Fernando Medina, político de carreira desde os tempos da academia, tão conhecedor do mundo real como o antropólogo dos marcianos, não gosta dos residentes de Lisboa.

Não o afirmo devido aos casos de corrupção, de negligência, à elevada carga fiscal imposta pelos muitos anos de gestão socialista para suportar o “monstro” (como uma TV recentemente apelidou o “sistema” da CM de Lisboa) em que se transformou a CM de Lisboa. Nem sequer devido à inoperância geral da câmara de Lisboa, incapaz de despachar um processo a horas ao ponto de muitos suspeitarem que se trata de um tacticismo do “monstro” para a mobilização de “recursos” alternativos. Afirmo-o porque o residente é um “empata” na gestão de Fernando Medina.

O residente que precisa de conduzir por razões que só a ele dizem respeito, que precisa de estacionar, de circular, de andar em transportes públicos, de uma consulta num centro de saúde, de viver no direito ao descanso sem o inferno das obras públicas que abrem e fecham vezes sem fim, exactamente no mesmo local, é o inimigo da gestão de Medina. O munícipe que pretende ver polícia de ronda e policiamento de proximidade, que julga ter direito à segurança, é um personagem exigente e incómodo, quem sabe se fascista. Afinal, o residente de Lisboa deverá sim render-se às operações de caça à multa que proliferam em concorrência desenfreada entre a Polícia Municipal e a Polícia de Segurança Pública, para desgosto da Guarda Nacional Republicana que não encontrou ainda “legitimidade” para montar os seus radares nas artérias lisboetas. O munícipe que se apressa a cumprir o imbróglio burocrático montado pela CM de Lisboa e que, audaz, aguarda pelo menos pelo cumprimento dos prazos e alguma eficiência do “monstro”, é simplesmente ignorado. São 17 mil funcionários diligentes e amigos, a caminho dos 19 mil, incluindo as empresas municipais, segundo dados tornados públicos e não desmentidos.

A Lisboa de Fernando Medina é um parque recreativo de bicicletas e trotinetas, de todo o tipo de vias menos aquelas que permitem os residentes de chegar a casa. O universo de novos espaços e infraestruturas traduz este “conceito” de uma cidade para turistas, onde o residente vive diariamente o inferno do estacionamento, guardado por um dos filhos do “monstro”, a EMEL. Pobre do infeliz que se atrasa 10 minutos a regressar à viatura porque o espera uma multa de 10 euros por não ter pago, devido a algum contratempo, mais 10 cêntimos. Com sorte, poderá mesmo ser bafejado com o bloqueio da viatura.

A Lisboa recreativa de Medina serve para turista ver e usar, mas para o residente calar. Proliferam os hotéis, projectos aprovados em velocidade relâmpago, claro, mas faltam infraestruturas de saúde e educação, faltam silos para estacionamento, faltam serviços de transporte de qualidade, falta limpeza nos bairros dos residentes (mas não dos turistas). E se falar, talvez até protestar, o residente é atirado para os anais da história como uma verdadeira força de bloqueio ao progresso e a esse desígnio nacional que é o turista.

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Enquanto entretém jornalistas e clientelas, o “monstro” cresce ao ponto de se alimentar de si próprio em negócios e “exceções” onde o critério é o amiguismo e, muitas vezes, o partido. Não faltam exemplos por esta Lisboa fora.

Para pôr o residente na ordem, Fernando Medina herdou e reforçou sobremaneira as duas “armas” do sistema: a Polícia Municipal (que tal como o Porto é composta por agentes da PSP destacados) e a famigerada EMEL. Implacáveis na caça à multa, avançam, agora de viaturas novas e brilhantes, sobre o “infrator”, encontrando as manigâncias mais imaginativas para engrossar as receitas não fiscais do “monstro” de Fernando Medina. Virá o dia em que a EMEL terá o direito à arma e uma unidade especial para os casos de reboques mais críticos.

Se a cidade de Medina é a cidade do futuro, regresso amanhã à aldeia dos meus avós. E se muitos fizerem o mesmo, talvez os Fernandos Medinas da nossa praça fiquem mesmo sem contribuintes municipais ou viaturas para multar, vivendo das gorjetas aqui deixadas pelo turista ocasional.