Há cerca de um ano demitiu-se a ministra da Saúde por entender que a morte de uma utente por eventual falha no sistema que tutelava era uma linha inultrapassável, após vários meses de polémicas e de uma crise evidente no SNS, das consultas às urgências.
Nestes últimos dias, houve notícia da morte de um idoso na urgência de um hospital da Grande Lisboa, alegadamente à espera de um transporte.
As circunstâncias não serão as mesmas, nem as consequências terão que ser idênticas (políticas, porque para o utente foram!).
Mas importará refletir sobre o que efetivamente mudou neste período de tempo: não aumentou o número de utentes com acesso a médico de família; não melhoraram os tempos de atendimento nas urgências; não deixaram de se encerrar urgências por falta de médicos; não se reduziram custos com horas extraordinárias nas urgências nem o recurso aos ditos “tarefeiros”; não se reduziram as listas de espera para consultas hospitalares; não se reduziram as listas de espera para cirurgia; não se reduziram as listas de espera para as Unidades de Cuidados Continuados e/ou Paliativos; não se reduziu, aparentemente, o número de mortes evitáveis.
E seria disto que Portugal e os portugueses, efetivamente, necessitariam.
A 12 de agosto de 2022 os órgãos de comunicação social divulgavam que o Primeiro-Ministro de Portugal reconhecia que existia “um problema de gestão” no SNS. A 11 de agosto de 2023 (um ano depois), pelo mesmo meio, ficamos a saber, pelo mesmo protagonista, que, afinal, melhorar o SNS passa por melhorar a sua gestão. É natural que, se há um problema de gestão, a sua solução passe por melhorá-la. Não é, normalmente, preciso um ano para ir de um ponto ao outro.
O que se fez para melhorar essa gestão do SNS?
Não se mudou a maioria dos órgãos máximos de gestão das instituições do SNS. À partida, qualquer pessoa tenderia a achar que se há um problema de gestão, e é preciso melhorá-la, melhoremos os gestores. Não. Isso não aconteceu. E para os poucos que foram substituídos, mantiveram, alegadamente, e salvo honrosas exceções, na seleção dos substitutos, a lógica político-partidária ao invés do reconhecimento do mérito. Aceita-se que a meritocracia não é a solução absoluta para as desigualdades e/ou injustiças sociais. Não controla o desempenho da “cegonha” na distribuição dos bebés por diferentes tipos de lares ou famílias, nem faz com que um determinado dom especial (remar bem ao invés de jogar bem à bola) seja igualmente recompensado, entre outras limitações do modelo. Mas aceitemos todos que entre dois candidatos para um lugar, deverá ganhar o melhor/mais meritório. E que já não seja por uma questão meramente de meritocracia, uma vez que essa ideia parece amedrontar ou repudiar toda uma maioria, que seja, pelo menos, pelo facto de que um gestor capaz é aquilo que o próprio António Costa está a pedir. Repare-se ainda num argumento, muitas vezes esquecido: é, habitualmente, o gestor de topo que seleciona os gestores intermédios. Que, por sua vez, selecionam, os gestores inferiores, que irão, seguidamente, selecionar o resto dos colaboradores. Se o topo é medíocre, iniciou-se a cascata da mediocridade numa instituição. O resultado só poderá ser mau.
Em alternativa, para algo que pareceria ser óbvio, criou-se a direção executiva do SNS. Que, volvidos vários meses, não inverteu nem sequer alterou nenhum dos rumos descendentes do funcionamento do SNS. Provavelmente nem poderia fazê-lo: ainda não tem os seus estatutos aprovados, ficando limitada na sua ação, como um doido em camisa de forças, e, das competências que lhe vão sendo atribuídas, às pinguinhas, como quem vai dando umas primeiras moedas a uma criança (ainda sem o caráter fixo de uma semanada, não vá esta começar a exigir a sua regularidade), como esta da nomeação dos dirigentes, fica a sensação de que afinal, não dirige todo o SNS. Sim, porque os Estatutos do SNS (Decreto-lei nº 55/2022, de 4 de agosto) definem como integrados no SNS: os agrupamentos de centros de saúde (ACES); os hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e as Unidades Locais de Saúde (ULS); o Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P (INEM).; o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, I. P.; o Instituto Português do Sangue e da Transplantação, I. P.; a SPMS — Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E; etc. mas a Resolução do Conselho de Ministros nº 94/2023, de 16 de agosto, apenas delega na direção executiva a nomeação dos órgãos de gestão dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e das ULS.
Não era de meia direção executiva para meio SNS que os portugueses precisavam…