Para os deuses do Olimpo não havia castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança e, por isso, condenaram Sísifo, o mais astuto dos mortais, mestre da malícia e das artimanhas, capaz de enganar a própria morte, ao absurdo rolar de um enorme pedregulho até ao alto de uma montanha, de onde o deixava rebolar montanha abaixo a fim de, de Olimpíada em Olimpíada, o levar, novamente, montanha acima.

Em finais do século passado, as expectativas relativamente aos Jogos Olímpicos (JO) de Sydney (2000) eram de tal maneira altas que o jornal Público (1999-07-23), jogava com uma pseudo-máxima olímpica a fim de traduzir a convicção de vitória com que os responsáveis políticos e associativos partiam para aquele evento: “mais alto, mais forte, mais longe”. E o jornal esclarecia: “é assim que Portugal quer caracterizar a sua missão olímpica aos Jogos de Sydney”. Nesse sentido, os governantes e os dirigentes associativos estavam de acordo: só deviam ir (aos JO) “os melhores, custasse o que custasse, doesse a quem doesse”. E a nomenclatura desportiva até dizia que tinha sido “realizada a melhor preparação olímpica de todos os tempos” (Record, 2000-09-03). Mas os dirigentes desportivos, por via das dúvidas, cunharam uma das mais absurdas metáforas que passou a animar o desporto nacional: “uma preparação (olímpica) adequada não é sinónimo de êxito”, quer dizer, o projeto olímpico devia ser avaliado pelo volume dos recursos financeiros que a tutela política investia, pela qualidade do processo de trabalho burocrático-administrativo desenvolvido e não pelos resultados traduzidos em medalhas olímpicas. E a metáfora estava certa porque, apesar das medalhas de bronze da extraordinária Fernanda Ribeiro (atletismo/10 mil metros) e do judoca Nuno Delgado, a performance da equipa olímpica portuguesa em Sydney (2000), constituída por 61 atletas, foi considerada de tal maneira fraca ao ponto do jornalista David Borges escandalizar a inteligência desportiva nacional quando resolveu opinar: “eu, francamente, não vejo nenhum interesse numa participação que não envolva uma forte possibilidade de conquista de medalhas” (Record, 2000-09-29). Luís Marques, outro jornalista do Record (2000-10-04) escrevia que “antes da partida para a Austrália, a delegação ouviu da boca do primeiro-ministro a espantosa declaração de que o mais importante é participar. Até parecia que iam todos para uma grande festa, para um piquenique…”. A partir de então, as participações olímpicas nacionais sempre viveram sob a metáfora d’o mais importante é participar, falsamente atribuída a Pierre de Coubertin (1863-1937). E, a propósito, o jornalista Rui Cartaxana (1929-2009), num texto intitulado “O Balanço do Costume” (Record, 2000-09-30) citava a frase dita por um dos irmãos Castro acerca do desastre desportivo que tinha sido a participação portuguesa nos JO Barcelona (1992) geralmente tida como a pior participação portuguesa de todos os tempos: “uns estão lá para ganhar outros apenas para se divertirem na Aldeia Olímpica”. Em contrapartida, no Relatório do Chefe de Missão aos JO de Sydney (2000) pode ler-se: “É praticamente um hábito institucionalizado, após a realização dos Jogos Olímpicos, fazer a chamada ‘contabilidade das medalhas’, (…). Prefiro, sem hesitações, regressar à apologia da participação, à honra da presença nos Jogos, à nobreza que envolve o simples ato de competir sabendo-se que não se pode ganhar”. E para Vicente Moura, o Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), a participação portuguesa “honrou o desporto português pois o nosso país conseguiu 21 classificações até ao décimo sexto lugar” (Record, 2000-10-26). Na realidade, para além das 2 medalhas, a equipa nacional conseguiu 8 classificações até ao 8º lugar, 21 classificações até ao 16º lugar, bem como um 4º lugar de João Brenha e Miguel Maia no voleibol de praia, um 5º de Miguel Nunes e Álvaro Marinho na vela (470) e um 7º de Michel Almeida no judo. Todavia, se tal informação podia ser tecnicamente relevante, para a generalidade dos portugueses não tinha qualquer interesse uma vez que, no ano 2000 ou no ano 2021, os JO são para ganhar medalhas e ponto final. Parafraseando José Manuel Fernandes (Público, 2000-10-02), nuns JO, “uma mão-cheia” de atletas classificados para além das medalhas significa, tão só, que “são os primeiros dos derrotados”. Em contrapartida, perante este desânimo nacional que pedia responsabilidades aos atletas, Carlos Lopes dizia: “é hábito exigir muito aos atletas e pouco a certos dirigentes, na realidade, os grandes culpados de muita coisa má que acontece” (Expresso, 2000-10-07). E Jorge Olímpio Bento, no jornal A Bola (2000-11-25), sob o título “Desporto Impróprio para Burocratas” exigia responsabilidades aos dirigentes: “…foi chocante, mas não surpreendente, a incapacidade ou indisponibilidade do COP para tomar uma posição à altura das exigências da conjuntura e das responsabilidades inerentes à sua função”.

Na última década do século passado muitos dirigentes políticos e desportivos, seduzidos pelo número de medalhas olímpicas ganhas pelos países socialistas do leste da Europa, pensavam que o modelo desportivo neles desenvolvido era a pedra filosofal para, também nas democracias liberais, se começarem a ganhar muitas medalhas. E, então, puseram-se a copiar modelos como se as realidades políticas, económicas e sociais dos países fossem as mesmas. E ignoraram que naqueles países socialistas, o modelo de desenvolvimento do desporto vocacionalmente direcionado para o alto rendimento sustentava-se em três premissas fundamentais: (1ª) uma educação de alta qualidade nos ensinos básico e secundário; (2ª) uma unidade de comando do sistema desportivo exercida a nível da cúpula política dos países; (3ª) um sistema de deteção de potenciais atletas que, para além de apresentarem condições anatomofisiológicas de excelência, revelavam um natural talento para determinado desporto e demonstravam uma intrínseca motivação agonística pelo sucesso. E o paradigma que estava no espírito dos dirigentes portugueses era o da República Democrática Alemã (RDA) onde, através de uma educação espartana no ensino básico e secundário, uma liderança de ferro exercida por Manfred Ewald (1926-2002) Ministro do Desporto (de 1961 a1988) e Presidente do Comité Olímpico (de 1973 a 1990) e um sistema de prospeção de talentos a partir da disciplina escolar de educação física, em cinco edições dos JO, foram ganhas 519 (192,165,162) medalhas olímpicas.

Entre nós, quando a partir de meados dos anos noventa se começou a falar na implementação de um projeto olímpico articulado entre a tutela político-administrativa do desporto e o COP estava-se perante um irracional absurdo porque se pretendia replicar no País um modelo que nunca funcionaria nem funcionará numa democracia liberal de economia de mercado como Portugal. Por isso, a “melhor preparação olímpica de todos os tempos”, nos JO de Sydney (2000) não atingiu as expectativas criadas e, assim, continuou a ser nos 22 anos seguintes. E porquê?

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Porque, um modelo de conceção centralizada, burocrática, mecanicista e autocrática nunca resultará num sistema desportivo de conceção descentralizada, adocrática, missionária e de tendência democrática. Nunca funcionará num país como Portugal em que, na passagem do século, num curto período de sete anos, o desporto foi gerido por nove pessoas cada uma delas com as suas singularidades, a sua formação e a sua cultura. Nem funcionará num sistema desportivo formado por um imenso número de organizações lideradas por agentes políticos que, a mais das vezes, têm do desporto uma conceção mais ou menos infantilizada.

No regime adocrático em que o desporto estava a funcionar, Miranda Calha (1947-2020), o Secretário de Estado do Desporto do XIII Governo (de 1995-10-28 a 1999-10-25) que, certamente, conhecia a metáfora dos queijos de De Gaulle, a fim de conseguir uma certa unidade de ação, em 1997, nomeou o Presidente do COP Vicente Moura para presidir ao Conselho Superior do Desporto (CSD), colocando-o e, por extensão, o próprio COP sob a sua superintendência política. Todavia, tal medida, para além de ter sido um “erro de casting” e de conflituar com os princípios da Carta Olímpica e da Lei portuguesa, só podia dar maus resultados e foi o que aconteceu. Quando José Lello (1944-2016), a 12 de dezembro de 2000, em substituição de Armando Vara, entretanto demitido, assumiu as funções de Ministro do Desporto, caiu no meio de uma “desorganização perfeita”, cujas consequências ainda hoje se fazem sentir.

Com data de 23 de fevereiro de 2001, sob o nome de “Projeto Atenas 2004”, foi divulgado um documento onde se especificavam as linhas gerais do projeto olímpico e previa-se a constituição de uma comissão de natureza técnica a fim de acompanhar os trabalhos de “preparação olímpica” e promover “a articulação entre todas as entidades intervenientes”. No entanto, uma tarefa que devia ser simples resultou num conflito que os jornais classificaram como sendo uma “Guerra Aberta entre IND (Instituto Nacional do Desporto) e COP” (Record, 2001-06-09) e um “Corte de Relações do COP relativamente ao Ministro do Desporto” (A Bola, 2001-06-21). Na realidade, o projeto de preparação olímpica ia contra a natureza das respetivas vocações das entidades envolvidas. Por um lado, a administração político-desportiva desejava transformar o COP no seu “braço armado” a fim de conseguir sinergias que se traduzissem em medalhas nos JO. Por outro lado, o COP, a fim de ganhar protagonismo e poder junto das federações desportivas, pretendia, contranatura, responsabilizar-se pela preparação olímpica passando a administrar verbas de significativo montante que, até então, no quadro da lei, eram geridas no âmbito das federações desportivas. Em consequência, o projeto acabou por se transformar numa ridícula disputa dos nomes a nomear para a referida comissão de acompanhamento. Mas o mau ambiente também estava a ser catalisado pelo facto de o Ministro Lello pretender substituir Vicente Moura na presidência do CSD uma vez que tal situação conflituava com a de Presidente do COP (A Bola, 2001-06-21). E o Ministro, apesar da afronta e intimidação que constituiu um boicote das federações desportivas a um evento promovido pelo Ministério do Desporto, ao seu estilo, ironizava dizendo que o “corte de relações” valia “zero” e garantia que o programa para os JO de Atenas (2004) estava a ser desenvolvido e o Estado não tinha “de fazer o trabalho de casa a quem competia executá-lo” (Record, 2001-06-21).

Mas os arrufos do presidente do COP não eram o único problema do Ministro Lello. Em dezembro de 2000, quando tomou posse, estava-se em cima da realização do Mundial de Atletismo / Pista Coberta (2001), a acontecer de 5 a 7 de março em Lisboa, que tinha sido atribuída ao País em 1998. Ao tempo, Fernando Mota, o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), em entrevista ao Record (2001-01-05), lamentava-se: “estamos desesperados”. E com razão porque, a escassos dois meses da realização do evento orçado, para além da aquisição da pista, em 600 mil contos, o financiamento do Estado ainda não estava esclarecido. E explicava: “assinámos dois contratos-programa a apenas dois meses do evento”, “se soubéssemos o que sabemos hoje, não nos teríamos candidatado… a menos que possuíssemos documentos escritos que nos dessem a segurança necessária para avançar…”. E dizia: “além dos 330 mil contos do Mundial, temos ainda a receber 60 mil contos de outras organizações aprovadas por Ministros e Secretários de Estado e ainda não assinámos o contrato-programa da dotação de 12500 contos para o Meeting de Santo António, que já se realizou” (A Bola, 2001-06-29). Perante as urgentes necessidades financeiras da FPA, Fernando Mota contestava a política do Governo relativamente ao apoio ao desenvolvimento regional através dos clubes dizendo que se tratava de “uma paixão pouco clara” que mais não era do que uma “atitude hipócrita e demagógica com fins eleitoralistas” que ia dar para governadores civis e delegados do IND “distribuírem alguns cheques a clubes, sem critério nem avaliação” (A Bola, 2001-06-28).

Fernando Mota não estava sozinho. Vítor Serpa, diretor d’A Bola, num texto intitulado “O Estado da Nação”, considerava a atuação do Ministro “uma afronta” e escrevia: “a última coisa que o Governo português precisa é de comprar, agora, a preço inflacionado, uma guerra com o movimento associativo. (…) A última coisa que Guterres e os seus mais fiéis companheiros desse ‘Titanic’ em que transformou a governação pública precisam é de afrontar as federações e de lhes provocar a ira…”. (A Bola, 2001-06-28). E o atleta Nuno Fernandes (atletismo/vara), numa entrevista ao jornal A Bola (2001-06-27), afirmou que as bolsas devidas aos atletas estavam atrasadas desde março. Em resposta, Manuel Brito, o presidente do IND, informou que os pagamentos devidos à FPA estavam em dia, concluindo que, se havia pagamentos em atraso, não era da responsabilidade do IND (A Bola, 2001-06-28). E Fernando Mota, na edição d’A Bola (2001-06-29), classificou o comunicado do presidente do IND de “imberbe” lançando para a discussão “a hipocrisia e demagogia do Ministro do Desporto, José Lello e do IND”. O que estava a acontecer era que Mota, devido às despesas do Mundial de Pista Coberta e outros eventos para os quais avançou sem ter as necessárias garantias financeiras assinadas por quem de direito, era obrigado a fazer a gestão de tesouraria abaixo da linha de água. Em consequência, os atletas ficaram com as bolsas atrasadas, situação que Mota reconheceu quando o jornalista António Simões lhe perguntou: “Gastou o dinheiro das bolsas para outros fins?” A resposta de Mota foi: “Sim. Por instinto de defesa. A culpa da situação não é nossa, é da irresponsabilidade de um ex ministro chamado José Lello que não assumiu os compromissos formais do seu governo em relação aos Mundiais de Pista Coberta” (A Bola, 2003-08-20). Ora, José Lello estava a servir de “bode expiatório” porque as responsabilidades deviam era ser pedidas, em primeiro lugar, aos políticos que tutelaram o desporto de outubro de 1995 a novembro de 2000 e, em segundo lugar, ao próprio Presidente da FPA porque, como ele próprio disse, avançou para a realização de um evento sem as necessárias e indispensáveis garantias político-administrativas. José Lello, enquanto Ministro do Desporto, estava a tomar conhecimento do processo a dois meses da data da realização do evento, uma vez que tomou posse a 12 de dezembro de 2000. Quer dizer, quando já todos os pagamentos deviam estar processados.

A fim de esclarecer a situação, José Lello, numa extensa entrevista ao Público (2001-03-23), depois de clarificar que o Ministério não era uma “Caixa Multibanco“, considerou que no desporto havia: um discurso pouco claro e pouco rigoroso; ninguém falava com objetividade; criara-se o hábito de ficar tudo no ar; o discurso, que era recorrente, instilava desperdício e despesismo; vivia-se uma cultura corporativa movida por uma gestão de factos consumados; existia uma “assustadora” carência de prática de atividade física e desportiva de base; a dívida acumulada era de 2,5 milhões de contos; a opinião pública não sabia se os seus impostos estavam a ser bem aplicados. Confrontado com este cenário José Lello entendia que chegara a altura de “acabar com as meias-palavras” de que o discurso desportivo vivia. E acrescentava que era necessário pôr o desporto nos carris, tendo em conta objectivos de longo prazo de 2008 e 2012 que, contendo a dimensão do desporto escolar, não podia estar circunscrito “ao discurso de apenas alguns protagonistas”. Em consequência, o Ministro foi sujeito a um conjunto de lamentos, críticas, impropérios e ameaças sem qualquer nexo. Muitas delas anónimas. Todavia, quem não estivesse dentro da “prisão psíquica” desportoque era e é a corporação desportiva sabia bem que o Ministro tinha razão desde logo porque, embora tivesse dito que iria cumprir todos os compromissos, não estava na disposição de “assinar de cruz” pagamentos que deviam ter sido autorizados e cabimentados pelos seus antecessores. E não estava ele nem ninguém porque, mais de um ano depois, já na vigência do XV Governo, o problema ainda estava por resolver quando Fernando Mota foi à Comissão Parlamentar de Educação Ciência e Cultura explicar a situação da dívida de 1,5 M€ dos Mundiais de Pista Coberta para a qual nunca chegou a ser assinado um contrato-programa (Público, 2003-02-05).

Entretanto, no meio da enorme confusão que já animava a superestrutura do desporto nacional, surgiu a figura de José Manuel Constantino, que o jornalista Ricardo Tavares (Record, 2000-12-26) caracterizou como sendo um ribatejano, benfiquista “doente”, antigo praticante de futebol e andebol, “independente de esquerda” que, em dezembro de 2000, tinha sido eleito presidente da Confederação do Desporto de Portugal (CDP). Constantino necessitava de ganhar protagonismo pelo que, em primeiro lugar, aproveitou a entrevista de José Lello (Público, 2001-03-23) para, também ele, manifestar a sua indignação dizendo nunca ter ouvido “um ministro falar em termos tão chocantes do movimento associativo“. E, na “lógica do Multibanco”, dizia: “o problema é o de sempre; não há dinheiro…” (Record, 2001-03-24). Quanto à substância, as críticas não iam além de dizer que as federações estavam a ser objeto de um corte de 15% (Público, 2001-04-04). E, em princípios de abril, foi recebido pelo Ministro a quem entregou “um dossier com as preocupações da CDP quanto aos cortes no financiamento estatal” (Record, 2001-05-03). Em segundo lugar, Constantino, como o financiamento às federações era a sua bandeira, certamente com o objetivo de mobilizar as lideranças do movimento associativo, numa entrevista ao Record (2001-06-05), sem qualquer fundamentação ou prova de factos, entendeu dizer que as verbas aplicadas no desporto escolar: (1º) tinham menos retorno que as investidas nas federações desportivas; (2º) a ausência de utilidade dos investimentos no desporto escolar retiravam-lhe notoriedade; (3º) para acabar com a alegada “inutilidade” do investimento no desporto escolar era necessário abri-lo ao movimento associativo, através das federações, autarquias e outras entidades. Esta absurda perspetiva, que foi veementemente contrariada por Fernando Freitas, ao tempo Coordenador Nacional do Desporto Escolar (Record, 2021-06-06), mereceu do Ministro José Lello o seguinte comentário: “o Presidente Constantino da CDP pode falar do que entender, até de moda e de meteorologia” (Record, 2001-06-06). Em terceiro lugar, Constantino aderiu à tese de Fernando Mota ao questionar as verbas destinadas ao desporto regional. E exigia a Manuel Brito, Presidente do IND, que demonstrasse tecnicamente que os cerca de 200 mil contos que dizia terem sido retirados às federações eram “mais produtivos aos clubes nos programas anunciados” (A Bola, 2001-06-28). No confronto com José Lello, a CDP e o COP ainda ensaiaram “realizar uma cimeira para fazer uma análise politico-desportiva, do País” (Record, 2001-06-21). Mas Vicente Moura resolveu distanciar-se porque compreendeu que a CDP estava a tirar protagonismo ao COP e Constantino a incomodar as sensibilidades dos olímpicos dirigentes (Record, 2001-07-21).

Na sua breve presidência da CDP a performance de Constantino teve o seu ponto mais triste quando, numa entrevista ao Record (2001-07-31), acusou o Ministro Lello de perder “muito tempo em festas e passeios” e, em matéria de política desportiva, até o aconselhou a “estudar”, o que se tratava de um paradoxo na medida em que José Lello, para além da sua visão cosmopolita do mundo que ia muito para além do Ribatejo, apresentava um currículo do ponto de vista académico, político e desportivo, bem superior ao de Constantino. Viviam-se tempos de grande descrédito relativamente às instituições. Jorge Olímpio Bento, que, em maio de 2001, havia sido nomeado pelo Ministro Lello Presidente do Conselho Superior do Desporto, caracterizou bem o que se estava a passar na superestrutura do dirigismo desportivo ao publicar n’A Bola (2001-06-17) uma prosa em que concluía “… não dá mais para entender a função de dirigente desportivo como se fosse uma versão privilegiada de funcionário público”. Mas os dados estavam lançados, de um momento para o outro o País viu-se condicionado pela enigmática frase do “pântano” do Primeiro-ministro António Guterres que o levou a apresentar a demissão ao Presidente da República. Embora José Lello só tenha liderado o Ministério do Desporto durante pouco mais de um ano deixou alguns sinais portadores de futuro, isto é, ainda hoje devem ser considerados como imperativos categóricos em matéria de desenvolvimento do desporto: (1º) os projetos a desenvolver pelas federações devem ser prévia e formalmente autorizados pela tutela política; (2º) a cultura de factos consumados por parte do associativismo desportivo é inaceitável; (3º) a base do desenvolvimento do desporto está na escola; (4º) a sustentabilidade do desporto deve ser conseguida através dos clubes nos diversos pontos do País; (5º) o êxito nos JO só será possível quando o COP soubesse fazer o seu trabalho de casa; (6º) o Estado tem responsabilidades inalienáveis em matéria de desenvolvimento do desporto que não deve delegar a terceiros.

Das consequentes eleições legislativas (2002-03-17) resultou uma nova configuração político-partidária com maioria à direita e à posterior constituição do XV Governo (2002-04-06 a 2004-07-17, PSD/CDS) presidido por José Manuel Durão Barroso. A pasta do desporto calhou a José Luís Arnaut, um político que ansiava por medalhas olímpicas baratas (DN, 2004-01-20). Para Secretário de Estado do Desporto foi designado Hermínio Loureiro, que certamente a 17 de abril ouviu Durão Barroso dirigir-se a Ferro Rodrigues para lhe dizer, “os senhores deixaram o país de tanga”. E as suas preocupações adensaram-se certamente quando, a 31 de janeiro de 2002, Constantino afirmava à A Bola: “não há política desportiva” e, em 15 de março, dizia ao Expresso: “não há sinais de mudança” e, em 29 junho, o Record informava que “as federações estavam indignadas com a tutela”. Perante este cenário, Hermínio Loureiro, que sabia que Durão Barroso era incapaz de protagonizar um novo “milagre das rosas”, percebeu que tinha pela frente um problema chamado Constantino. E, numa jogada de mestre, despachou Manuel Brito e, perante o espanto generalizado, numa espécie de “ópera buffa”, convidou José Manuel Constantino para a presidência do IND que, em declarações ao Record (2002-09-19), disse: “não é comum ser alguém desalinhado, o escolhido para um alto cargo administrativo, e se alguém o pensou no que me diz respeito, é porque me reconhece méritos”. E Constantino tinha toda a razão porque, de acordo com a Síndrome de Lampedusa, era imperativo que tudo mudasse para que tudo pudesse ficar na mesma. E ele, Constantino, melhor do que ninguém, possuía as competências para cumprir tal desiderato. E Hermínio Loureiro, com um simples movimento de uma peça do “xadrez desportivo”, mudou tudo para que tudo continuasse na mesma. E, a partir de então, o movimento associativo entrou em “morte cerebral”. E, no espírito de Lampedusa, continuou-se a viver uma cultura desportiva de “mediocridade confortável”, sem propósitos claramente estabelecidos, sem organização, sem método, sem alinhamento, sem objetivos bem definidos e metas bem quantificadas, sem um sistema independente de avaliação. E, como o espírito do Leopardo pairava sob o desporto português, a 25 de julho de 2003, numa entrevista à Revista Doze, Hermínio Loureiro afirmou que, relativamente ao Campeonato do Mundo de Pista Coberta de 2001, “ainda faltava pagar muita coisa…”. E, perante um silêncio sepulcral do dirigismo desportivo relativamente ao pesado corte do Orçamento de Estado, José Lello escreveu no Record (2003-01-16): “Subitamente, o associativismo mais ativo acomodou-se, cordato e bem-comportado, bastando-lhe meia dúzia de promessas, uns tantos sorrisos e a ilusão de estar corporativamente representado no IND, para se remeter a concordância submissa, imprevista noutros tempos em que fazia da reverberação pública afirmação de cidadania”. Como referiu Manuel Brito, os acontecimentos do ano de 2001 contribuíram para uma “subvalorização política” do setor do desporto que, desde então, “deixou de ter um representante exclusivo no Conselho de Ministros”. (continua)