A mais recente crise institucional no sistema político britânico, que culminou na saída de um conjunto de ministros essenciais do Cabinet de Boris Johnson, representou o último prego no caixão do Primeiro-Ministro e culminou na demissão, em relação ao mais importante cargo da Nação, do deputado eleito por Uxbridge and South Ruislip. De uma herança churchilleana que a personalidade política prometeu reavivar, só se aponta a deriva de um país e de um Estado maioritariamente conservador para uma liderança inerente a um Blue Labour, gerido por um arguto Keir Starmer. O legado de Boris Johnson é o legado do falhanço, da perda de hegemonia do Partido Conservador e do regresso de um Labour ferido por uma descentralização promovida por Corbyn.
A vitória de Boris Johnson e a obtenção de uma maioria sólida, nas eleições legislativas de 2019, apresentava uma solução de estabilidade aos britânicos, após um passado recente turbulento que, desde 2010 e da coligação de Cameron com os Liberal Democrats, sempre se mostrou caracterizado pela falta de constância e durabilidade do Executivo e da sua governação. Pela primeira vez desde 2016 e desde a liderança errática de Theresa May, os britânicos tinham falado a uma só voz em três matérias, aprovando aquilo que se concretizou, na prática, como um referendo ao Brexit, como um referendo a Boris Johnson e à legitimidade democrática que teria de vir a conquistar para liderar e efetivar a saída do Reino Unido da União Europeia, e como um referendo mais ideológico à índole do Partido Conservador e à sua capacidade para governar o País.
Boris Johnson prometia um virar de página – com a concretização do Brexit e com a mobilização do País e da sociedade para questões mais prementes. Falhou neste e noutros domínios essenciais, não conseguindo unificar o Estado no âmbito de uma solução agregadora e não conseguindo reformar o País em matérias cruciais, como o NHS (National Health Service), a ferrovia, as questões da imigração e a economia. De uma inspiração em Churchill publicamente apregoada pelo líder britânico, a verdadeira referência foi, ou aparentou ser, Anthony Eden na sua fase mais doente e, portanto, menos lúcida. As consequências para o Reino Unido e, concretamente, para o seu sistema político, são nefastas e irão influenciar a sua governação a curto e a médio prazo. A saída do seu Ministro das Finanças e da Saúde atesta, exatamente, esta dinâmica, levando Boris Johnson a uma posição insustentável pelo princípio da responsabilidade solidária, confirmada, pelo próprio e em prazo tardio, no passado dia 7.
O Partido Conservador, mesmo numa sociedade fortemente apoiante deste lado ideológico da barricada, mostrou, novamente, ser incapaz de liderar a sociedade britânica em momentos cruciais, permitindo a ascensão de um Blue Labour, centrista e blairista, que mostra uma fórmula vencedora contra uma liderança errática do ainda Primeiro-Ministro britânico, diferente da do seu antecessor e característica de uma verdadeira alternativa centrista liderada por uma personalidade credível e previsível, no sentido positivo do termo. Das festas em plena pandemia, à revelia das regras impostas pelo seu próprio governo, à gestão errática da pandemia, em termos da sua mortalidade e do seu impacto societário, Boris Johnson torna-se, por fim, verdadeiramente líder – de uma corrente de decisores políticos historicamente fraca, amorfa e pouco resoluta no Mundo ocidental contemporâneo.
O Reino Unido irá passar por uma mudança – que coloca o lugar de Primeiro-Ministro e o lugar de líder do Partido Conservador à disposição e que permite, à sociedade e à saciedade, a construção de uma análise sobre o rumo traçado por Boris e pelo seu Executivo. De um partido historicamente fundamental à construção e consolidação do modelo democrático de Westminster e de uma base política de referência para os restantes Estados, onde «nunca tantos deveram a tão poucos», durante a governação de Churchill no âmbito da Segunda Guerra Mundial, o Partido de Boris Johnson é, hoje, uma expressão lamentável e dispersa dessa mesma herança, carecendo uma renovação de fundo que o aposse de legitimidade e de credibilidade e que recupere, verdadeiramente, um projeto conservador de amplo apoio para a Nação britânica. Historicamente, sempre foi capaz de o fazer, para bem do seu sistema político. E necessita dessa renovação de fundo, que se inicia com a saída de Boris Johnson e que, agora, se deve concentrar na execução de uma oposição de relevo a Sir Keir Starmer. É desse equilíbrio e sobreposição institucional que depende o bom funcionamento do sistema político do País.
Keir Starmer disse-nos que «a festa tinha acabado». Acabou em três sentidos – no literal, em relação às festas ilegais de Boris Johnson; no sentido metafórico, em relação ao presumível fim da liderança errática do atual Primeiro-Ministro; e no sentido inglesado do termo, com uma ameaça à hegemonia do Partido Conservador (Conservative Party) dentro do sistema político britânico, do ponto de vista histórico. A saída de Boris concretiza, assim, este final anunciado, meses antes, pelo principal candidato ao nº10 de Downing Street.