Semana após semana, sem que o Governo dê qualquer justificação, as elites assistem com indiferença às escolas fechadas. Este é mais um sinal do fosso que se tem vindo a cavar entre as elites e o resto do país.
A pandemia fez sobressair as desigualdades sociais. Os ‘zoomers’ mantiveram a sua atividade em teletrabalho, em muitos casos sem perda de rendimento, e com a vantagem de pouparem tempo e dinheiro com deslocações. Os outros continuaram a deslocar-se ao local do trabalho ou ficaram em casa com perda de rendimento.
O inquérito da Escola Nacional de Saúde Pública mostra que os trabalhadores menos escolarizados têm menores possibilidades de exercer a sua atividade profissional em teletrabalho. Um outro estudo do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social conclui que os menos escolarizados são também mais afetados pelo lay-off e registaram maiores perdas de rendimento.
Portugal é um dos países mais desiguais da União Europeia. É também um dos países europeus com mais pobreza – cerca de 20% da população vive abaixo do limiar da pobreza. A incidência da pobreza é particularmente grave entre os idosos e tem raízes históricas.
Surpreende mais a pobreza infantil e juvenil.
Temos uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo e o envelhecimento da população é preocupante. Não obstante, 20% das crianças vivem abaixo do limiar da pobreza – esse valor subiria para cerca de 30% se não contássemos as transferências sociais. A pobreza diminui muito as possibilidades de futuro das crianças. Seja nos resultados escolares, seja mais tarde nas suas vidas profissionais. Tudo isto está estudado e comprovado.
O problema da pobreza infantil não é novo. Até hoje, não conseguimos encontrar soluções eficazes para o resolver. Existe uma desigualdade gritante de oportunidades para as crianças que nascem e crescem pobres.
Ainda assim, nos últimos anos, houve alguns sinais de progresso, e esperança. Por exemplo, na última edição dos testes internacionais PISA, 10% dos estudantes das famílias mais desfavorecidas conseguiram posicionar-se no grupo dos 25% melhores alunos. A pandemia veio piorar muito a vida dos estudantes pobres. Imaginem a vida de uma destas crianças sem internet e sem computador em casa. E sem poderem contactar com colegas, com quem não partilham a mesma origem social, mas com quem partilham a ambição de saber coisas e de poderem vir a ser engenheiros, economistas, médicos. E sem saberem quando voltam à escola.
O ensino online prejudica todos os alunos, independentemente da sua origem social. No caso dos alunos dos meios mais desfavorecidos, o fecho das escolas é uma condenação. A condenação a ficar preso ao meio onde se nasceu. E a morte da ambição para os que ambicionam ir mais longe.
Não consigo perceber a insensibilidade do Governo, dos partidos políticos, dos sindicatos e dos media ao desastre que representa o fecho das escolas e a ausência de medidas para apoiar os alunos das famílias mais desfavorecidas.
O fosso entre elites dirigentes e o resto da população é um fenómeno que tem sido muito estudado nos Estados Unidos e na Europa. Há muitas décadas que as elites dirigentes se têm vindo a fechar sobre si próprias. Estudam nas mesmas escolas. Vivem nos mesmos bairros. Casam entre si. E reproduzem-se. A bolha, cada vez mais espessa, em que vivem, isola-os do resto da sociedade e torna-os insensíveis aos problemas do cidadão comum.
Em Portugal, desde os anos 70, o alargamento dos diferentes níveis de ensino a todas as camadas da população permitiu que muitos pudessem alcançar graus de escolaridade superiores aos dos seus pais. Mais escolaridade, num contexto de crescimento económico, permitiu a uma fração significativa da população chegar a lugares que os seus avós não imaginaram possíveis e que os seus pais apenas ambicionaram.
Em Portugal, seria de esperar que a elite dirigente fosse ainda relativamente permeável e sensível aos problemas do resto da população. Afinal, não houve tempo para tornar a bolha tão espessa como nos Estados Unidos. As classes dirigentes são em parte compostas por pessoas que provêm de famílias de meios socioeconómicos muito desfavorecidos. Muitos conheceram a pobreza e a escassez de oportunidades. E as dificuldades que daí resultaram para a progressão nas suas carreiras.
É esta memória, ainda fresca, nos quadros dirigentes das grandes empresas e instituições públicas, das universidades, do jornalismo, da cultura ou da política que torna ainda mais difícil perceber a insensibilidade das elites dirigentes às consequências negativas do ensino à distância.
Será que os professores acreditam mesmo que a sua missão pode ser cumprida com o ensino à distância? Por que razão não existe um programa de apoio aos alunos com mais dificuldades? Por que razão não existe um programa para a recuperação desses alunos? As escolas têm mesmo de estar todas fechadas? Nas zonas de baixa densidade populacional, onde o risco de contágio é muito baixo, qual é a razão para as escolas estarem todas fechadas? Acontece que, em muitos casos, essas são as regiões mais desfavorecidas em termos de acesso a banda larga.
O ministro da educação Tiago Brandão Rodrigues foi de Paredes de Coura para a Universidade de Cambridge. Não tem desculpa.