ficamos com 147 atletas o que significa um rácio de sucesso de 49,65%, mesmo assim, muito longe dos 80% previstos. Pretender ir aos JO de Paris com uma equipa de 118 atletas (80% de 164) tratava-se de um objetivo perfeitamente absurdo uma vez que, desde 2014, a prática desportiva de base, de acordo com o Eurobarometer, sofreu uma quebra de 11 pontos percentuais. Acresce que se desde Sydney (2000) Portugal esteve representado nas diversas edições do JO em 23 desportos, no entanto, só 8 estiveram presentes nas últimas sete edições dos JO ou 9 desportos se considerarmos o triatlo presente desde 2004. Entretanto, em Paris falharam desportos como o golfe o taekwondo, o tiro com arco, o halterofilismo, o boxe, a esgrima, o badminton, o futebol, o voleibol de praia e o andebol, panorama que revela uma inaceitável incapacidade para definir e manter um rumo para o alto rendimento desportivo nacional a partir do qual, do ponto de vista orgânico, se deviam concentrar forças a fim conseguir um alinhamento estratégico capaz de desencadear as sinergias necessárias à construção do sucesso. Tal desiderato, nunca será conseguido com o atual modelo de alto rendimento, centralizado num programa de preparação olímpica que para além de não ter as competências, políticas, orgânicas e sistémicas, inverteu a lógica do desenvolvimento do desporto, gera burocracia, consome inutilmente recursos e, para além de uma ou outra surpresa fora da caixa, não produz resultados e gera anomalias insanáveis como é o caso dos custos burocráticos exorbitantes. Ao cabo de mais de cem milhões de euros, Portugal levou aos JO de Paris (2024) menos 45 atletas do que aqueles que a burocracia previu levar a um custo para o erário público de 301,4 mil euros por atleta quando, em Tóquio (2021), o custo por atleta ficou em 201,1 mil euros, no RIO (2016) 173,9 mil euros por atleta, em Londres (2012) 196,1 mil euros por atleta, em Pequim (2008) 181,8 mil euros por atleta, em Atenas (2004) 134,5 mil euros por atleta e em Sydney (2000) 145,9 mil euros por atleta.

SÉTIMO OBJETIVO: Participar em 66 eventos de medalha. Este objetivo foi atingido e;

OITAVO OBJETIVO: Conseguir a paridade de participação entre homens e mulheres. Este objetivo só foi atingido devido à surpreendente quebra dos atletas masculinos. Fraca consolação quando o maior número de mulheres nas equipas olímpicas já acontece em muitos países, por exemplo: Espanha: (H:190; M:193); Finlândia: (H:23; M:33); Dinamarca: (H:56; M:67); Suécia: (H:57; M:61); Bulgária: (H:21; M:25); Roménia: (H:51; M:55).

Embora a propaganda tenha passado a ideia que Portugal, de Tóquio (2021) para Paris (2024), melhorou da 56ª posição para a 50.ª no ranking do COI, o que é facto é que tal melhoria no âmbito dos 204 dos países, significa muito pouco ou mesmo nada. O que é significante, é o facto de, no ranking dos países da UE, à parte de Malta, Chipre e o Luxemburgo, Portugal, mesmo considerando que ganhou 4 medalhas, se nos JO de Tóquio (2021) ficou em 16º ficou nos JO de Paris (2021) ficou em 18.º lugar atrás dos seguintes países: Áustria (5 medalhas); Bulgária (7); Chéquia (5); Croácia (7); Dinamarca (9); Grécia (8); Hungria (19); Irlanda (7); Polónia (19); Roménia (9); Suécia (11);
Acresce que dos JO de Paris (2024) para os JO de Tóquio (2021) Portugal perdeu posições relativamente à Grécia (8 medalhas), à Irlanda (7 medalhas) e à Roménia (9 medalhas).
A Bulgária, com um PIB (2021) per capita de 64% da média dos países da UE, uma prática desportiva de base de 21%, foi aos JO de Paris (2024) com 47 atletas para ganhar 7 medalhas. Portugal, com um PIB (2021) per capita de 84% da média da UE, com uma prática desportiva de base de 22%, foi aos JO de Paris com 73 atletas para ganhar 3 medalhas genuinamente produtos do desporto português. E se tivermos em conta as participações dos dois países nas últimas sete edições dos JO, de Sydney (2000) a Paris (2024), enquanto a Bulgária com 460 atletas ganhou 49 medalhas, Portugal com 523 atletas ganhou 16 medalhas.

Alienados desta realidade, os dirigentes políticos e desportivos não revelam qualquer pudor em afirmar que foram conseguidos os melhores resultados de sempre o que significa que o desporto nacional está perante um problema moral no âmbito da ética de conformidade que lhe está a destruir o futuro. Um problema que se agrava quando, o Primeiro-ministro do XXIV Governo, acabadinho de chegar de Paris completamente vidrado pelas medalhas olímpicas de Iuri Leitão, Rui Oliveira e Patrícia Sampaio, no seu estilo Peter Pan, sem que o seu governo esteja na posse da necessária informação sobre a real situação do desporto nacional, dos seus problemas e estrangulamentos, das oportunidades e soluções, estratégias, custos, envolvimento das pessoas e organizações e perspetivas de construção do futuro, anunciou ir atirar para cima do ciclo de Los Angeles (2028) mais 20% de dinheiro dos contribuintes. Trata-se de uma decisão, como tantas outras que acontecem nas políticas públicas, dominada por olímpicas emoções infantojuvenis, tomada em cima do joelho que, contas redondas, representa uma despesa de mais 6,2 M€ sem que se saiba para quê. Nem nos melhores tempos de António Costa se ousou seduzir a corporação desportiva com tanto dinheiro. Dos JO do Rio (2016) aos JO de Paris (2024) o aumento foi de 38% o que dá uma média de 19% por ciclo olímpico.

E, quando se julgava que a euforia político-associativa já tinha passado, eis senão quando a Assembleia da República, sem um relatório competente, independente e circunstanciado, aprovou por unanimidade um voto de congratulação à participação portuguesa nos JO de Paris (2024) , salientando que se alcançou a “melhor prestação de sempre” e que os resultados “são admiráveis e honram o País” (Record, 2024-08-20). Ao fazê-lo, os Senhores Deputados: (1.º) Confundiram uma ou duas andorinhas com o Primavera; (2.º) Passaram uma mensagem errada para a direção político-administrativa do desporto nacional que se habituou a viver numa certa mediocridade confortável; (3.º) Comprometeram a necessária coragem dos atletas e treinadores capaz de os levar a recuperar e superar as adversidades a fim de iniciarem um novo combate em direção aos próximos JO de Los Angeles (2028) e de Brisbane (2032) e; (4.º) Transmitiram ao País a ideia de que, na lógica do “lá vamos cantando e rindo”,  não vale a pena olhar para o desporto com conhecimento, com competência, com rigor e com um sentido de futuro ao serviço dos portugueses porque qualquer andorinha peregrina chega para fazer a Primavera.

Os mais de 20 anos de sucessivos fracassos do programa de preparação olímpica não resultaram de falta de dinheiro, antes pelo contrário. Também não resultaram de carência de técnicos capazes, de infraestruturas apropriadas, de bolsas e oportunidades competitivas proporcionadas aos atletas, nem de atletas genuinamente portugueses potencialmente capazes de atingirem o topo da pirâmide competitiva mundial. Resultaram de processos de tomada de decisão emocionais desprovidos de qualquer fundamentação teórica que conduziram ao atual modelo de desenvolvimento desportivo português sustentado na metáfora da galinha dos ovos de ouro que, em 2004, levou os dirigentes políticos e desportivos, numa de “lá vamos cantando e rindo”, a decidirem “ad hoc” que seriam ganhas 5 medalhas nos JO de Pequim (2008) que, ainda hoje, estão para acontecer.

E, agora, enquanto se fazem promessas vãs e se anunciam planos estratégicos que, como de costume, não passarão de empadões verborreicos, eventualmente encomendados a uma empresa de estudos de mercado, a par da habitual incompetência político-administrativa e da congénita incapacidade portuguesa para organizar, coordenar, planear e administrar as causas públicas, aqueles sublimes momentos que foram a vitória de Iuri Leitão e Rui Oliveira, transformar-se-ão em novas desilusões como acabaram por ser os extraordinários triunfos de Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora que se perderam no tempo e no esquecimento da fraca memória do nosso triste nacional olimpismo.
Nota: Agradeço a ajuda dos Prof.s José Carvalho e José Santos com quem confirmei alguns dos dados do presente ensaio. Claro que qualquer eventual incorreção a responsabilidade é só minha.