Mário Centeno vai estar no Parlamento a fazer a primeira apresentação do Orçamento do Estado (OE) para 2018. Mais uma vez, parece ter conseguido agradar aos partidos que apoiam o governo e cumprir os mínimos para ser aceite em Bruxelas. Além disso, por enquanto, ainda satisfaz Arménio Carlos e os analistas das agências de rating.

Ainda que (pelo menos no papel) Mário Centeno não tenha sido tão mãos largas como muitos na maioria (incluindo no PS) desejariam, a consolidação orçamental é pouco ambiciosa e não é sustentável, já que é principalmente feita graças a uma melhor conjuntura macroeconómica, a medidas conjunturais e às… cativações! A fatura deverá vir mais tarde, quando nos voltarmos a queixar de mais uma oportunidade perdida para consolidar devidamente as contas públicas em períodos de crescimento…

A redução do défice de 1,4% do PIB para 1% (incluindo medidas pontuais) é feita exclusivamente graças à melhoria do ciclo económico e de medidas que ou são conjunturais que não advêm diretamente da ação do governo como o aumento dos dividendos do Banco de Portugal e a redução das despesas com juros – totalizam ambas perto de 0,2% do PIB.

Excluindo o impacto de medidas pontuais (one-off) em 2017 e 2018, o saldo melhora 0,8 pontos percentuais (de 1,6% do PIB para 0,8%). Sem a contribuição do ciclo económico, do aumento dos dividendos do Banco de Portugal e as poupanças com os juros, o défice permaneceria praticamente inalterado – apenas diminuiria 0,1pp.

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E mesmo tendo em conta que o orçamento até inclui medidas de redução de despesa, para compensar a continuação da “devolução de rendimentos”, estas medidas não estão devidamente explicitadas. Portanto, mais uma vez a grande medida de consolidação orçamental volta a ser a utilização das cada vez mais famosas cativações.

Segundo a tabela retirada do relatório preliminar da UTAO para o OE, os montantes cativos para 2018 deverão atingir praticamente 1.776 milhões de euros (0,9% do PIB), ligeiramente menos que este ano, e praticamente o mesmo valor de 2016. Ainda segundo o mesmo relatório, os cativos finais para este ano, até Agosto são já mais de 1.100 milhões de euros. Veremos quão forte vai ser o pulso de Mário Centeno até ao final do ano, mas se assumirmos o mesmo comportamento, as cativações deverão chegar a perto de mil milhões até Dezembro, bastante em linha com 2016. Ou seja, à partida, este ano, o Ministério das Finanças deverá usar a mesma fórmula do ano passado, e, portanto, é legitimo pensar que fará o mesmo em 2018. E se partirmos desse princípio chegamos a um valor mais uma vez perto de mil milhões de euros (0,5% do PIB) – será possível consegui-lo pelo terceiro ano consecutivo?

Este instrumento é obviamente legal, no entanto, torna o processo orçamental muito menos transparente. Também não é propriamente uma novidade. A única novidade com este governo está no aumento da sua utilização, algo também patente na tabela do relatório da UTAO.

Por isso, e já que Mário Centeno vai ao Parlamento seria bom que explicasse aos deputados não só quais as áreas onde as cativações mais incidiram em 2017 e vão incidir em 2018 (já sabemos que o combate aos fogos não será afectado), mas também o porquê de não adotar logo à partida tetos mais reduzidos para a despesa – não tornaria o processo orçamental mais transparente e respeitador do papel da Assembleia da República?

E, já agora, aproveito ainda para deixar outras questões úteis para compreender melhor não só este OE, mas também a estratégia orçamental do governo:

  • A promessa de aumentar o investimento público para o ano em 1.300 milhões de euros é mesmo para cumprir, ou o investimento será mais uma vez sacrificado para acomodar derrapagens com custos com o pessoal? (em 2016 ficou bem abaixo do orçamentado e este ano irá ficar também perto de mil milhões abaixo do OE).
  • O governo desistiu de vez de uma consolidação permanente e de atingir um défice estrutural bem abaixo dos 2% do PIB este ano? (há um ano esperava um défice de 1,1% do PIB e agora espera chegar a 1,8%… devemos acreditar no saldo de 1,3% para este ano?
  • E o que irá fazer caso a economia evolua melhor do que o esperado no OE? O que ira fazer com essa “folga”? Mais despesa (com salários)? Ou irá tentar atingir um défice abaixo de 1% do PIB?
  • E se a economia desacelerar mais do que o esperado ou se (tal como indica a UTAO) as despesas com pessoal estiverem suborçamentadas? Qual será o plano B? Mais cativações e menos investimento?

E concluindo (ainda que seja pedir demais): E para 2019? Vamos ter mais do mesmo ou pior? Em ano de eleições irá conseguir evitar uma política orçamental expansionista? Ou tal como em 2009, o mundo vai mudar?