«Há muito tempo, quando a economia era pouco mais do que um conjunto de frases bonitas, um crítico da ciência disse: “Se queres um economista de primeira água, arranja um papagaio e ensina-o a dizer ‘Oferta e Procura’ como resposta a qualquer pergunta que lhe façam. O que determina os salários? A Oferta e a Procura. O que determina o juro? A Oferta e a Procura. O que determina a distribuição de riqueza? A Oferta e a Procura.”» (Irving Fisher, 1910, Introduction to Economic Science, tradução minha).
A estas perguntas podemos acrescentar outras: o que determina o preço da habitação?; o que determina as rendas das casas?; o que determina o preço de cada noite em alojamento local? A resposta é sempre a mesma: a Oferta e a Procura. Como notou Fisher, esta resposta está sempre certa, mas, infelizmente, não explica nada. Para se encontrar a explicação, «temos de desvendar as forças que determinam a Oferta e a Procura».
Quando as forças de mercado levam a resultados de que, por qualquer motivo, os políticos não gostam, é normal que estes procurem corrigir o seu funcionamento através de políticas públicas. Até aqui tudo bem. Mas o sucesso de uma política depende crucialmente de se entender de que forma é que se vai interferir no jogo da oferta e da procura e que incentivos gerará.
Olhemos para o problema dos preços da habitação de Lisboa. Nos últimos anos, os preços dispararam. Por preços, entenda-se o preço de compra e venda, mas também o preço do arrendamento. Até um papagaio percebe que se isso aconteceu é porque ou a procura aumentou ou a oferta diminui (ou ambas). Muitas responsabilizam o turismo e o alojamento local (que lhe visa dar resposta) por esse aumento de preço. Apesar de nunca ter visto um estudo credível que demonstre ser esta a única causa, ou sequer a causa principal, do aumento de preços, dou isso de barato.
O aumento do turismo leva a um crescimento da procura por alojamento local, o que, por sua vez, levará a uma subida do preço deste, a não ser, claro, que a oferta aumente de forma correspondente. Mas as queixas dos lisboetas não são sobre os preços do alojamento local, mas sim sobre o da habitação permanente. Isso também se explica facilmente. Sendo a habitação permanente facilmente adaptável a alojamento de curta duração, a rentabilidade acrescida deste sector leva a que casas e apartamentos que estavam disponíveis para arrendamento de longa duração sejam “desviadas” para alojamento local. Ou seja, a oferta de habitação permanente em algumas freguesias de Lisboa diminuiu. Por outro lado, o turismo tem dado um contributo importante para o crescimento económico e para a criação de emprego o que pode ter conduzido a algum aumento da procura. Conjugando a redução da oferta com o eventual aumento da procura, é natural que o preço tenha aumentado, tornando-se politicamente incomportável (pelo menos para algumas forças políticas) e, com isso, vieram as propostas políticas para resolver o problema.
Como é fácil de perceber (e a verdade é que até um papagaio percebe), políticas públicas que reduzam a oferta de habitação permanente irão, a prazo, agravar o problema. É esse o grande problema de quase todas as propostas do Bloco de Esquerda para o sector (digo quase e não todas, porque pode haver alguma que me tenha escapado). Invariavelmente, as propostas do BE tornam mais arriscado o investimento em habitação para arrendamento permanente (ao dificultarem, por exemplo, os despejos de arrendatários que não pagam as rendas, propondo alteração de contratos em vigor, afectando a segurança jurídica da actividade, ou alargando o período em que senhorios são obrigados a manter rendas sociais) e reduzem a sua rentabilidade. O grande efeito destas políticas é tornarem o negócio menos atractivo, reduzindo o investimento neste mercado, e, como tal, reduzindo a oferta de habitação permanente. Ou seja, em vez de contribuírem para resolver o problema contribuem para o agravar.
Se o problema, como muitas vezes se alega, tem origem no acréscimo de procura por alojamento local causado pelo turismo, a solução passa ou por reduzir o turismo (proibindo turistas, degradando aeroportos, criando taxas turísticas, etc.) ou aumentar a oferta de alojamento local (sem reduzir a oferta de habitação permanente) para pressionar esse preço em baixa.
Uma forma de aumentar a oferta de alojamento local sem reduzir a oferta de alojamento permanente é pegar num prédio quase devoluto, por exemplo, com uma única família lá a viver, recuperá-lo e pô-lo ao serviço dos turistas. Se, pelo caminho, se conseguir acrescentar um andar ao prédio, melhor ainda, mais se aumenta a oferta, contribuindo assim para a redução do preço do alojamento local e da sua rentabilidade.
Costuma-se dizer “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, mas no caso de Robles é o contrário, tem a prática certa; a sua teoria é que está errada: ao contrário das políticas que defende, aquilo que ele faz na prática contribui para resolver o problema da habitação de Lisboa. Tal como, diga-se, aquilo que a Segurança Social fez. Vender os imóveis que tem para que possam ser usados no mercado. Deve, evidentemente, procurar vender ao melhor preço possível, porque se trata de receitas para o Estado, mas o princípio está correcto: aumentar a oferta de habitação disponível no mercado. E se puder pré-aprovar projectos de alargamento desses imóveis que detém (por exemplo, acrescentando-lhes um ou dois andares), aumenta a sua atractividade, logo o seu preço, e contribui ainda mais para a solução do problema. E, claro, como falei em edifícios detidos pela Segurança Social, também posso falar em quaisquer outros detidos por entidades do Estado. Se forem para o mercado, seja na forma de alojamento local seja na de habitação permanente, ajudam a resolver o problema.
Mas, na verdade, tudo isto são paliativos. Se se quiser mesmo resolver o problema, a solução mais fácil é deixar o mercado funcionar, acabando ou reduzindo com muitas das restrições que existem à construção de casas e de prédios. É isso que neste momento está a ser feito na Califórnia, com propostas que vão desde permitir que se construa de forma mais densa e mais alta em zonas com bons acessos (por exemplo, bairros perto de estações de metro ou de comboio) a propostas que reduzem o poder dos incumbentes de impedir novas construções.
Vale a pena lembrar que este fenómeno do aumento do custo da habitação é comum em vários países, que vão encontrando respostas diferentes. O que se está a tentar fazer na Califórnia é semelhante ao que já se faz em Tóquio há vários anos. Em Tóquio, ao contrário de outras grandes cidades, nem os preços das casas nem as rendas dispararam e, portanto, esse assunto nem sequer faz parte das conversas do dia-a-dia. E o motivo é muito simples, as restrições à construção de novos complexos de apartamentos são mínimas. Graças a isso,conjugado com um excelente sistema de transportes ,a oferta de habitação pôde acompanhar o aumento da procura e, sendo assim, os preços não aumentaram.
No fim, tudo isto é estupidamente simples. Se a procura aumenta e não queremos que o preço aumente, temos de deixar que a oferta aumente também. Ou seja, se não queremos que o preço da habitação aumente, a solução é permitir que se construa mais. Até um papagaio entende.
P.S. – Sobre este assunto vou explicitamente recomendar três artigos com os quais concordo globalmente: “Os exemplos educativos de Robles e Costa”, de Vera Gouveia Barros, “O bem que Robles nos fez”, de Fernanda Câncio, e “O Estado que não sabe gerir os seus imóveis quer gerir os dos outros”, de Paulo Ferreira.