Não estou a falar de dinheiro, seja para polícias, militares, diplomatas ou até para quem estuda estes temas como eu. Estou a falar de ideias, de prioridades, de políticas. Estou a falar dos debates eleitorais em particular e da campanha para as legislativas em geral. Percebo que falta tempo, inclusive a mim para assistir a todos os debates. Mas manifestamente não há interesse em aprofundar estes temas e isso é um problema.
Golpismo policial?
Não quero, no entanto, fugir à polémica do momento. Tenho simpatia por toda a gente que justamente reclama a necessidade de melhores salários em Portugal. Não tenho nenhuma simpatia pela multiplicação de subsídios e alcavalas. Sobretudo não aceito que em nome de qualquer causa, por muito boa que seja, se ameace a realização de eleições, um dos pilares da nossa democracia. É inadmissível que um qualquer líder sindical alimente dúvidas sobre quem será governo em Portugal, ou por quanto tempo, como se fosse aceitável por em causa a realização de eleições.
Mas existem golpes policiais? São raros, mas acontecem, sobretudo por forças paramilitares. Foi o caso, em Portugal, da noite sangrenta de 19 de outubro 1921. Como o nome indica, o golpe, de parte da GNR, terminou numa vaga de execuções sumárias. Essa sangrenta vitória desprestigiou de tal forma a guarda que não conseguiu consolidar-se no poder e foi logo depois seriamente enfraquecida. Não estamos aí, mas o exemplo mostra o custo de se ir longe demais. Até prova em contrário continuarei a acreditar que a grande maioria dos nossos polícias são servidores públicos sacrificados, comprometidos com o Estado de direito, não desordeiros que ameacem a democracia. E sim, foi um erro ter-se criado um novo suplemento tarde e a más horas, sem coordenar essa opção entre os vários ministérios que tutelam forças policiais. É mais um sintoma de falta de coordenação estratégica na governação. É mais uma prova do custo que pagamos pelo tacticismo da nossa política. E assim chegamos ao estado dos nossos debates eleitorais.
Debate-se o que o povo quer?
Os debates não importam? Na verdade, podem pesar sobretudo se minarem a imagem de líderes partidários com erros ou gafes. É famoso o exemplo do primeiro debate televisivo em eleições presidenciais norte-americanas, em 1960, entre o bronzeado Kennedy e o mal barbeado Nixon. E são indicadores do interesse e importância relativa de temas e prioridades no espaço público. Claramente o resto do Mundo e o nosso lugar nele interessa pouco ou nada, com raras exceções.
Se o Mundo estivesse pacífico e estável até se percebia. Durante décadas pudemos comportar-nos como se a guerra fosse uma realidade remota em que podíamos envolver-nos ou não. Mas a guerra em grande escala regressou à Europa. Temos dois conflitos armados na nossa vizinhança próxima, que além de gerarem uma tragédia humanitária, ameaçam a nossa segurança económica. Temos potências neoimperialistas violentamente revisionistas, como a Rússia ou o Irão, que não desistirão de desestabilizar a Europa de Leste e o Próximo Oriente. E não é tudo: o terrorismo não desapareceu, estão em crescimento os eventos climáticos extremos bem como a criminalidade organizada transnacional.
É verdade que Portugal pesa pouco no Mundo. Mas se soubermos explorar certos nichos – da segurança marítima, à exploração de novos recursos estratégicos, passando pelo diálogo com o Sul Global – alguma coisa podemos pesar na Aliança Atlântica, na União Europeia e no espaço lusófono. Sim, somos uma pequena potência com recursos limitados, mas por isso mesmo somos necessariamente muito abertos e muito dependentes do exterior. Isso devia obrigar-nos a pensar mais a sério o nosso lugar no Mundo.
Adiemos perguntas inadiáveis?
São muitas as perguntas cada vez mais inadiáveis, mas que aparentemente podem ser adiadas para depois das eleições. Portugal tem uma estratégia para lidar, por exemplo, com uma segunda presidência Trump? Apostamos na autonomia estratégica da Europa? Vamos aceitar um alargamento e um reforço federal da União Europeia e com que limites e contrapartidas? Vamos apontar para uma postura de equilibrismo pragmático, pondo de lado valores, para apaziguar a qualquer preço grandes potências autoritárias como a China ou a Rússia? Na cooperação, devemos apostar nos grandes, Angola e Moçambique, ou concentrar esforços nos pequenos, mas estratégicos, Cabo Verde e São Tomé? O investimento em Defesa foi reforçado com a Lei de Programação Militar, isso basta ou é preciso mais e em quê?
Há quem considere que a estratégia é um luxo das grandes potências, a nós só restaria o improviso. O tacticismo é, realmente, muito popular na nossa cultura política e organizacional. E a capacidade de improvisar é uma mais valia num Mundo em mudança acelerada. Mas apostar tudo no desenrasca é um erro custoso. Precisamente porque temos menos margem de manobra e mais a perder é fundamental termos uma boa política externa e de defesa, uma sólida rede de alianças. Porque temos meios mais limitados é ainda mais importante definir prioridades claras.
Dou alguns exemplos. Portugal deve apostar em nichos como a segurança marítima, tirando partido do facto de o Atlântica voltar novamente a ser um espaço contestado, e de novas tecnologias como os drones de vigilância, mas também drones armados de que até aqui nos temos privado. Portugal deve explorar a sua centralidade e facilidade de contactos num Atlântico que une mas também divide quatro continentes: Europa, América do Norte, América do Sul e África. Por exemplo apostando numa Conferência de Munique à portuguesa sob a forma de um Fórum de Segurança do Atlântico que juntasse os principais decisores dos países atlânticos. Portugal deve também apostar no minilateralismo, dentro e fora da União Europeia, ou seja, grupos mais pequenos, mais informais e mais eficazes de países com prioridades e interesses convergentes. Portugal deve explorar o seu lítio, garantindo que razoáveis salvaguardas ambientais não paralisam investimentos estratégicos para o país e a Europa, e que o máximo da cadeia de valor fica no país e na região de exploração.
Admito que estas minhas prioridades para a Nação possam ser questionadas. Dispenso a concordância, queria era ver mais debate sobre estes temas. Sem isso não me convencerão que esta eleição vai ajudar a identificar, esclarecer e decidir com seriedade alguns dos grandes problemas de Portugal. Podemos querer tirar o Mundo da política à portuguesa, mas é demasiado grande para ser ignorado com impunidade.