A propaganda ao serviço do Kremlin não se cansa de acusar o Ocidente de querer erguer novos muros com as sanções decretadas contra a Rússia, nomeadamente no que respeita à proibição de viagens aos Estados Unidos e União Europeia de alguns altos funcionários ligados de alguma forma à anexação da Crimeia e à guerra contra a Ucrânia.
As autoridades russas têm respondido com o aumento do controlo de todos os estrangeiros que visitam a Rússia. Segunda-feira, 26 de janeiro, entrou em vigor uma lei que obriga esses visitantes estrangeiros a indicar todas as localidades que pretendem visitar, bem como todos os dados da parte russa que os recebe. Isto independentemente do tipo de visto e do prazo de vigência do mesmo.
Até agora eu, enquanto correspondente de órgãos de informação portugueses em Moscovo, podia, a qualquer momento, sair da capital russa sem dar conhecimento a ninguém e realizar o meu trabalho de jornalista. Porém, segundo a nova lei, terei de comunicar às autoridades para onde vou e se no destino está alguém à minha espera.
Esta lei vem juntar-se a outra norma que já dificultava o trabalho dos jornalistas estrangeiros acreditados na Rússia. Sempre que sai do país, o jornalista, após o regresso, mesmo que a estadia no estrangeiro seja de poucos dias, tem de se registar obrigatoriamente na sua esquadra da polícia num prazo de sete dias. Como muitos dos correspondentes estrangeiros em Moscovo cobrem vários países do antigo espaço soviético e são obrigados, principalmente nos últimos tempos, a fazer viagens frequentes à Ucrânia, imagina-se o que para eles significa esta norma.
Estas novas restrições fazem cada vez mais lembrar o sistema soviético de controlo dos cidadãos estrangeiros, quando eles não podiam sair da cidade onde residiam sem autorização das autoridades locais. Segundo as autoridades comunistas, isso era feito para defender a União Soviética dos espiões e de acções dos imperialistas contra o “estado dos operários e camponeses”, nomeadamente impedir que conseguissem “segredos de estado”. Além disso, no tempo da União Soviética apenas uma pequena parte do país estava aberto às visitas de estrangeiros, existindo numerosas cidades fechadas ou mesmo secretas. Depois da queda do comunismo, ficou-se a saber que essas medidas visavam antes de tudo o mais encobrir as chagas sociais e económicas da sociedade comunista, e não proteger os códigos dos mísseis nucleares.
À Rússia voltaram também as cidades fechadas e, ao que tudo indica, os estrangeiros terão cada vez mais dificuldade em viajar. Se, por exemplo, forem fazer o Transiberiano entre Moscovo e Pequim e quiserem sair do comboio pelo caminho, terão de encher um formulário só com nomes de hotéis ou casas onde pretendam ficar.
A nova lei dá também a nove ministérios federais a possibilidade de proibirem a entrada de estrangeiros no país: Ministério do Interior, Serviço Federal de Segurança, Ministério da Defesa, Serviço de Espionagem Externa, Serviço Federal de Combate ao Tráfico de Drogas, Serviço Federal de Migração, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Serviço Federal do Serviço Penitenciário e Serviço Federal de Alfândegas.
A Associação de Operações Turísticos da Rússia previne que a entrada em vigor da nova lei irá “assustar” muitos dos turistas que pretendem visitar o país. Segundo dados oficiais do Serviço de Migração, em 2014, entraram na Rússia 14,8 milhões de estrangeiros, sendo 82% cidadãos de países da Comunidade de Estados Independentes e 8% da UE. Em comparação com o ano anterior, registou-se uma queda de 7%.
Entre os ministros que assinam a nova lei está Serguei Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, que não se cansa de dizer que é pela abolição dos vistos entre a Rússia e a UE – isto quando a realidade é que se está a tornar cada vez mais complicado obter um visto russo.