No atual contexto surrealista de aparente procura diária do absurdo escrevo-lhe, caro leitor, com sincero sentimento de preocupação e consternação, que ao que parece as brechas abriram-se mesmo, as paredes começaram a ruir – conforme antedisse no meu último artigo – e no atual cenário de crise política cada vez mais são aqueles que se alinham na ideia, que havia exposto, de António Costa ser um dos piores PMs da nossa história democrática.
A multiplicidade de acontecimentos inimagináveis, o desnorteamento patente nas ações dos intervenientes e a constância de um estado de alerta com imparável ciclo de ação e reação política parece vir consagrar a famosa expressão do antigo PM inglês Harold Wilson: “a week is a long time in politics”. De facto, o cenário atual transcende qualquer compreensão imediata e obriga a uma análise cuidada num momento onde se exige que não façamos apressadamente sentenças sem dar o espaço devido à justiça para atuar e sem que a tentemos influenciar por via de uma qualquer posição.
Mediante os factos vindos a lume, e no seu último ato como PM, António Costa agiu em conformidade, fez aquilo que se impõe a um PM e preservou a dignidade institucional inerente ao cargo que ocupa. Esta ação não carece de agradecimento ou louvor, uma vez que era política e eticamente exigível que assim agisse. Porém, como verdadeiro sobrevivente que é, não se entregaria tranquilamente ao estatuto de PM demissionário e logo viria falar novamente ao país sobre o pretexto de sossegar os investidores – tal deveria ser a preocupação com os impactos reputacionais e económicos criados –, quando, em boa verdade, também o fez com o intuito de normalizar a “agilização” governativa na procura e obtenção de investimento. Mais, António Costa pronunciou-se sobre o processo tecendo julgamentos sobre ações/factos afetos a envolvidos e, com objetivo traçado, usou da sua posição de PM para normalizar a ação sob suspeita num evidente momento de subversão institucional que ficará para a história democrática como um dos maiores ataques ao princípio da separação de poderes.
Posto isto, é momento de tentar compreender o antes, o agora e o depois (aqui, num exercício de antecipação do cenário eleitoral e pós-eleitoral) desta triste epopeia política. Primeiro, debrucemo-nos sobre o “antes”, olhemos ao legado de 8 anos de António Costa e dos seus governos e logo constatamos um país estagnado, imóvel, assolado por um estado de marasmo e sobrevivência. Ainda que nem tudo tenha sido dantesco e haja um ou outro ponto positivo a notar, de facto, nada de tangível fica deste seu tempo, nem uma obra relevante, uma visão ou estratégia de longo prazo, uma reforma estrutural, nem sequer uma pequena evidência de espírito reformista. O que o país e os portugueses precisam é de um ecossistema criador de riqueza e estabilidade social, não do que lhes deixa estes – um SNS em rutura e escassez de serviços (mesmo dotado de um orçamento histórico, numa cabal demonstração de incompetência na gestão); uma educação atrasada em reformas e incapaz de responder às necessidades e direitos de professores e alunos; um esforço fiscal recorde que asfixia famílias; uma crise de habitação para a qual nada de benéfico foi feito; um estado social miserável, com milhões em risco de pobreza; uma incapacidade de execução e aplicação dos fundos do PRR numa oportunidade única, quiçá última, de colocar o país numa rota de crescimento sustentado.
Olhemos para onde estamos, para o “agora” acima, e lamentavelmente nos damos conta de uma crise institucional de dimensões inéditas. Não discutirei o papel do MP em todo este processo, a necessidade de clarificação do que é a atividade política legítima ou mesmo a necessidade de regulamentação do lobby e a reforma da justiça – algo mais que fica por fazer. De facto, Costa cai pelos pecados que o próprio cometeu. Cai pela soberba e jactância do discurso, pela amoralidade das suas ações e pelo tacticismo das suas escolhas motivadas unicamente na sua sobrevivência política. Por isso fez do seu círculo de compinchas governo – e logo os fez cair de forma vil quando necessário –, e governou sob o modus operandi e cultura de poder de um partido e elite (muita dela socrática) que se julga único(a) detentor(a) de competência. Nada lhes consegue retirar a altivez e cultura de poder, nem a coleção de escândalos – desde a Casa Pia, a Guterres, a Sócrates e por último a Costa –, o pântano, a bancarrota, a panóplia de “casos e casinhos”, os problemas com a justiça, os negócios corruptos, as demissões em catadupa, entre outros. Ainda, com um tom de gabarolice, ouvimos: “Habituem-se!”. De facto, é por esta cultura política que cai.
Terminaremos com o “depois”. Dissolvida, novamente, a AR (ainda que se esteja a aguardar formalização) e assim demitido pela segunda vez – o que por si só é um marco histórico – um governo liderado por António Costa, o país vai a eleições por decisão de sua Excelência o Presidente da República. Seria de desejar um período calmo e de preparação partidária, mas infelizmente a ânsia de perda do poder já iniciou a máquina eleitoralista, inclusive com a utilização de instrumentos do governo para campanha eleitoral – vejam-se as medidas a ser implementadas e as já revistas (um comportamento verdadeiramente reprovável).
O PS já se anuncia como única solução de estabilidade quando os portugueses, mais uma vez, são capazes de constatar que as maiorias dadas ao PS são marcos de instabilidade política, social e económica – chega a ser risível. Mais, podemos já notar a construção das narrativas e motes da campanha eleitoral e logo vemos a utilização de um discurso perigoso, ideológico e onde a emoção predomina sobre a razão, tudo motivado por um fantasma de extrema-direita que promoveram conscientemente para benefício próprio.
Quando líderes políticos abrem o precedente de aceitar abrir barreiras que jamais deveriam ser abertas – formações governativas com os extremos, como Costa consagrou em 2015 – estão somente a legitimar a existência desses quadros políticos e a incentivar o aparecimento de forças populistas e movimentos contrários antissistema. Depois, a polarização acontece, toma a emoção o lugar da razão e do alto da sua dita superioridade moral ainda estarão surpreendidos a dizer: “como chegámos aqui?”, com o mesmo desplante com que se dizem únicos donos da ética republicana e baluartes na defesa contra os monstros que tanto mediatizaram.
De facto, ao desnorte da queda seguir-se-á a luta frenética pelo voto, a cantiga das promessas do costume e, com tudo isto, continuará a incerteza de um futuro que sempre ansiámos ter. Será demais pedir gente crescida na sala, a discussão clara de estratégias, propostas concretas e visões para um país inerte? Ó Portugal, merecias tão mais.