No fim, Carlos Moedas partilhou a vitória e Fernando Medina reservou para si a derrota. Cada um fez o que mandam as boas maneiras eleitorais. Mas a discussão sobre as eleições autárquicas não pode ficar limitada por essas cortesias. A derrota de Medina não foi só dele, nem a vitória de Moedas foi de todos.
Desde domingo, a oligarquia socialista descobriu que afinal Lisboa estava “farta” de Medina. Percebe-se porquê: dá jeito que Medina caia sozinho. Mas a pergunta é inevitável: que caracterizava Medina e a sua administração municipal que não caracterize todo o poder socialista? Onde é que na arrogância truculenta, na recusa de responsabilidades, nas suspeitas judiciais, na colonização partidária de serviços e empresas públicas, no vício da taxação, na intolerância woke, ou nos compromissos com a extrema-esquerda — onde é que, em tudo isso, Medina se distinguia do PS? Se Lisboa estava “farta” de Medina, é porque estava “farta” dos socialistas. O poder cansa, e o poder absoluto do PS começa a cansar absolutamente.
Na fase final da campanha, o comentário do regime começou a lamentar a “radicalização” de Carlos Moedas. Moedas confrontou, sem medo, o poder socialista e apelou, sem preconceitos, a toda a opinião não-socialista. Foi assim que ganhou, com uma atitude de oposição a que os situacionistas, só por ser de oposição, chamaram “radicalismo”. Essa, porém, não é a atitude de todas as direcções partidárias que o apoiaram. É sem dúvida a do CDS de Francisco Rodrigues dos Santos, o mais lúcido e sensato de todos os líderes da direita. Mas não foi a dos seus críticos no CDS, que continuam a desfazer na coligação que em Lisboa derrotou Medina (chamam-lhe, com nojo, “fusão”), nem tem sido a do PSD de Rui Rio, preso à tese de que, para chegar ao poder, é preciso estar próximo do PS, numa lógica de suplente mais do que de opositor. É verdade: o candidato a Lisboa foi confirmado pela actual direcção do PSD. Mas a vitória de Carlos Moedas não confirmou a estratégia dessa direcção.
Sim, algo aconteceu. Não basta olhar para os números, convém lembrar as expectativas em vigor até agora. Falava-se do poder de Costa como do Reich dos mil anos. Só acabaria quando ele quisesse. Mas eis que, na mais favorável das conjunturas, entre o fim do confinamento e o desembarque do PRR, o PS perde três capitais de distrito e mais de 200 mil votos. É verdade, continua à frente. Mas o equilíbrio entre a direita e a esquerda está a mudar. Toda a esquerda recuou. Isso inclui o PCP, que prosseguiu o seu laborioso declínio, o Bloco, que acentuou a sua “irrelevância” autárquica (4 vereadores em todo o país, contra 19 do Chega), mas também a “ala esquerda” do governo, que no Porto foi a votos por via do candidato socialista, um fã local da ditadura cubana, e averbou o pior resultado de sempre do PS. A súbita impaciência de Pedro Nuno Santos, no caso da CP, trai talvez algum desespero. O poder socialista não está no fim. Mas pode estar no princípio do fim.
Para as oposições de direita, a encomenda tornou-se maior. Quando o poder socialista parecia eterno, talvez fossem compreensíveis retraimentos e estados de alma. Agora, com o balão socialista a esvaziar-se, não. Agora, é preciso ser alternativa, perante um país que começa a procurar uma alternativa. A campanha de Moedas mostrou de que ponto se deve partir. Acontece que esse ponto não é aquele onde está a actual direcção do PSD. Por isso, e ao contrário do que se tem dito, faz sentido o PSD discutir qual deve ser a estratégia e quem a pode protagonizar. Há até muito mais razões para isso agora do que havia antes.