Em declarações à TSF (2023-05-31), José Manuel Constantino, o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), “denunciou o desinteresse do primeiro-ministro relativamente ao olimpismo nacional” e estendeu as críticas à Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela do desporto. E disse que nunca recebeu “nenhum elogio ou nenhuma palavra de apreço da parte do primeiro-ministro, relativamente às conquistas que os atletas portugueses têm em eventos olímpicos”.

Constantino resolveu seguir a virtual “via-sacra” dos lamentos do seu antecessor Vicente Moura que, durante a sua interminável carreira no COP, amiúdas vezes se lamentou de não estar a ser devidamente “amado” pelas autoridades públicas. Constantino, antes de se lamentar publicamente, devia lembrar-se que António Costa, em 2001, ao tempo do XIV Governo, era Ministro da Justiça, pelo que compartilhava o Conselho de Ministros com José Lello que tutelava o desporto. Por isso, certamente, António Costa não se esqueceu do comportamento de Constantino que, em 2001, na qualidade de presidente da Confederação do Desporto de Portugal (CDP), entre outros comentários de mau gosto, dizia que o Ministro do Desporto José Lello perdia “muito tempo em festas e passeios” (Record, 2001-07-31). Ao tempo, José Lello suportava com bonomia um certo dirigismo desportivo para quem o desporto funcionava como um comprimido de supercompensação. E, com o espírito bem-humorado que o caracterizava, dizia que até tinha sido obrigado a constituir-se como “psicanalista de umas tantas personalidades angustiadas existencialmente” (Record, 2001-07-01). Vinte e dois anos depois, sendo António Costa um político que certamente não despreza as memórias, entendeu, presumo eu, instituir um certo distanciamento político relativamente a uma personalidade que conhecia bem do passado, pelo que a deixou ficar em “águas de bacalhau”.

Por isso, acredito que o antigo Ministro do Desporto José Lello, esteja lá onde ele estiver, no Céu, no Inferno, no Purgatório ou em lado nenhum, ao seu estilo, deve estar bem divertido e reconhecido a António Costa por, ao cabo de vinte e dois anos, o XXIII Governo ter colocado Constantino “em sentido” e no seu devido lugar. Para o efeito, o Governo, através de um comunicado, coisa inédita no desporto nacional, depois de referir que do Ciclo Olímpico (CO) do Rio (2016) ao de Paris (2024) o orçamento para a preparação olímpica aumentou 37,5% (no mesmo período o orçamento da educação aumentou 21,36%), considerou “profundamente desajustadas e infundadas, e, logo, incompreensíveis, as críticas do presidente do COP, dirigidas ao Primeiro-Ministro e à Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares com a tutela do desporto…”. Na realidade, não compete nem ao Primeiro-ministro, nem à Ministra Ana Catarina Mendes constituírem-se como psicanalistas de dirigentes desportivos existencialmente angustiados.

Se analisarmos bem a situação não era José Lello que perdia muito tempo em festas e passeios. Quem perdia e ainda perde muito tempo em festas e passeios eram os protagonistas de um dirigismo desportivo que, com origem na Mocidade Portuguesa, tinha e tem no “lá vamos cantando e rindo” o mote da sua cultura de organização. Sem necessidade de referir os incríveis Lusofonia Games realizados em Goa, ir aos JO com 92 atletas, para além de dezenas de dirigentes, técnicos e administrativos, para ganhar uma medalha ou ganhá-las à conta de naturalizações de aviário de atletas estrangeiros, significa que o sistema está a funcionar na lógica do “lá vamos cantando e rindo”.

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José Lello foi o primeiro responsável político que, sem meias palavras, disse que os reizinhos do nacional dirigismo desportivo iam mal e quis pôr fim a tal estado de coisas. Infelizmente, foi crucificado na praça pública, tal como foram afastados ou crucificados os políticos que se lhe seguiram que ousaram criticar a nomenclatura da corporação desportiva que, desde os anos quarenta, sempre viveu à conta do dinheiro dos contribuintes e, bastas vezes, à revelia dos interesses do País e da generalidade dos portugueses. E como a cultura do “lá vamos cantando e rindo” é um mal endémico do desporto nacional, aqueles dirigentes desportivos que, em 2001, rejubilaram quando o presidente da CDP acusou José Lello de perder “muito tempo em festas e passeios” acabaram por provar do mesmo veneno quando, na vigência do XV Governo, sofreram uma crítica semelhante de José Luis Arnaut que tutelava o desporto.

O que aconteceu foi que, relativamente à preparação para os JO de Atenas (2004), certamente alertado pela estrutura técnico-administrativa, Arnaut entendeu por bem avisar os dirigentes das federações: “vivemos um tempo que exige mais responsabilidade e rigor na gestão, e talvez um pouco menos de festa e mais atenção aos atletas” (Público, 2004-01-20). E o aviso, cuja proveniência era clara para qualquer bom entendedor, até surtiu algum efeito porque a equipa portuguesa, que viria a ser constituída por 81 atletas que competiram em 15 desportos, sem o estuporado recurso a “naturalizações de aviário”, ganhou três medalhas olímpicas: Francis Obikwelu (Prata – Atletismo / 100 metros); Sérgio Paulinho, (Prata – Ciclismo/ Estrada); Rui Silva (Bronze – Atletismo / 1500m). Acresce que o 7º de Vanessa Fernandes no triatlo foi o primeiro sinal da medalha que a atleta viria a ganhar em Pequim (2008), tal como o sétimo de Emanuel Silva na canoagem (K1/1000m) representou o arranque da modalidade que havia de ter o seu ponto mais alto em Londres (2012). O sucesso da canoagem, em grande medida, ficou-se a dever ao industrial Manuel Ramos (Nelo), antigo praticante da modalidade cujos caiaques equiparam, incluindo a equipa portuguesa, 33 das 35 seleções presentes em Atenas.

Face às três medalhas e dez diplomas (resultados até ao 8º lugar), a inteligência desportiva embandeirou em arco e convenceu o poder político de que tinha descoberto a “galinha das medalhas de ouro”. Para tal, a solução, que já vinha a ser idealizada desde os anos noventa, passava por desviar verbas afetas ao desporto escolar, ao desporto regional, bem como parte das verbas da formação das próprias federações, a fim de as aplicar na institucionalização de um pseudo-projeto de preparação olímpica.

O voo de Durão Barroso para Bruxelas deu origem à formação do XVI Governo (2004-07-17 a 2005-03-12) presidido por Santana Lopes. Então, o desporto passou a ser tutelado por Henrique Chaves, enquanto Ministro-Adjunto do Primeiro-ministro, e Hermínio Loureiro assumiu as funções de Secretário de Estado do Desporto. A vida do XVI Governo foi de tal maneira atribulada que o Presidente da República Jorge Sampaio decidiu dissolver o Parlamento e Santana Lopes, a 13 de dezembro de 2004, apresentou a demissão. Entretanto, como se nada tivesse acontecido, a 27 de janeiro de 2005, com o Governo em gestão corrente, como a ânsia de ganhar medalhas olímpicas era uma obsessão, nasceu o “sui generis” Programa de Preparação Olímpica – Contrato-programa 872/2005 (PPO) que, homologado por Hermínio Loureiro, foi assinado por José Manuel Constantino que, oportunamente, tinha saltado da breve presidência da CDP para a presidência do Instituto Nacional do Desporto (IND) e por José Vicente Moura, enquanto presidente do COP. E, de acordo com a “doença infantil” do dirigismo desportivo que é a de pretender ganhar medalhas olímpicas sem uma estrutura de prática desportiva de base que as sustente, o PPO previa conquistar 5 medalhas nos JO de Pequim (2008). E, a propósito, Vicente Moura dizia: “os objectivos traçados são racionais. Têm por base projeções e estudos e, caso não sejam cumpridos, serão vistos como um fracasso e eu cá estarei para assumir as responsabilidades” (Público, 2005-01-28). O contrato-programa acabou por ser publicado no Diário da República a 11 de abril de 2005, em vésperas da tomada de posse do XVII Governo. E as cinco medalhas programadas por Constantino e Vicente Moura para Pequim (2008) ainda hoje estão para acontecer. E Vicente Moura, como se havia comprometido, assumiu as responsabilidades deixando-se ficar mais quatro anos a liderar o COP!

Apesar do fracasso de Pequim (2008) e dos que lhe seguiram, o PPO foi sobrevivendo de CO em CO com resultados cada vez mais baixos a custos cada vez mais altos. Vai, certamente, atingir mais um ponto alto da mediocridade que o tem caracterizado nos JO de Paris (2024). E porquê?

Porque, de acordo com as competências e funções específicas atribuídas ao COP, consignadas na Regra 27 da Carta Olímpica (CaO) e plasmadas no artigo 12º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei nº 5/2007 de 16 de janeiro) e demais legislação, não constam as competências e funções que lhe são atribuídas no referido PPO. Neste sentido, é de fundamental importância que a tutela política proceda no sentido de verificar se os estatutos das diversas organizações desportivas estão em conformidade com as leis gerais do país.

Segundo a CaO, o Movimento Olímpico (MO) “é a ação, concertada, organizada, universal e permanente, de todos os indivíduos e entidades que são inspirados pelos valores do Olimpismo, sob a autoridade suprema do COI…”. Entre diversas organizações, atletas e outras pessoas que concordam com a CaO, fazem parte os CONs que, para além das inerentes funções educativas e culturais no âmbito da promoção dos valores do Olimpismo, compete-lhes, tão só, a constituição, organização e direção das delegações participantes nos JO e demais eventos promovidos pelo COI. Aos CONs não lhes compete a preparação dos atletas para os JO desde logo porque não são comités de alta competição, são muito mais do que isso. Quando um CON, à margem de um projeto de alto rendimento devidamente integrado e alinhado no processo de desenvolvimento do desporto do respetivo país, no âmbito de uma pseudo-preparação olímpica, exerce funções para as quais não tem nem o estatuto de autoridade orgânica nem as competências sistémicas necessárias, compromete: (1º) os princípios e os valores do MO que tem como objetivo fundamental colocar o desporto, não ao serviço da conquista de medalhas olímpicas, mas do desenvolvimento humano; (2º) o alto rendimento desportivo que acaba desintegrado do processo de desenvolvimento do desporto nacional; (3º) a credibilidade das equipas nacionais que se transformam em autênticas legiões estrangeiras; (4º) a independência do MO que, tal qual repartição administrativa, passa a funcionar ao serviço dos regimes dos respetivos países; (5º) a evolução de tendência inerente ao natural processo de desenvolvimento do desporto; (6º) o nível desportivo do país na racionalidade da sua relação eurítmica entre a prática desportiva de base e a de elite.

Se o presidente de um CON que, nas suas angústias existenciais, servindo-se dos atletas, manifesta desânimo por não ser reconhecido pelo Primeiro-ministro do país, é porque, no quadro do desenvolvimento do desporto, o papel da instituição a que preside está completamente invertido e, em consequência, não cumpre a sua missão. Fernando Mota, o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), depois da hecatombe dos JO de Pequim (2008) ainda tentou esclarecer que o papel do COP é o de “preparar, organizar e dirigir a Missão durante os Jogos. É incómodo que se apresente como uma super-federação responsável pela preparação dos atletas, além de constituir falta de respeito pelo trabalho daqueles que, de facto, a realizam” (A Bola, 2008-11-19).

O desastre de Pequim (2008) teria sido evitado se, da parte do Partido Socialista, que tendo ganho as eleições legislativas (2005-02-20) formou o XVII Governo (de 2005-03-12 a 2009-10-26), liderado por José Sócrates, tivesse havido o discernimento político necessário para perceber que o PPO só podia conduzir o desporto nacional para a derrocada pelo que devia ser anulado. Mas como não teve essa capacidade ou vontade, a pouco mais de um ano da assinatura do PPO já Vicente Moura, no quadro das “angústias existenciais” do nacional dirigismo desportivo, estava “embrulhado” com a liderança do IND. Numa reportagem do jornalista Martins Morim (A Bola, 2006-10-06) sob o título “Presidente do COP Mostra Cartão Amarelo ao IND”, Vicente Moura, para além de outras considerações do género, lamentava-se porque o COP ainda não tinha recebido “uma prova de simpatia e consideração” por parte do IND. Perante este irritante ridículo, se os JO de Pequim (2008), previsivelmente, já iam correr mal, na realidade, acabaram por correr muito pior.

No entanto, as expectativas eram altas. A pouco mais de um ano dos Jogos, o Presidente do COP, numa entrevista a Pedro Laranjeira (Perspetivas, 2007-02-15), dizia: “temos onze atletas com possibilidades reais de ganhar medalhas nos próximos Jogos Olímpicos”. Depois, salvaram-se os resultados de excelência de Nelson Évora (ouro / triplo salto), de Vanessa Fernandes (prata / triatlo) e o de Gustavo Lima (4º/ vela-laser). De resto, 6 atletas ficaram até ao 8º lugar. Em termos gerais, a participação portuguesa saldou-se numa autêntica tragicomédia grega ao ponto do jornal Público (2008-08-20) anunciar a saída de Vicente Moura da liderança do COP. E, a este respeito, o Presidente Mota da FPA foi perentório: “Não a Vicente Moura” (…) “o comandante abandonou o barco e as tropas em Pequim”. As atitudes de Vicente Moura “violaram todas as regras em Pequim” (Record, 2008-11-19).

Mas, tanto o Público quanto Mota estavam enganados. Segundo o jornalista Miguel Candeias (A Bola, 2008-10-18), numa cerimónia pública, perante mais de cem pessoas boquiabertas Vicente Moura afirmou que, afinal, o desastre dos JO de Pequim (2008) se ficava a dever aos jornalistas: “a culpa é dos jornalistas”. Os jornalistas “enxovalharam os atletas” e “destruíram a áurea que o COP construiu nos últimos anos junto da opinião pública e agora está um pouco danificada”. O “crime” dos jornalistas, digo eu, fora o de divulgarem as declarações, entre as de outros atletas, de Marco Fortes quando este, para explicar as dificuldades causadas pelo “jet lag”, se utilizou de uma metáfora e disse: “de manhã só estou bem na caminha”. Carlos Fiolhais (Público, 2008-08-28) capturou bem o absurdo da cultura de mediocridade instituída quando comparou o inocente e humorado comentário de Marco Fortes que “de castigo” foi imediatamente mandado para casa, enquanto Vicente Moura foi premiado com mais quatro anos de poder, apesar de, relativamente aos comentários dos atletas, ter dito: “nós preparamos os atletas desportivamente, culturalmente não. A educação não é connosco”, ignorando a paideia, isto é, a educação do atleticismo grego enquanto fundamentos do Movimento Olímpico moderno.

Para além da incultura de alguns dirigentes o espírito da Missão a Pequim (2008) foi caracterizado por Rosa Mota quando disse: “os atletas tiveram excesso de ‘passerelle’ antes dos Jogos”. Rosa Mota sabia bem que o comportamento dos atletas é o espelho dos dirigentes. E explicava que os resultados não tinham sido maus por causa das condições, “nunca houve tantas pistas e piscinas para treinar, tantas bolsas, estágios e apoios à preparação olímpica. É o que dizem os próprios atletas. (…) É necessário saber rigorosamente em que é que as Federações gastam o dinheiro da preparação olímpica (…) não podemos dizer que esta foi a melhor participação de sempre de Portugal nuns Jogos Olímpicos. Só diz isso quem quer manter tudo como está, sem promover as reformas necessárias” (Visão, 2008-08-28). Rosa Mota tinha razão, o espírito da Missão Olímpica era o do “lá vamos cantando e rindo” e, assim, o modelo de desenvolvimento instituído em 2005 revelava a sua condição niilista uma vez que reforçava a sua autoridade burocrática em prejuízo dos significados filosófico, pedagógico, político e social do desporto. E lá foi o pedregulho de Sísifo montanha abaixo até ao novo fracasso desportivo que, sob a liderança de Vicente Moura, iria acontecer em Londres (2012).

Das eleições legislativas (2009-07-27) resultou o XVIII Governo (de 2009-10-26 a 2011-06-21) com uma maioria relativa do Partido Socialista que acabou por cair e obrigar a novas eleições legislativas (2011-06-05) ganhas pelo PSD que, em coligação com o CDS, formou o XIX Governo (de 2011-06-11 a 2015-10-30), presidido por Passos Coelho. Em matéria de desporto o Programa de Governo anunciava uma inversão da práxis política ao considerá-lo “uma componente essencial do desenvolvimento integral dos cidadãos, desporto com todos e para todos”, pelo que anunciava irem ser criadas as condições para “estimular o desporto escolar, o de alto rendimento, as seleções nacionais e o desporto profissional”.

Entre os vários programas a desenvolver não constava o absurdo PPO. Quando Alexandre Mestre o Secretário de Estado do Desporto tomou posse faltava pouco mais de um ano para os JO Londres (2012) que se iam realizar de 27 julho a 12 de agosto. O processo de preparação dos atletas estava em curso e o PPO, para além da pesada burocracia e da indicação das verbas disponíveis, apontava uma vaga e abstrata definição dos objetivos a atingir sem qualquer sentido. Em conformidade, o mais razoável seria “deixar correr o marfim”, tanto mais que Mestre herdava do Governo anterior um saldo negativo 6,7 milhões de euros (Público, 2012-03-28). Acrescia que, tendo em atenção a liderança do COP, se Pequim (2008) tinha corrido mal, Londres (2012) só podia correr pior. E correu.

A equipa nacional apresentou-se novamente com 77 atletas a fim de competirem em 13 desportos. A prestação da canoagem foi a que mais sobressaiu em Londres com a prata de Fernando Pimenta e Emanuel Silva (K-2 1000 m). Pelo contrário, a equipa de atletismo, constituída por 24 atletas, “bateu no fundo”. Teve a sua melhor marca com Jéssica Augusto (maratona) (7º). O atletismo nunca devia ter ido a Londres com mais de 9 atletas. De resto, numa perspetiva geral, obtiveram-se 9 classificações até ao 8º lugar e 20 até ao 16º lugar. Em consequência, o CO de Londres, com o pedregulho a rolar montanha abaixo a uma velocidade cada vez maior, terminou na mais completa absurdidade: (1º) o Presidente do COP declarou à Lusa (2012-08-09): “temos de mudar o caminho se queremos 10 medalhas”. “É necessário mudar de paradigma”. E qual era o novo paradigma de Vicente Moura? “Há muitos atletas africanos que querem vir para a Europa e as medalhas aparecem” e a Síndrome de Clotilda passou a pairar sobre o desporto português; (2º) Mário Santos, no Relatório do Chefe de Missão (2012-10-30), concluiu que “a definição de objetivos programáticos sem uma definição quantificada impedia um exercício de uma avaliação clara e inequívoca”; (3º) o Governo encomendou um estudo à PwC (Record, 2012-11-20 e 23) a fim de saber como é que Portugal podia “ganhar mais medalhas nos JO com um nível de investimento menor”; (4º) a PwC concluiu que a equipa nacional devia ter ganho em Londres não uma, mas 5 medalhas. E recomendava para a necessidade de: (a) concentrar forças em determinadas modalidades desportivas e; (b) naturalizar atletas africanos de países de língua portuguesa; (5º) o estudo da PwC acabou por produzir “uma onda de choque” no Movimento Associativo uma vez que, independentemente da sua qualidade e das soluções que sugeria, concluía com duas verdades inconvenientes: (a) o COP não tinha assumido “a coordenação operacional integrada do projeto olímpico uma vez que não definiu prioridades, tornou-se irrelevante”, aliás como já constava no Relatório do Chefe de Missão Mário Santos; (b) o Estado devia assumir responsabilidades precisas na definição da estratégia para o próximo CO; (6º) Perante as críticas de Vicente Moura, que nunca tinha culpa de nada, no jantar comemorativo do aniversário do COP realizado a 29 de novembro de 2012, o Secretário de Estado Alexandre Mestre resolveu esclarecer a situação refutando as críticas de que o Governo tinha sido alvo. E, dizendo pretender “clarificar as águas”, afrontou diretamente Vicente Moura e disse-lhe: “contamos, genuinamente, consigo para partilhar connosco a sua experiência e a sua visão, como agente incontornável que é do sistema desportivo nacional, há muitos anos a esta parte. Não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar esse know-how”. Alexandre Mestre, porque não tinha dado a devida atenção à dinâmica psicopatológica do desporto nacional, embora tenha acertado em cheio no alvo, falhou no horário e no local; (7º) Mestre acabou “crucificado” na comunicação social, sem necessidade, porque o Presidente do COP já estava a caminho da “peluda”; (8º) na sequência das reações ao estudo da PwC, das críticas ao intocável Vicente Moura e das movimentações oportunistas que se mobilizaram na corporação desportiva, na remodelação que Passos Coelho fez no Governo, a 13 de abril de 2013, Mestre acabou descontinuado; (9º) Mestre foi substituído por Emídio Guerreiro que, com a sua formação em psicologia, percebeu que estava perante um mundo carente de afetividades pelo que se deixou das arriscadas “navegações oceânicas” do seu antecessor e passou a marear à vista. E revelou ser um Secretário de Estado muito mais capaz de lidar com as psicopatologias dos atávicos fenómenos de supercompensação de algumas das lideranças do desporto nacional, de maneira a manter arrebanhada a corporação desportiva; (10º) a 28 de novembro de 2013, no jantar de aniversário do COP, Emídio Guerreiro informou os comensais que se estava a investir como nunca no CO do Rio (2016). Um valor que totalizava um aumento de 8% face ao CO de Londres 2012, pelo que, ao contrário do seu antecessor, saiu do jantar em ombros pela “porta do cavalo”.

Para os JO do Rio (2016) as expectativas eram enormes, uma vez que recaíam sobre o novo Presidente do COP eleito em março de 2013, de seu nome José Manuel Constantino que, tal qual D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, depois de ter passado pela CDP e pelo IND, era visto pela corporação desportiva como a solução tipo “chaves na mão” para o Movimento Olímpico nacional. Depois, lá foi novamente o pedregulho a rolar montanha acima. Mas as expectativas da triplete de Constantino dissiparam-se rapidamente uma vez que não foi necessário aguardar muito tempo para perceber que o tradicional espírito de “mediocridade confortável” ia continuar a animar o nacional olimpismo.

O que se esperava era que o PPO, institucionalizado nos XV e XVI governos, fosse avaliado por uma comissão independente. Só que depressa se verificou que se estava perante uma impossibilidade egológica, na medida em que o Constantino Presidente do COP, eleito em 2013, era o mesmo Constantino que, na qualidade de Presidente do IND, em janeiro de 2005, assinara o PPO onde se previam cinco medalhas nos JO de Pequim (2008), as tais que, ainda hoje, estão para acontecer. E quando um jornalista (Público, 2013-03-26), certamente inspirado nas conclusões e sugestões do relatório da PwC, lhe perguntou se o projeto olímpico ia “passar a ser controlado pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ)” a pergunta mereceu a pronta contestação de Constantino que afirmou: “é algo que não faz qualquer sentido. Seria um retrocesso do ponto de vista organizativo num momento em que o Estado se quer libertar de um conjunto de funções que já de si mobilizam trabalho e custos. Seria, portanto, um significativo retrocesso”. E, à revelia do septuagésimo nono constitucional, da Carta Olímpica e da lei portuguesa, o Governo retrocedeu relativamente ao seu Programa e voltou a entrar na estuporada quimera olímpica. E quando, no quadro do PPO, em declarações ao Record (2013-06-20), Constantino afirmou: “não vamos discriminar atletas em nome de uma seleção de elite” deixou ficar claro que tudo ia ficar na mesma, relativamente ao “o importante é participar” e do “não peço resultados, dignifiquem Portugal” de Guterres (Record, 2000-08-25) só que, a custos monetários e sociais muito mais pesados para os portugueses. Vítor Serpa, num artigo n’ A Bola (2013-08-17) sob o título “Importante não é participar … é ganhar!”, ainda avisou: “cada país tem de entender a sua realidade sociopolítica e tecer, a partir desse entendimento, um quadro realista e compatível com essa realidade, não abdicando do desenvolvimento”. Quer dizer, no quadro do desporto nacional e das condições económicas e sociais do País, defender que “todos os que alcançam os mínimos devem ir aos Jogos” trata-se de uma falácia que inverte a primazia do princípio da igualdade, que deve garantir o direito universal de acesso à prática desportiva sobre o princípio da equidade que deve garantir o direito de aceder até aos mais altos níveis competitivos desde que, para isso, se revelem as capacidades e competências necessárias.

O que hoje acontece é que, num país com 2,5 milhões de pobres, cerca de 25% de crianças e jovens a viverem abaixo do limiar de pobreza e mais de 340 mil jovens a serem todos os anos descartados da prática desportiva federada, salvo uma ou outra exceção circunstancial de caráter social ou económico, o atual modelo de desenvolvimento, na relação prática de base x prática de elite, não garante que aqueles que obtêm os mínimos olímpicos sejam realmente os melhores. E os Festivais Olímpicos da Juventude Europeia (FOJO) (últimas 5 edições) e os Jogos Olímpicos da Juventude (JOJ) (únicas 3 edições), apesar de há muitos anos terem surgido nomes como os de Sérgio Paulinho, Nelson Évora e Fernando Pimenta, enquanto exceções que confirmam a regra, na sua globalidade, não passam de uma espécie de férias desportivas uma vez que, depois, menos de 3% dos jovens atletas atinge os JO. Vanessa Fernandes, medalha de prata em Pequim explicava: “a alta competição não é brincadeira nenhuma. Não é fazer meia dúzia de provas, andar a receber uma bolsa e está feito. Muitos não veem bem a realidade das coisas. Não têm a noção do que isto significa. Se calhar por termos facilidades a mais” (Lusa/Mais Futebol, 2008-08-18).

Por detrás de cada campeão (ã) olímpico está um rol de sacrifícios pessoais e familiares. Quando os pais de Maria Sharapova (n. 1987) concluíram que na Rússia não existiam condições adequadas para que Maria, de sete anos de idade, pudesse ter uma carreira de êxito no ténis, em 1993, decidiram que ela, acompanhada pelo pai (a mãe ficou na Rússia por dificuldades de obtenção de visto), iria para a Flórida /USA a fim de treinar com Nick Bollettieri na IMG Academy, em Bradenton, o que só foi conseguido depois de enormes sacrifícios. Em 2005, aos 18 anos de idade, Sharapova atingiu o primeiro lugar do ranking mundial. Quer dizer, o sucesso no alto rendimento desportivo é orgânico, não é burocrático.

Todavia, para Constantino tornara-se imperativo provar que o PPO era a solução. Pelo que, com três meses de presidência do COP, num debate sobre a atualidade do desporto português organizado pelo Panathlon Clube de Lisboa, voltou à práxis de 2001, isto é, quando era Presidente da CDP para, dirigindo-se à tutela, e ao estilo de Vicente Moura, dizer: “exigimos que haja verdade nas relações”, “é essencial que se respeite o COP” (Record, 2013-06-20), como se o COP, anteriormente ou no curto prazo da sua chefia, alguma vez tivesse sido desrespeitado. Mas impôs “respeito” porque as coisas se resolveram a seu contento, como o próprio Constantino viria posteriormente a reconhecer n’A Bola TV: “não nos podemos queixar dos meios que Portugal deu ao COP para a preparação para o Rio-2016” (A Bola, 2014-03-22).

Contudo, na sua importância, Constantino referia que os apoios eram atribuídos ao COP por Portugal e não pelo Governo. Este entendimento tem vindo a gerar estagnação ou até retrocesso no nível desportivo nacional, uma vez que, como o COP não tem nem vocação nem competências políticas, orgânicas ou sistémicas para intervir no sistema desportivo, só consegue funcionar a partir da ilusão da conquista de medalhas olímpicas através da quantidade de atletas e de desportos que lhe permitem ganhar protagonismo durante os 4 anos do CO. Por isso, se o modelo vinha a fracassar há mais de dez anos, só podia fracassar ainda mais nos JO do Rio (2016), mesmo com um aumento de 15 atletas relativamente a Londres (2012). E cumprindo o ritual do costume, ainda o ano olímpico ia no princípio já um jornalista (Público, 2016-01-18) colocava ao Presidente do COP a seguinte questão: “no estudo comparativo que o COP fez, falava de 12 atletas com bolsas de nível máximo que, à partida, serão medalháveis…”, a que o Presidente do COP respondeu: “são candidatos a posições de pódio. Se estão no nível 1, é porque tiveram resultados de topo. Se vão confirmar, ou não, teremos de aguardar”. E a delegação desportiva lá partiu para o Rio composta por 92 atletas que competiram em 16 desportos para ganhar uma medalha de bronze no judo, por Telma Monteiro. Apesar de ter sido a segunda maior delegação desportiva de sempre com os meios necessários postos à disposição, o feiticeiro não foi capaz de provar a eficácia do seu feitiço, uma vez que os resultados foram os piores de sempre desde os JO de Barcelona (1992).

Os grandes vencedores dos JO do Rio (2016) foram a burocracia, a descoordenação e a falta de controlo. A título de exemplo, o PPO para o RIO (2016) criou um sistema de determinação dos objetivos a atingir de tal maneira “bicudo” que nunca se chegou verdadeiramente a compreender, afinal, quais eram os objetivos. E quando se tomou conhecimento que o Presidente do COP, ao estilo do “lá vamos cantando e rindo”, ao partir para o Rio de Janeiro declarou ao jornal A Bola (2016-08-03) que: “o dress code não pode falhar” ficámos na dúvida de se ele não estava a confundir os JO com os ridículos “Lusofonia Games” que se se tinham realizado em Goa de 18 a 29 de janeiro de 2014. Por isso, aqueles que já suspeitavam que as coisas não iam correr bem, acabaram por concluir que correram muito pior.

Após os JO do Rio (2016), Rui Bragança sintetizou bem a questão “os atletas já fazem tudo o que podem. Nós só somos atletas. Já faço de médico, de fisioterapeuta, tudo e mais alguma coisa. Não posso fazer também de dirigente” (Público, 2016.08-17). Depois, em mais de 500 páginas, mais ou menos inúteis, do “Relatório Missão Rio 2016” podem ler-se as seguintes palavras do Chefe de Missão: “Passaram mais quatro anos e as conclusões e recomendações do Chefe de Missão aos JO Londres 2012, Mário Santos, continuam válidas. Recordo a sua referência à necessidade de uma maior clarificação na definição de objetivos de preparação e participação olímpica… (…) Subscrevo-as com mágoa e apreensão face ao futuro se, para os objetivos pretendidos em Tóquio 2020, não for definida e assumida, por todos, uma estratégia acertada”. Esta opinião foi confirmada pelo Chefe de Equipa do atletismo, Paulo Bernardo quando disse: “Os objetivos definidos pelo COP, não foram discutidos nem propostos pela federação”. Quer dizer, o estilo de liderança e o consequente processo de gestão mantinham-se de acordo com o padrão de Pequim (2008), quando Fernando Mota, o presidente da FPA, criticou Vicente Moura por não ter partilhado “com as federações a ambição de 4/5 medalhas, os 10/11 finalistas e os 60 pontos” (DN, 2008-08-30).

Após o desastre do Rio (2016), Constantino, em coerência com o seu currículo desde que em 2000 presidiu à CDP e, depois, ao IND, sem esquecer as dezenas de artigos que escreveu a propagandear boas práticas na gestão do desporto, na linha do seu antecessor, fez que não percebeu que só lhe restava a demissão. Assumiu que “o rendimento dos atletas nacionais nos Jogos Rio (2016) ficou aquém das expetativas” (Observador, 2016-10-04), mas como, recordo eu, “uma preparação adequada não é sinónimo de êxito”, bem como “não são os dirigentes que correm, saltam ou lançam”, cinco meses depois, a fim de justificar uma nova candidatura, Constantino passou a arguir que os “objetivos para os JO do Rio (2016), afinal, eram realistas e até muito conservadores” (DN, 2017-02-12). E o que passou para o subconsciente dos políticos que vivem de aparências foi a ideia de que os resultados nos JO, para além das medalhas de ouro, de prata e de bronze não conquistadas pelos atletas nos terrenos da competição, deviam também ser avaliados pelas expetativas criadas pelos dirigentes ao estilo de “o mais importante é participar” no quadro da nacional “mediocridade confortável” instituída. E o pedregulho, cada vez maior e mais pesado do desporto nacional, lá foi, outra vez, ladeira abaixo sem que se tivessem tirado quaisquer conclusões e assumido as respetivas responsabilidades. (continua)