Foi num domingo de agosto de 2021. Eu e a minha família tínhamos chegado ao Algarve no dia anterior. Estávamos a precisar de umas férias após um ano cansativo, com a pandemia de Covid-19 pelo meio. Na 4ª feira seguinte era suposto os meus pais juntarem-se a nós. Íamos partilhar uma casa que tinham alugado, algo que não fazíamos há já alguns anos e do qual tinha saudades.

Nesse domingo de manhã fomos para a praia pela primeira vez. Lembro-me de pararmos no bar de praia para tomar café. Vi uma lista de gins escritos num quadro e imaginei que seria um excelente sítio para parar com o meu pai no final de um dia de praia. Demos um passeio pelo areal, fomos à água e quando me deitei na toalha para me secar senti-me mesmo a descomprimir. Durou pouco tempo. A minha mãe estava a ligar-me.

Nunca mais me vou esquecer daquelas palavras: “Pedro, tenho uma notícia muito triste para te dar…”. O tom de voz parecia controlado, mas dava para perceber que alguma coisa de grave se tinha passado com alguém próximo. Preparei-me para o embate e recordo-me de a minha cabeça ainda ter começado a cenarizar. Mas estava longe de adivinhar: “… O pai morreu” e desatou a chorar de forma desamparada.

É uma notícia que nos esmaga. Tinha estado com eles dois dias antes. De repente, tudo acabou e fica apenas um enorme vazio impossível de preencher…

Depois do choque só quis perceber o que tinha acontecido de tão repentino uma vez que o meu pai estava bem de saúde. Segundo a minha mãe, naquele dia depois de acordar ele sentiu uma indisposição. A minha mãe sentou-o numa cadeira no pátio a apanhar ar e fez-lhe um chá, julgando tratar-se de algum problema digestivo. Mas continuou a sentir-se indisposto, com uma dor abdominal e pediu para se deitar na cama. Ela notou alguma palidez nele e apoiou-o no trajeto até ao quarto. Pelo caminho teve uma primeira perda de consciência. A minha mãe ligou logo para o 112 e ele foi assistido rapidamente pelos bombeiros e pelo INEM. Recuperou a consciência pelo menos uma vez e voltou a perdê-la, mas já não saiu de casa com vida…

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Quis ouvir a opinião de um médico nosso amigo, se achava que devíamos pedir uma autópsia. Achou que não. Dada a descrição que fizemos, tudo indicava tratar-se de um ataque cardíaco fulminante. Além disso, dada a idade do meu pai (76 anos) não justificava passarmos por isso. Optámos por não o fazer.

Mais tarde procurei saber mais e falei com os bombeiros que o assistiram. Segundo eles, o coração estava ok e o desfibrilhador não deu indicação para reanimar. A hipótese do ataque cardíaco perdia sentido. Falaram também em algum inchaço na zona abdominal. Contactei o INEM e solicitei os dados que registaram durante a assistência. Quando partilhei a informação novamente com o médico nosso amigo, ele alterou o diagnóstico e foi perentório: o meu pai tinha falecido com um Aneurisma da Aorta Abdominal (AAA). Eu nunca tinha ouvido falar em tal coisa.

Após uma simples pesquisa percebi o seguinte:

  • É uma deformação da principal artéria do nosso corpo, na zona abdominal, cujo diâmetro vai alargando ao ponto das suas paredes ficarem tão frágeis que podem romper.
  •  Tem maior probabilidade de ocorrer nos homens e não é pequena. Em média, é possível diagnosticar um caso de AAA por cada 42 a 48 homens acima de 65 anos.
  • O risco aumenta para fumadores ou ex-fumadores ou quando existe historial em familiares diretos.

O que aconteceu ao meu pai é um exemplo de como esta doença é perigosa:

  • É silenciosa em vida, na medida em que não apresenta sintomas que levem a que se procure um médico.
  • Em caso de rotura do AAA a probabilidade de sobrevivência é baixa.
  • É uma doença silenciosa também na morte, pela tendência para se associar um falecimento repentino a um ataque cardíaco, não fazer autópsia e seguir em frente, o que só contribui para que não se fale dela como se fala do AVC, do enfarte ou outras.

Contudo, contrariamente a outras doenças, já existem todas as ferramentas para a combater eficazmente.

  • É facilmente detetável através de uma ecografia abdominal ou de um eco-doppler aórtico, ambos simples e baratos.
  •  Sempre que for detetada, existe já um protocolo bem estabelecido de vigilância e de decisão sobre quando requer ou não uma intervenção cirúrgica.
  • A intervenção é normalmente simples e de baixo risco.

A maior dificuldade em evitar uma morte por um AAA está, por isso, no nosso desconhecimento e no facto de não estar instalada uma prática eficaz de rastreio, como já acontece noutras doenças e noutros países. Na maior parte das vezes é detetado por acaso, ao fazer-se um exame com outra finalidade (por exemplo, através de ecografia), quando na realidade se recomenda o rastreio a todos os homens a partir dos 65 anos.

O que aconteceu ao meu pai também serve de exemplo para a falta de rastreio, mesmo quando a situação específica o recomenda. Só posteriormente percebi que anos antes já tinha sido detetado (também por acaso) um AAA no meu tio, irmão dele, tendo chegado a ser submetido a uma intervenção cirúrgica. Na altura, não aprofundei e pensei que tinha sido uma cirurgia ao coração, talvez por ouvir a referência à aorta. No entanto, contrariamente ao que estabelecem as boas práticas, não foi recomendado por nenhum dos médicos com quem o meu tio contactou um rastreio aos familiares em primeiro grau, para os quais a probabilidade de diagnóstico pode aumentar quase dez vezes e nos quais se incluiria o meu pai.

Por isso, caso se aplique o critério da idade, siga a sugestão e ofereça a si próprio, ao seu pai, marido, familiar ou amigo um rastreio ao AAA. Em caso de diagnóstico positivo, não espere, procure imediatamente um especialista e avise os familiares em primeiro grau para que se aconselhem com os seus médicos e realizem também o rastreio.

Pedro Fernandes é licenciado em Organização e Gestão de Empresas, área onde trabalha. Nos tempos livres procura contribuir para aumentar a sensibilização para o Aneurisma da Aorta Abdominal.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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