1 Na passada semana, a ministra Gonçalves e demais ministros apresentaram um pacote de medidas que, garantem-nos, irá finalmente resolver um problema que o Governo foi incapaz de resolver nos últimos sete anos: o problema da habitação. As medidas são vastas, mas incluem quase sempre um dos seguintes verbos: proibir, taxar, limitar, forçar. Desde a proibição do Alojamento Local ao arrendamento compulsivo, o grau de intromissão do Estado é tão grande que o próprio Primeiro-Ministro foi instado a garantir-nos que o Estado não nos iria entrar pela casa adentro — pelo menos não em todas. A propósito, convém clarificar que as medidas são da autoria da ministra Marina Gonçalves, não do companheiro Vasco, mas a confusão seria legítima.

2 Este PREC na habitação é um erro pelos mais variados motivos. O mais flagrante é de que não resolve problema nenhum, mas somam-se outros tão ou mais gravosos. Em primeiro lugar, a proibição do AL, feita de forma transversal, sem garantir discricionariedade aos municípios, é uma ingerência inadmissível na sua autonomia, uma intromissão na forma como estes fazem a sua gestão territorial e um atropelo às vontades dos munícipes. É também a assunção, cada vez mais clara, que o PS nunca levou o processo de descentralização a sério. A regionalização não é uma solução perfeita, mas uma das suas grandes virtudes é limitar o poder desenfreado do Estado Central, impedindo-o de fazer coisas como esta.

3 Em segundo lugar, o arrendamento compulsivo é uma flagrante violação do direito à propriedade privada, direito consagrado na Constituição. Alguns constitucionalistas alegam que há uma tensão entre o direito à propriedade privada e o direito à habitação. Esta tensão só pode ser entendida num quadro de consequencialismo ético, ou seja, em que os fins justificam os meios. Esta concepção ética tem uma afinidade em regimes totalitários, mas deveria rarear em democracias liberais, em que o poder está, ou deveria estar, condicionado. Sobretudo quando o Estado colecta cerca de 45% do PIB em taxas e impostos, e dispõe dos meios materiais para prover o direito à habitação sem ter de postergar os demais direitos. Não dispõe é da competência.

4 Em terceiro lugar, o mesmo Estado que está há 20 anos, e continua, a tentar inventariar os seus próprios imóveis, o mesmo Estado que tem vários imóveis devolutos com milhares de fogos que poderiam estar a ser arrendados, o mesmo Estado que é incapaz de gerir urgências hospitalares ou que demora 10 anos a julgar processos civis e administrativos, como os que os do arrendamento compulsivo irão originar — este mesmo Estado ineficiente e inepto vai agora actuar como gestor imobiliário, arrendando, subarrendando, recuperando, assumindo pagamentos de inquilinos. Isto é obviamente uma ilusão, porque este Estado jamais será capaz de executar as medidas que o Governo propõe.

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5 Em quarto lugar, e mesmo que fosse possível ao Estado executar diligentemente as medidas propostas pelo Governo, estas medidas são um erro porque o problema da habitação não se resolve de forma estrutural do lado da procura, mas sim do lado da oferta. Há 20 anos construíam-se, por ano, cerca de 120 mil fogos por todo o país. No ano passado construíram-se 19 mil. Uma queda de 84%. Em 2015, foram construídos apenas 7 mil novos fogos. Em todo o país. Isto quando a procura aumentou consideravelmente por efeito do turismo e da imigração.

6 Uma outra medida condenada ao insucesso é a do congelamento do aumento das rendas. A teoria económica diz-nos isso, as experiências feitas em algumas cidades europeias dizem-nos isso, a Venezuela diz-nos isso, mas para este governo a realidade é uma opção, não uma restrição. A experiência de Barcelona é paradigmática: o congelamento das rendas levou a que o a oferta de imóveis para arrendamento diminuísse em 10% e os preços aumentassem. Baixaram os preços das rendas mais elevadas, é verdade, mas criou-se um efeito de arrasto ou de âncora à volta do limite superior, fazendo com que as rendas mais baixas aumentassem e se aproximassem do limite superior. Ou seja, uma transferência massiva de riqueza dos arrendatários mais pobres para os mais ricos, que viram as suas rendas baixar. No caso de Portugal, o limite ao aumento é uma expectativa na formação dos preços que fará com que as pessoas antecipem já o aumento das rendas, o que será possível dado que a procura excede sobremaneira a oferta.

7 As poucas medidas que poderiam ter algum impacto, nomeadamente a facilitação dos processos de licenciamento e até alguns incentivos fiscais, ficam completamente minadas pela quebra de confiança que ocorreu. Estas são as medidas de um governo estafado e devoluto de bom senso. Não há arrendamento compulsivo que o salve, resta o despejo.

Mário Amorim Lopes é membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal e deputado à Assembleia Municipal do Porto.