Em ano que não consigo precisar, Fernando Pessoa escreveu o seguinte: “Quanto mais alta a sensibilidade, e mais subtil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente [a pessoa] vibra e estremece com as pequenas coisas. É preciso uma prodigiosa inteligência para ter angústia ante um dia escuro. A humanidade, que é pouco sensível, não se angustia com o tempo, porque faz sempre tempo; não sente a chuva senão quando lhe cai em cima”. Pessoa, não só faz um comentário extremamente pertinente sobre sensibilidade, como ainda faz uma crítica clara à maioria das pessoas que, por serem menos sensíveis, não refletem sobre cenários futuros e, por ventura, ameaçadores. Por isso, não têm imaginação para se atormentarem com coisas que aparentam ser simples (como um dia de chuva e todo o simbolismo que o mesmo carrega, que pode estar associado a todas as coisas que podem desassosegar qualquer um se olhadas com uma certa imaginação e sensibilidade) mas que podem ser verdadeiramente assustadoras. Apenas quando os problemas lhes surgem à frente (quando a chuva lhe cai em cima) é que estas pessoas se angustiam visto a sua parca sensibilidade e limitada imaginação lhes toldar a capacidade de prever mais possibilidades. Fernando Pessoa era uma pessoa altamente sensível (PAS). Como eram Mozart, Martin Luther King ou Charles Darwin, ou como são Alanis Morisette, Nicole Kidman ou Brian Wilson. Mas o que é uma PAS?

Nos anos 90, três escolas diferentes identificaram um temperamento existente numa minoria de cerca de 15% da população que era mais responsiva aos estímulos do meio – ou seja, era mais permeável ao ambiente e por isso mais influenciada pelo contexto onde estava inserida. Às pessoas dentro desta minoria convencionou-se chamar de orquídeas porque, tal como estas flores, estas pessoas precisam de um contexto adequado para prosperarem e florescerem. Quando estas são educadas em bons ambientes tornam-se, tal como as orquídeas, mais brilhantes e vistosas do que a maioria das pessoas. Aos sujeitos dentro da maioria de 85% da população convencionou-se designar dentes-de-leão porque, tal como estas flores, estas pessoas singram e florescem em qualquer contexto – seja ele mais fértil ou mais agreste – sem no entanto atingirem o brilho e esplendor das orquídeas quando estas crescem em bons ambientes.

Desde os anos 90 que o investigador e pedopsiquiatra Thomas Boyce tem vindo a demonstrar que as orquídeas, por absorverem mais dos estímulos do contexto, têm mais doenças fisiológicas e mais perturbações emocionais que os dentes-de-leão quando são educadas em ambientes adversos; mas têm menos doenças e menos perturbações emocionais do que os dentes-de-leão quando educadas em ambientes protetores e seguros. Por outro lado, Boyce tem vindo a verificar que os dentes-de-leão não têm índices muitos altos de doenças e perturbações quando educadas em maus ambientes, mas também não são os mais saudáveis assim como não se tornam, tendencialmente, as pessoas com mais sucesso da amostra quando educadas em bons ambientes. Ou seja, as orquídeas, por serem mais afetadas pelo contexto, ou têm os piores ou os melhores resultados absolutos comparativamente com os dentes-de-leão que, independentemente do contexto, atingem resultados nem muito maus nem muito bons.

O investigador e psicólogo Jay Belsky ao longo do mesmo período tem vindo a observar que crianças com temperamento difícil (maior agitação motora, dificuldades de regulação emocional e dificuldades de adaptação) desenvolvem mais problemas comportamentais quando educadas ou expostas em ambientes adversos, mas menores problemas e um maior número de comportamentos sociais problemáticos quando educadas ou expostas em ambientes seguros. Belsky tem vindo a demonstrar, igualmente, que crianças e adultos altamente sensíveis possuem genes (nomeadamente o alelo curto do gene 5-HTTLPR) que os dota de uma maior plasticidade – o mesmo é dizer que estas pessoas possuem maior suscetibilidade às influências, boas e más, do contexto.

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Por fim, a psicóloga clínica Elaine Aron tem vindo a demonstrar que existem adultos que processam informação do meio com uma maior intensidade emocional e com maior profundidade cognitiva. Curiosamente, mais recentemente (em 2017), a neurocientista Anna Bolders, demonstrou que as orquídeas possuem dois sistemas que são mais reativos e que, por isso, funcionam com uma maior intensidade em relação à maioria da população: o behavioral approach system (BAS) e o behavioral inhibition system (BIS). O BAS manifesta-se numa maior sensibilidade à recompensa ao passo que o BAS manifesta-se numa maior sensibilidade ao perigo. Esta maior reatividade nestes sistemas facilita nas orquídeas o surgimento de comportamentos mais diversificados e plásticos (grosso modo, para cada estímulo um comportamento mais intenso), ao contrário de comportamentos mais rígidos dos dentes-de-leão que, sendo menos responsivos ao ambiente, desenvolvem comportamentos mais uniformizados.

Em comum estas escolas defendem e demonstram que existe uma minoria de pessoas altamente sensível que: 1) é mais plástica e mais permeável aos efeitos do meio ambiente, para o melhor e para o pior; 2) possui uma maior intensidade emocional, o que permite a estas pessoas terem experiências emocionais amplificadas e, por isso, terem maiores níveis de ansiedade, medos mais intensos, mais preocupação, mas também maiores níveis de motivação, de foco, de empatia, de entusiasmo e de euforia; 3) possui uma tendência intrínseca para processarem informação cognitiva com maior profundidade, o que promove facilmente maior necessidade de questionamento e de aprofundar tudo, bem como pensamento complexo e divergente, maiores níveis de criatividade, mas também maior propensão para terem ansiedade, ruminação e pensamentos obsessivos.

Devido à sua maior plasticidade, as PAS, quando educadas em ambientes seguros e estimulantes, tornam-se facilmente pessoas sobredotadas – extraordinariamente inteligentes, percetivas e criativas, extremamente focadas, motivadas e guiadas por sentimentos de missão e pensamentos idealistas – o que não invalida que não continuem muitas vezes com maiores níveis de ansiedade, mais medos, hipocondria e, por vezes, com perturbações emocionais – a outra face de uma maior intensidade emocional e de uma maior profundidade cognitiva. Os psicólogos Mimi Wellish e Jacc Brown, por exemplo, identificam algumas características centrais da genialidade que, facilmente, podemos encontrar nas orquídeas criadas em ambientes seguros. São elas: motivação, intensidade, muitos interesses e por vezes pouco usuais, elevada expressividade, habilidade para resolver problemas afetivos, excelente memória, extrema curiosidade, pensamento divergente, criatividade e imaginação em simultâneo, e apurado sentido de humor (Wellisch e Brown, 2013; Lo, 2018, 32).

Imagine-se uma orquídea nascida e criada num ambiente seguro, afetuoso, regido por bons valores e no qual essa criança tem contacto com pessoas que podem ser uma ótima referência. Esta criança é exposta deste muito cedo a uma série de estímulos e atividades, como música, cinema, literatura, desporto, fotografia, dança, entre muitos outros, assim como é moldada por sólidos princípios éticos e fortes valores morais, o que a enriquece extraordinariamente do ponto de vista do carácter e da personalidade. Sendo mais permeável aos estímulos e sendo capaz de se vincular aos mesmo com maior intensidade emocional e profundidade cognitiva; dotada de uma personalidade empática, justa e perseverante, esta criança facilmente desenvolve paixão por algumas daquelas áreas, podendo-se tornar um excelente músico, escritor e/ou bailarino. A alegria e felicidade que experiencia no contacto com os estímulos com que se depara (que é mais intensa do que nos dentes-de-leão), sobretudo em períodos precoces da vida, semeia nesta criança a necessidade de perseguir essas atividades com enorme paixão, foco e perseverança, como se a sua vida dependesse disso. Por isso as PAS têm vários interesses que perseguem com grande paixão. Porque ao longo da vida, ao serem expostos a inúmeros estímulos, acabam por desenvolver profundas paixões por essas atividades.

Como explicar a alta sensibilidade do ponto de vista neuronal e químico? Vários estudos têm vindo a demonstras que as PAS possuem uma maior atividade na rede de saliência, bem como maiores níveis de dopamina e de noradrenalina e menores níveis de serotonina.

A sensibilidade que temos ao mundo, o modo como reagimos ao contexto e, sobretudo, o limiar com que reagimos aos estímulos é determinado por duas coisas: 1) pela atividade da rede de saliência do cérebro (que ativa o sistema nervoso simpático), que tem a função de identificar estímulos salientes no meio, energizando o organismo (aumentando-lhes os níveis de arousal) para, ou obter recompensas, ou fugir de perigos; 2) pelos níveis de dopamina, noradrenalina e serotonina que o cérebro liberta de modo a vincular ou condicionar o organismo aos estímulos salientes do meio.

Por conseguinte, uma maior atividade na rede de saliência e do sistema nervoso simpático favorece a codificação de estímulos do meio com maior facilidade e intensidade, ao passo que maiores níveis de dopamina e de noradrenalina (que estão associados a uma maior atividade da rede de saliência) condiciona emocional e cognitivamente o sujeito aos estímulos salientes do meio. Dito de outra forma, uma maior ativação da rede de saliência e do sistema nervoso simpático, bem como maiores níveis de dopamina, possibilitam uma amplificada sensibilidade aos estímulos, o que explica porque é que existem pessoas, como as orquídeas, que possuem um limiar mais baixo de sensibilidade, sendo mais fácil e intensamente afetadas\condicionadas pelo contexto em que estão inseridas; ao passo que outras, como os dentes-de-leão, por terem menor ativação na rede de saliência e do sistema nervoso simpático, bem como menores níveis de dopamina e noradrenalina, são menos sensíveis aos estímulos do meio – o mesmo é dizer que são menos afetadas pelo ambiente, visto o seu limiar de sensibilidade ser mais, alto o que dificulta a entrada de informação no sistema nervoso.

Uma maior atividade na rede de saliência está associada a uma maior sensibilidade interocetiva – uma maior capacidade para identificar e sentir sinais, sensações e sentimentos vindos do corpo. Aliás, é a sensibilidade interocetiva que permite a alta sensibilidade que as PAS têm. Ao estarem mais sintonizadas com os sentimentos, sinais e sensações do seu corpo, as orquídeas sentem emoções mais intensas (positivas e negativas), são mais empáticas, perdoam com maior facilidade, têm um pensamento mais flexível e são mais sensíveis à arte e à beleza. Curiosamente, vários estudos demonstram que pessoas com maior sensibilidade interocetiva, possuem maiores níveis de motivação, sentem mais alegria e felicidade, são mais sensíveis à arte e à beleza no geral, mas também têm mais ansiedade, são mais afetados por sensações “estranhas” do seu corpo que muitas vezes leva a comportamentos hipocondríacos, e medos mais intensos. Isto explica-se ao sabermos que a rede de saliência e os sistemas neuronais que processam emoções, promovem emoções de ambas as valências através do aumento dos níveis de arousal. Ou seja, uma maior ativação da rede de saliência e do sistema nervoso simpático, bem como maiores níveis de dopamina e de noradrenalina, promove maiores níveis de arousal, que é o que permite a maior sensibilidade interocetiva e, subsequentemente, uma amplificada sensibilidade.

Esta maior sensibilidade pode ser verificada (e até medida se quisermos) por um fenómeno neurofisiológico designado de arrepios estéticos. Os arrepios estéticos – a “pele de galinha” que podemos sentir e observar nos braços, costas e pernas – correspondem à euforia, extremo prazer e motivação que algumas pessoas sentem quando são deparadas com algum estímulo (a música, em particular, mas não só) que as comove profundamente, o que pode inclusive levar à libertação de lágrimas de felicidade e euforia.

Ora, os arrepios estéticos são um fenómeno extraordinariamente estudado atualmente e todos os estudos indicam que correspondem a picos emocionais como resposta a um estímulo saliente extremamente prazeroso. O curioso é que cerca de metade da população não sente arrepios estéticos, pelo que esta é uma experiência emocional e cognitiva totalmente estranha para muitas pessoas. Isto significa que as pessoas têm intensidades emocionais distintas e que pessoas que não têm arrepios estéticos são menos sensíveis do que as que tem essa experiência. Não menos curioso é o facto de as pessoas que têm arrepios estéticos os terem com frequências e intensidades distintas. Cerca de 30 a 35% das pessoas têm arrepios estéticos com alguma frequência e intensidade, mas apenas cerca de 15 a 20% os têm com muita frequência e intensidade, enquanto cerca de 50% das pessoas não tem nunca arrepios estéticos. Isto significa que cerca de 15 a 20% da população é altamente sensível (as orquídeas), cerca de 30 a 35% da população é moderadamente sensível (poderíamos chamar a este grupo as tulipas) e cerca de 50% da mesma é pouco sensível (os dentes-de-leão).

Podemos comparar as orquídeas com aqueles que poderíamos considerar o seu aqui-inimigo, por terem um temperamento completamente oposto a elas: as pessoas com personalidade anti-social, nomeadamente psicopatas, sociopatas, narcisistas mas não só. Ao contrário das PAS, aquelas pessoas têm reduzida atividade na rede de saliência e no sistema nervoso simpático, bem como menores níveis de dopamina e de noradrenalina, o que faz com que possuam uma extrema insensibilidade. Não sentem empatia, vergonha e arrependimento, possuem níveis reduzidos ou nulos de ansiedade ou medo e, curiosamente, possuem uma total apatia estética. São pessoas que não têm interesses nem motivações para além do que é mais primitivo no ser humano: poder, dinheiro e sexo.

Ao contrário do que a sétima arte nos vende, personagens como Hannibal Lecter ou Dexter, não poderiam ter qualquer sentido estético ou sentimentos de incompreensão. Simplesmente porque os seus níveis de emoção e o seu estilo cognitivo mais primário, escondido no entanto sob um manto de alguma aparente inteligência que não é mais do que superficial, não lhes permite ter o prazer, a felicidade e a paixão necessárias nem um pensamento abstrato capaz de dar significado espiritual à estética, à beleza e à arte. Pessoas com personalidade anti-social têm um pensamento prático, incapaz de atribuir significado ou até de empatizar com aquilo que os artistas fazem. Para estas pessoas as coisas existem para serem utilizadas, não para serem apreciadas. Um objeto ou tem uma utilidade prática que lhes permite atingir os seus fins ou não tem qualquer utilidade de todo, por mais bonito que uma pessoa mais sensível possa achar que esse objeto é.

Como dissemos, as pessoas altamente sensíveis correspondem a um temperamento inato que cerca de 15% da população possui. Apesar de ser uma minoria, é um número suficiente para se considerar que é um fenótipo que a natureza “decidiu” preservar por constituir uma vantagem para a espécie. Não a única vantagem, claro está, porque cerca de 85% das pessoas não são orquídeas, mas sim dentes-de-leão. Ora isto pode significar que, como tantas outras vezes a natureza nos mostrou, esta não tem apenas um plano para as espécies. No caso dos seres humano parecem existir dois planos. Um – os dentes-de-leão – mais seguro, corresponde à manutenção de um fenótipo mais rígido, mais resiliente, menos vigilante, menos afetado pelo contexto mas também mais incapaz de absorver o que de melhor o ambiente possui para oferecer. Seja qual for o contexto, um dente-de-leão consegue-se impor e ter algum sucesso, e isso é uma vantagem clara. Um outro temperamento, mais arriscado, corresponde a um outro plano da natureza – a manutenção de um fenótipo mais flexível, mais plástico e, por ser mais afetado pelo contexto, possui uma maior capacidade para absorver o que de melhor e pior o ambiente possui. Isto significa que, ao passo que os dentes-de-leão são mais resilientes, mais aventureiros e menos medrosos, as orquídeas, embora mais vulneráveis em contextos adversos, florescem e prosperam mais do que os dentes de leão quando educadas em ambientes seguros, porque retiram mais daquilo que de melhor o ambiente possui. Apesar de tendencialmente mais ansiosos, mais preocupados e mais medrosos, seja em que contexto for, as orquídeas criadas em bons ambientes são igualmente mais motivadas, mais determinadas, mais criativas, mais inteligentes, e mais apaixonadas, tendo mais interesses que perseguem com maior intensidade e profundidade, o que se materializa depois em inúmeros feitos extraordinários no campo das artes, da ciência e da política, entre outros.