Nos últimos meses deparámo-nos com um surto epidemiológico que modificou radicalmente as nossas vidas, tendo-nos empurrado para um conjunto de privações que muitos de nós nunca tínhamos experienciado.

O alastrar do Covid-19 por todo o Planeta instalou o pânico um pouco por todo o Mundo, sobretudo após os milhares de mortos verificados em Itália e em Espanha. Diante de uma situação nunca antes vista num passado recente e perante o crescimento de mortos verificados a partir de Março naqueles países, o Presidente da República português, o Governo e a Assembleia da República proclamaram o estado de emergência, o que nos confinou a “quatro paredes” durante cerca de dois meses. Recolhemo-nos em casa, o país “parou”, e vivemos durante largas semanas em permanente sobressalto com notícias durante 24 horas que, invariavelmente, nos chegavam a toda a hora sobre o número de infetados a subir exponencialmente todos os dias. Foram momentos duros para todos, uns porque o confinamento trouxe-lhes stress psicológico, outros porque se viram privados de vencimento, outros porque todos os seus planos profissionais e pessoais ficaram congelados, outros porque foram dispensados das empresas em que trabalhavam e muitos outros ainda porque viram os seus negócios à beira da falência.

Perante esta situação de pânico, a desinformação abundou nos meios de comunicação, nomeadamente notícias oriundas da própria OMS, que a televisão repetia de modo exaustivo e repetitivo num tom catastrófico, como se estivéssemos à beira de uma guerra ou do armagedon. Para quem quisesse ficar informado sobre a situação real relativa ao Covid-19 o exercício era difícil, tais eram as opiniões contraditórias que provinham dos mais variados meios, nomeadamente políticos e informativos. Considero, no entanto, que a maior desinformação vinha dos telejornais e outros programas televisivos, onde a impreparação dos jornalistas era por demais evidente. O tom altamente catastrófico relativo a algumas notícias menos dramáticas em torno do Covid (o telejornal da noite da RTP é um exemplo pragmático do que pretendo dizer, em que a cadência vocal extremamente alarmante do jornalista é a mesma quer se tratem de notícias altamente dramáticas, quer se trate de informação de cariz menos negativo) criaram um ambiente de elevada tensão emocional, como se de um vírus altamente letal se tratasse e que pudesse colocar em causa, até, a continuidade da espécie humana. Por isso, cedo tomei uma decisão: apenas confiar nas opiniões de virologistas e de epidemiologistas.

Um virologista em particular chamou a minha atenção pela sua lucidez, pela sua capacidade de transmitir conhecimento e pelo seu arrojo (embora por vezes, ainda assim, contido) em assumir quais os únicos meios com que será possível combater efetivamente o vírus. Trata-se de Pedro Simas e é um dos poucos cientistas que me parece ter, de facto, um conhecimento extremamente aprofundado sobre os coronavírus, nomeadamente sobre o Covid-19, e um dos que mais se preocupa em identificar soluções que permitam aos portugueses lidar com o vírus a médio e longo prazo, nomeadamente numa altura em que se prevê uma segunda e terceira vaga. Depois de o ouvir várias vezes e de o ler em algumas entrevistas fiquei com duas ideias que me parecem cruciais refletir:

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1. a superação do vírus apenas pode ser conseguida através de imunidade de grupo porque, por um lado a vacina poderá ter um efeito exíguo e porque, por outro, o tempo necessário para fabricar uma vacina efetivamente eficiente deverá ser excessivamente longo para se poder considerar isso uma solução prioritária;

2. o vírus Covid-19 tem uma taxa de mortalidade muito reduzida, como de resto nos mostram as estatísticas, matando na sua esmagadora maioria pessoas com mais de 80 anos e que tenham problemas associados. Não é por acaso que é nos lares que vemos os casos mais dramáticos. Não é por ser nos lares que encontramos pessoas mais idosas, mas sim porque é nos lares que encontramos pessoas idosas com graves problemas, muitas delas aliás com uma elevada dependência para viverem condignamente.

Ora, perante isto, é com muita desconfiança que observo as medidas políticas adotadas para combater o vírus. Vejamos.

1Decretou-se o estado de emergência porque, entre outras coisas, receava-se que o Covid levasse à paralisia do SNS. O que se assistiu não foi a paralisia do SNS, mas um congelamento total do SNS, o que deixou milhares de portugueses totalmente desprotegidos e sem qualquer assistência médica, nomeadamente no que concerne a problemas crónicos, graves e que provocam elevado sofrimento. Conheci neste período casos de grávidas que não receberam assistência, de doentes crónicos que viram as suas consultas serem suspensas o que agravou o seu estado, pessoas que ficaram doentes e que lhes foi recusada assistência e, inclusive, pessoas que morreram de ataques cardíacos porque o INEM não só demorou tempo demais a socorrer, mas porque os procedimentos anti-Covid levaram a que a demorada prestação de socorro à vítima a deixasse a entrar em falência orgânica. O meu pai, por exemplo, sofre de glaucoma e foi operado em fevereiro deste ano. Há três meses que não tem consulta, arriscando-se a ficar cego devido a falta de assistência. Durante os últimos meses, o SNS gravitou exclusivamente em torno de uma doença de tal forma obsessiva, que se esqueceu por completo de prestar assistência a pessoas que possuem doenças mais graves, mais mortais e que, de facto, mataram bem mais do que o Covid nestes últimos meses. Não é por acaso que o número de mortos portugueses entre o mês de Abril e Maio cresceu três vezes mais em relação a anos anteriores, o que levou, recentemente, o bastonário da Ordem dos Médicos a demonstrar preocupação. O SNS, para salvar pessoas de morrer de Covid, ignorou milhares de pessoas com doenças potencialmente mais graves e mais mortíferas.

2O confinamento de dois meses parou, de facto, o alastramento do vírus. Parou o vírus e parou a economia ao ponto de poder colapsar. Estima-se que nos próximos meses várias empresas fecharão portas, centenas de milhares de pessoas sejam despedidas e muitos outros se encontrem em situação de desemprego em números há muito nunca vistos. A restauração (teve e) terá quebras de receitas astronómicas, os bares e discotecas passarão por problemas ainda mais graves pois não se prevê quando poderão voltar a abrir, o futebol e outros desportos sofrerão de problemas idênticos com muitos clubes em risco de ruína financeira e a cultura, em completa deriva e tristemente abandonada pelos poderes políticos, encontra-se já sem qualquer perspetiva de se saber quando cantores, atores, artistas em geral podem recomeçar as suas atividades na plenitude. O turismo, por seu turno, um dos maiores setores económicos do país, terá prejuízos enormes (o Mosteiro dos Jerónimos, o monumento mais visitado do país, que recebe largas centenas de visitantes diariamente anda a receber cerca de 30 pessoas por dia). Teremos milhões de pessoas no desemprego e na falência, ou com rendimentos muitos diminuídos, o que trará consequências no mercado de consumo atingindo vários setores, desde logo o imobiliário onde a banca sustém muitos dos seus investimentos. A juntar ao problema económico, que inevitavelmente trará sofrimento a muita gente, poderemos ter muitos milhares de pessoas com problemas crónicos agravados devido a um SNS a funcionar a meio gás no que concerne a outras patologias para além do Covid-19. Todos sabemos que milhares de pessoas com doenças graves crónicas pararam os seus tratamentos durante o confinamento. Talvez porque tivessem medo de se deslocarem aos centros de saúde e aos hospitais, é certo, mas se o medo de morrer de Covid é superior ao medo de morrer de um cancro ou de uma insuficiência renal (por exemplo) é porque a mensagem sobre a letalidade destas doenças não está a ser bem transmitida, o que merece preocupação.

3Continua-se a promover o distanciamento social e a utilização de máscaras. Persiste-se em promover a ideia de que a melhor maneira de combater este vírus é fechando-nos em casa, política que o Governo por mais do que uma vez já admitiu poder ter que realizar de novo para estancar a contaminação. Ora, isto levanta uma questão que ainda não vi ninguém a responder: de que forma vamos lidar com uma segunda e terceira vaga de Covid (e é certo que teremos uma segunda vaga)? A única solução que apresentam, nomeadamente, o nosso primeiro-ministro, é a vacina. Contudo, como Pedro Simas já referiu várias vezes, não sabemos qual a eficiência dessa vacina nem quanto tempo demorará a chegar ao mercado, estimando-se que irá demorar tempo demais para ser considerada uma solução a médio prazo, nem tão pouco quais os efeitos secundários que poderá acarretar. As autoridades científicas suecas postulam que quando a vacina chegar à população já se terá adquirido imunidade, pelo que a vacina apenas será uma solução secundária, não deverá ser considerada uma solução única como Portugal está a procurar fazer. Com isto não se afirma que a vacina não será uma solução (é claro que será) mas, isso sim, que a vacina não poderá ser a única nem tão pouco a mais eficiente das soluções, seja a curto seja a longo prazo. Ora, esta será por ventura a questão a colocar: sem vacina em tempo útil, e com a provável hipótese da vacina não ter uma eficiência substancial, de que forma iremos lidar com o vírus na segunda vaga? A única solução terá de ser a imunidade de grupo. Não vejo outra. Ou seja, é necessário infetar pessoas saudáveis para que estas sirvam de barreira às menos saudáveis e assim diminuir drasticamente o número de mortos. Vários estudos demonstraram que cerca de 98,7% das pessoas infetadas criaram imunidade durante alguns meses, pelo que a imunidade é um facto, não uma suposição. Vejo uma preocupação excessiva com o número de infetados, quando a preocupação deveria estar toda nos grupos de risco. Não haveria problemas de maior se 30 ou 40% da população fosse infetada desde que nessas percentagens não estivessem incluídos grupos de risco (como de resto nos mostram os elevados números de recuperados, que é a esmagadora maioria, bem como a quase nula taxa de mortalidade em pessoas sem outras doenças ou problemas de saúde associados). Por conseguinte, o caminho a fazer terá de ser, não o de estancar os infetados como o nosso Governo pretende fazer, mas, isso sim, aumentar os infetados na população saudável e impedir a todo o custo os infetados nos grupos de risco. Já sabemos que as crianças são, na esmagadora maioria, imunes à doença. Talvez esteja nelas uma das soluções para se começar a construir a barreira imunológica necessária.

Muitos jornalistas preconizam já a falência do modelo sueco (que não promoveu confinamento obrigatório), afirmando que o número elevado de mortes prova que a interação social não é solução. É um pensamento equivocado. A avaliação da estratégia sueca terá de ser feita a longo prazo pois esta é uma estratégia, igualmente, de longo prazo. É verdade que os suecos têm um número mais elevado de mortes, mas também será verdade que terão na segunda vaga uma maior imunidade de grupo, o que vai impedir um número maior de mortes num futuro muito próximo. Será, igualmente, verdade que os suecos poderão ter um maior número de mortes de Covid, mas terão um menor número de mortes ou de doenças crónicas resultantes da paralisia do sistema de saúde, como observamos em Portugal – terão mais mortes de Covid, mas terão menos mortos por causa das consequências impostas pelo Covid. Dito de outra forma, é facto que Portugal tem menos mortos de Covid-19 do que a Suécia, mas é muito provável que: a Suécia irá ter um número mais reduzido de mortos nas seguintes vagas; a Suécia terá menos mortes e doentes crónicos provenientes de outras doenças porque a sua gestão do problema foi segundo uma perspetiva de zelar pela vida num todo e não apenas salvar a população de um vírus que não é, sequer, tão mortal como muitas outras doenças que, infelizmente, muitos milhares de pessoas têm e não estão a ser tratadas. Estima-se que até à segunda vaga, 1 em cada 5 suecos terá desenvolvido anticorpos, o que permitirá enfrentar novos surtos com maior confiança e eficiência.

Por fim, importa olhar para os números para termos uma perspetiva mais lúcida sobre um problema que, embora grave, tirou o discernimento a muitas pessoas que nos governam. Em Portugal existem cerca de 37 mil casos de infeção registados e 1500 mortes, o que significa que, segundo estes números, o vírus teria uma taxa de mortalidade de 4%. Contudo, sabe-se que o número de infetados será muito maior ao registado. Ou seja, sabemos que o número de mortes é real (ou muito aproximado), mas o número de infetados não pode ser verdadeiro pois o boletim que nos chega (os cerca de 37 mil) são apenas das pessoas que foram testadas (pouco mais de 100 mil até à data) – um número muito reduzido, como sabemos, quando comparado com todos os possíveis casos assintomáticos que sabemos que existem em todo o país. Ou seja, a taxa de mortalidade para ser real terá de ser contabilizada em função do número real ou aproximado de infetados e não apenas do número de infetados registados/testados. Ora, vários estudos (um deles alemão) estimam que o número de infetados em todo o mundo seja 10 vezes superior ao número dos registados, o que significa que em Portugal devemos ter cerca de 370 mil infetados. Ora, se Portugal tiver 370 mil infetados, isso significa que a taxa de mortalidade é de 0.4%. No Brasil, onde a gestão do vírus tem sido extremamente anárquica, o número de infetados, embora esteja perto dos 900 mil registados (com cerca de 43 mil mortes) é muito provável que o valor real de infetados seja dez vezes maior (9 milhões), ou superior, o que significa que a taxa de mortalidade será de cerca de 0,5%. No Mundo inteiro existem atualmente cerca de 7,7 milhões de infetados registados e 430 mil mortes, o que equivale a uma percentagem de mortalidade de 5,58%. Contudo, se o número de infetados for, como se espera, superior em 10 vezes, deveremos ter em todo o Planeta cerca de 77 milhões de infetados, o que equivaleria a uma taxa de mortalidade de 0,55%.

É verdade que estes números são hipotéticos, mas serão provavelmente mais reais do que se querer taxar a mortalidade em função apenas dos casos registados, o que parece demonstrar que a mortalidade deste vírus é de facto baixa. E será ainda mais baixa quando se criar imunidade em todo o Mundo. A gripe, por exemplo, que é um vírus endémico, matou em Portugal cerca de 3300 pessoas no inverno de 2018 para 2019 – o dobro das mortes de Covid durante o mesmo período de 2019 para 2020. É certo que este ano houve um confinamento, o que terá reduzido o número de mortes por Covid, mas também é certo que a gripe é uma doença que encontra um grau elevado de imunidade na população, o que, segundo estes números, parece significar que o grau de letalidade de gripe de Covid não será muito diferente. Em todo o Planeta, a gripe mata em média cerca de 375 mil pessoas, um número de facto (até agora) ligeiramente inferior ao Covid. Contudo, importa referir que o Covid mata mais porque não existe imunidade, ao contrário da gripe, pelo que apenas se pode comparar a letalidade entre as duas doenças quando ambas forem endémicas e o Covid tiver, tal como a gripe, uma imunidade geral da população planetária, o que ainda está longe de suceder.

Claro que é fundamental lidar com este novo vírus com preocupação extrema, cuidados redobrados e toda a precaução possível. Toda a doença que tire a vida a um único ser humano deve ser motivo de preocupação. Considero é que essa preocupação, no que concerne a este vírus, não pode hipotecar a vida das pessoas como de resto está a acontecer. É obrigação do Governo e das autoridades zelarem pela saúde pública da população como um todo, garantindo-a a curto e a longo prazo, o que, no meu entender, não está a acontecer. Não há estratégias para criar imunidade, o SNS congelou durante três meses, continua ainda sem dar respostas eficientes a pacientes que não tenham Covid e todas as estratégias políticas têm hipotecado a economia – o mesmo é dizer, não se morre de Covid mas morre-se com tudo o que se está a fazer para não se ser infetado de Covid.

Várias questões me assolam todos os dias: como é que uma comunidade sem imunidade vai enfrentar o vírus na segunda vaga, quando é certo que ela vai acontecer? Como é que estamos a proteger os grupos de risco sem criar barreiras imunológicas? Como é que estamos a salvar a vida das pessoas se as estamos a privar de poderem trabalhar e adquirir proventos para comer, pagar medicamentos ou serem tratadas de outras doenças? Como é que estamos a salvar pessoas se estamos a matar a economia, colocando mais pessoas em estado de sofrimento, precariedade e pobreza? Como é que estamos a zelar pela saúde pública dos portugueses se o SNS vive obcecado com um vírus que, embora deva ser encarado com preocupação, não pode fazer com que os governos desprezem milhões de pessoas a precisarem de cuidados de saúde básicos?

Sinto uma completa desinformação por parte de quem nos governa. Afirmar que a solução passa exclusivamente pela vacina, como o Primeiro-ministro António Costa afirma recorrentemente, é um erro. Não é por discordar dele pessoalmente, mas porque é um erro científico. Costa e os seus pares, bem como o PR, acreditam em algo que não dá garantias que possa ser eficiente e que, uma vez sendo de facto eficaz, pode vir a acontecer numa altura tardia depois de um longo período em que se poderiam ter tomado outras estratégias, porventura semelhantes (mas não necessariamente iguais) às da Suécia que, ao que tudo indica, irão dar resultado a médio, longo prazo. Esperar obsessivamente por uma vacina, parecendo ignorar todas as consequências que essa solução permitirá no futuro, é criar uma meia solução para o Covid e, simultaneamente, criar um sem número de problemas que poderão ter soluções bem mais difíceis. Suspeito que haja (e vá haver) mais pessoas a morrer por causa do Covid do que de Covid. Há mais vida e, sobretudo, muito mais morte para além do Covid, o que parece estar a ser ignorado pelas autoridades e está a trazer problemas graves a milhões de pessoas.

É necessário que as autoridades olhem para a vida humana como um todo, como um conjunto de necessidades que têm de ser supridas, dando garantias de assistência, proteção e bem-estar num equilíbrio que, no meu entender, está muito longe de ser alcançado.

Paremos de ficar obcecados com o Covid e passemos a ficar obcecados pela vida humana como um todo…