O mais recente desses apelos ao entendimento entre os agentes políticos ocorreu no recente discurso do 10 de Junho, muito marcado também pelo seu quási-desmaio, que serviu aliás para gloriosas interpretações das centenas de comentadores especialistas em saúde existentes entre nós. Silva Peneda, que discursou na mesma ocasião na sua qualidade de organizador das comemorações do Dia de Portugal, foi até mais explícito e referiu a necessidade de um compromisso para uma década.
Estes apelos são recebidos ora com cepticismo (“é irrealista”, sustentou o antigo ministro de Sócrates, Santos Silva), interpretações extensivas (dirige-se a todas as forças politicas do arco da governabilidade, disse Teresa Caeiro, procurando salvaguardar desde já o lugar do PP à mesa da governação), rejeição (BE, Comunistas, diversos dirigentes socialistas). No Conselho de Estado do próximo dia 3 de Julho é expectável que o Presidente retome o assunto, a servir de base a um profundo qui pro quo entre sociais-democratas e socialistas, com aqueles a apelar ao patriotismo dos segundos e estes a reclamar eleições antecipadas (ainda este ano?) para aceitarem sequer falar no assunto.
Nada de novo neste cenário, foi sempre assim. O partido no poder à beira do fim (pelo menos teoricamente) procura soluções para amarrar os futuros senhores da governação a compromissos que, a) os comprometam e, b) sejam o reconhecimento, pelo menos em parte, da razão que lhes assiste e, assim, um aval para as próximas eleições. Em geral, o partido do poder futuro rejeita com indignação o acordo, o partido do poder (em breve) passado usa essa rejeição para pôr no pelourinho os adversários, dizendo-os incapazes de se libertarem das pulsões eleitoralistas.
Além disso, na complexa situação política actual em Portugal, os apelos do Presidente são assimilados a um apoio (ainda por cima pouco subtil) às teses do governo que emana do partido por si liderado durante anos. A própria ideia de consenso é por isso descartada por muito como um perigoso cavalo de Tróia.
Mas há uma terceira via. O consenso de que tanto se falta pode ser substituído com vantagem por abordagens de bom senso da realidade nacional e do interesse do país e dos portugueses. Começando devagar, num assunto específico e de significativa importância, levando-o à discussão no espaço público – com a participação de cidadãos em geral, a contribuição dos órgãos de comunicação social, a utilização intensiva das redes sociais, e também dos agentes políticos, bem entendido-, para depois, maduras as reflexões e identificadas as pistas para o futuro, discutir e aprovar um acordo tão simples quanto possível, claro e conforme às aspirações populares (no limite, há sempre o referendo) e válido por um prazo pelo menos equivalente ao tempo do mandato (eleitoral) em curso mais um dia.
Dirão que se trata de conversa sem substância. Em minha defesa, aqui vão algumas sugestões – de substância:
– Por exemplo, a escolha do próximo Comissário Europeu deveria recair numa personalidade que fosse em simultâneo prestigiada internacionalmente e com suficiente competência técnica para que lhe fosse atribuída uma pasta reconhecidamente relevante, até para os interesses nacionais. Não interessa que seja PSD, PS ou independente, interessa é que o país consiga ter em Bruxelas a pessoa cujo perfil melhor sirva Portugal. Fácil, não?
– Na discussão sobre a dívida, entre os extremos – cumprir a todo o custo/ não pagamos -, há uma miríade de possibilidades. Quase todas, para ser franco, passam pela União Europeia. Negociar alternativas, associar interesses, apresentar os nossos problemas como problemas comuns, gizar ou participar na elaboração das soluções em concreto à escala europeia. Em vez de negar a razão alheia só por ela ser alheia, é fundamental desenhar um modelo integrado e inteligente para fazer face ao que será talvez o nosso maior problema económico (salvo o desemprego, bem entendido, aliás em parte uma consequência daquele). Fácil, não?
– Os partidos políticos reconhecem publicamente que algo vai mal no sistema político em Portugal. Reconhecendo-o, fazem propostas, quase sempre tímidas, procurando com que sejam percepcionadas como da sua lavra. Uma ideia que venha “do lado de lá” é sempre uma péssima ideia, ainda que mais tarde a possam vir a adoptar, sem menção de autor, bem entendido. E sobretudo, não existe coerência e, por isso, eficácia, nas soluções ad hoc aventadas (e também, por enquanto, escassamente adoptadas e postas em prática). Que fazer? Pois, já o percebemos todos, com abertura, perseverança e muito bom senso, esboçar um quadro alargado estratégico de reforma do sistema político. Fácil, não?
Três exemplos. Três perguntas – fácil, não? – a que provavelmente responderá com um sólido Sim o poder; ou um peremptório Não a oposição (respondem hoje, talvez não o fizessem há dois anos). Não devia ser assim. Os agentes políticos em Portugal, como lhes chama o Presidente da República, devem atender com urgência ao pedido de consenso, e fazê-lo com senso. Não se trata de um consenso para apagar diferenças ideológicas ou limitar o acesso ao poder de uns ou outros. Trata-se, isso sim, de examinar com atenção, rigor e honestidade o problema e identificar a melhor solução para o país. E já agora, atender aos apelos de Cavaco Silva, afinal é o mais alto Magistrado da Nação.
Tão só isso. Com senso, o consenso serve Portugal. Haverá senso?