A 9 de junho a Comissão Europeia saudou o êxito do acordo político alcançado pelos Estados-Membros no Conselho de Assuntos Internos que decorreu a 8 de junho sobre o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, que havia sido apresentado pela primeira vez em setembro de 2020. O acordo tem estado em discussão ao longo da Presidência sueca: quase 3 anos para chegar a um entendimento que ainda não é final. O Conselho negociará a seguir com o Parlamento Europeu com base neste entendimento e no respetivo acordo que se estabelecerá no Parlamento para, assim, se chegar a uma posição comum que se tornará Lei.

Dois países se opuseram ao acordo, Hungria e Polónia, principalmente porque não acreditam que a Europa deva ter um sistema de asilo. Quatro países se abstiveram: Bulgária, Malta, Lituânia e Eslováquia, cada um deles por motivos diversos.

A medida mais controversa inclui o encargo financeiro de 20 mil euros per capita por cada refugiado que não seja acolhido ao abrigo deste acordo. A Polónia, esta quinta-feira, dia 15 de junho, já veio anunciar que irá colocar esta proposta acordada entre os Estados-Membros à consideração da sua população, através da realização de um referendo, numa altura que faltam cerca de quatro meses para as eleições neste país.

Além disso, foi também acordado um novo sistema que permite a redistribuição de migrantes em toda a UE, com uma quota efetiva de quantas pessoas os Estados da linha de frente devem processar por ano antes de pedir ajuda, os Estados acordaram um mínimo de cerca de 30 mil pessoas. Embora, a capacidade adequada de cada Estado-Membro será definida com base numa fórmula que tenha em conta o número de passagens irregulares das fronteiras e de recusas de entrada durante um período de três anos. A solidariedade é obrigatória, mas flexível, o que significa que todos os países têm de contribuir, mas podem escolher como: através do acolhimento de migrantes pelos mecanismos de recolocação e, assim, ficarem com a responsabilidade do acolhimento daqueles migrantes ou mediante a “coima” de 20 mil euros anteriormente citada ou medidas de solidariedade alternativas, como o destacamento de pessoal ou medidas centradas no reforço das capacidades. Os Estados-Membros dispõem de plena discricionariedade quanto ao tipo de solidariedade com que contribuem.

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As políticas migratórias têm nos últimos anos alimentado acentuadas divergências entre os países europeus e, igualmente, são ao nível nacional promotoras de tensão entre os partidos políticos e a opinião pública. Uma Europa envelhecida que vive uma transformação do seu tecido social e humano, por um lado incapaz de reformar os Estados-sociais, por outro presa a um declínio demográfico.

O grande derrotado deste acordo é o Regulamento de Dublin pois, mantendo-se em vigor, o “primeiro país de acolhimento” continua a ser responsável último pelo migrante, mesmo que já existam familiares a viver e em situação regular noutros Estados-Membros ou tenha o migrante experiências anteriores de trabalho ou de estudo noutro país. Ora, esta determinação coloca alguns países da UE, cuja situação geográfica é de “border line” às rotas de entrada (Espanha, Itália, Malta, Grécia, Chipre, Estónia, Finlândia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia, Bulgária, Roménia e Croácia) sob maior pressão, podendo não ter condições para fazer face a um fluxo muito elevado de imigrantes. Uma das soluções anteriormente encontrada e que se mantém no recente acordo de 8 de junho é da transferência de requerentes entre Estados-Membros (Programa de Recolocação), sob a supervisão da Comissão Europeia.

Um objetivo subjacente a este Acordo é transferir a responsabilidade de acolhimento para países fora da UE. Os alvos são os países dos Balcãs Ocidentais e do Norte de África, através da utilização de instrumentos jurídicos e meios financeiros para suportar esse acolhimento pelo “país terceiro considerado seguro” por alguns Estados-Membros da União Europeia, naturalmente que esta listagem deixa várias dúvidas em aberto (Albânia, Montenegro, Macedónia do Norte, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Sérvia, Turquia, Líbano, Tunísia e até a Líbia). No entanto, as reformas ora aprovadas não contribuem em nada para aumentar a probabilidade de que esses países concordem em receber pessoas que UE quer fazer retornar para fora das suas fronteiras.

Dentro deste acordo global a que recentemente a UE chegou há a considerar também um “acordo de última hora” (certamente para permitir o acordo global): foi, assim, estabelecido que cada Estado-Membro (e não a UE como um todo), determine qual é o país que considera “seguro” para a trasfega destes migrantes rejeitados deste que obtenham o acordo com este país terceiro de acolhimento. Os países da UE serão obrigados a demostrar uma “conexão” entre cada migrante e esse país terceiro designado para o seu acolhimento fora da UE; contudo os atributos de tais conexões não foram conhecidos até hoje. Ora, podem, naturalmente, existir dissonâncias entre as listas dos países terceiros considerados seguros entre os diferentes Estados-Membros europeus. Alegadamente foi este o ponto central que levou a Itália a votar a favor deste Pacto contribuindo assim para a sua aprovação.

A Europa continua a colocar o seu foco fora das fronteiras, mas em medidas de contenção das entradas sem, assim, defender aqueles que mais precisam de proteção.

O Pacto também oferece muito pouca esperança às pessoas deslocadas nas fronteiras externas da UE para superar procedimentos fronteiriços imprevisíveis, longos e muitas vezes duros. Na verdade, é provável que piore a situação nas fronteiras externas e corre-se o risco de serem construídos mais campos de refugiados, promotores de longos períodos em confinamento e detenção nas fronteiras fora da União Europeia.

Estes novos elementos propostos reduzem ainda mais as hipóteses de os refugiados obterem proteção na UE devido à falta de acesso à informação, apoio e potencialmente aumentam os períodos em que estes migrantes vivem vidas suspensas em campos de refugiados sem qualquer projeto de vida: uma vida num purgatório.

O direito de asilo está a ser fortemente afetado pelas medidas restritivas existentes sobre as migrações nos diferentes Estados-Membros. Os requisitos para a atribuição da proteção internacional são diferentes entre países da UE e dependem da soberania dos tribunais, do sistema judicial de cada país.

Sem qualquer solução à vista, as pessoas deslocadas serão cada vez mais forçadas a recorrer a meios irregulares para superar a precariedade e a marginalização.

Apesar das boas intenções do Pacto para as Migrações e Asilo e de algumas inovações políticas dignas (por exemplo, maior solidariedade, mesmo que imposta, na distribuição do número de migrantes que cada país receberá e num maior investimento nos procedimentos de triagem nas fronteiras externas para tornar mais célere os procedimentos de asilo), o Pacto não aborda as principais causas da falta de controle sobre a migração, nem será capaz de conter o êxodo mortal de pessoas em todo o Mediterrâneo (como este semana foi notícia).

Ora, a verdadeira questão dos requerentes de asilo está subvertida: o que precisa de ser resolvido é a entrada de migrantes irregulares em território europeu. Assim, as pessoas que cheguem à fronteira da UE ou estão dentro da UE sem identidade validada por documentos dos seus países de origem e/ou sem pedidos de asilo devem ser mantidos em centros de detenção até que as suas identidades sejam apuradas, devendo tais centros encetar todos os esforços para assegurar a maior brevidade para essa averiguação.

O Pacto apenas aborda a questão do que deve ser feito uma vez que os imigrantes irregulares entrem em território europeu. Mantém uma linguagem muito centrada nas questões da triagem e retorno dos migrantes económicos, mas tal foco é invariavelmente seguido da afirmação de que todos podem, no entanto, apresentar um pedido de proteção internacional e se assim o fizerem ao abrigo da Diretiva Europeia podem permanecer em território europeu até ser decidido o mérito quanto a tal pedido de asilo. Claro que tal janela terá o resultado previsível (conhecido pela experiência passada) que necessariamente todo imigrante irregular tenderá a utilizar a porta do asilo para entrar na Europa, uma porta que os traficantes sabem aberta e que a usam para manter a sua atividade milionária. Esta estratégia, de usar a porta do asilo por migrantes irregulares, acaba por comprometer o sistema de asilo dos diferentes Estados-Membros aumentando a pressão sobre o acolhimento. Em 2022, 881 220 cidadãos de países terceiros solicitaram asilo pela primeira vez na União Europeia, nesse mesmo ano cerca de 321 960 pedidos a aguardar decisão foram rejeitados. Quase 40% de todos os pedidos de asilo em 2022 apresentados nos Estados-Membros são provenientes de migrantes da Síria, Afeganistão, Turquia e Venezuela.

Assim, é necessário que a Europa tenha centros de admissão criados em países de primeiro refúgio (por exemplo, Turquia, Líbano, Tunísia e até na Líbia) onde os refugiados podem solicitar o seu reassentamento diretamente a agências europeias. Nesses países devem ser identificados por membros dessas agências europeias os migrantes que têm enquadramento possível no regime de proteção internacional e assim, ser a Europa a efetuar o transporte até território dos Estados-Membros (previamente identificado) de forma segura e ordenada.

Sem reformas profundas no sistema de asilo o acesso à Europa manter-se-á numa batalha entre os traficantes e aqueles que têm mais condições físicas e económicas para pagar a jornada cara de entrada na Europa: arriscando assim a vida. Como resultado, aqueles que são jovens, homens, solteiros, saudáveis e mais abastados financeiramente têm muito mais hipóteses de pedir asilo, enquanto o sistema europeu deixa crianças, bem como idosos, mulheres, doentes ou deficientes, e os mais pobres para trás. Em 2021, a maioria dos requerentes de asilo nos países da UE+ era do sexo masculino, representando 70 % dos requerentes em 2021, cerca de 50% tinha idades compreendidas entre os 18 e os 34 anos.

Esta reforma é fundamental, sem a remoção do incentivo perverso em que só aqueles que arriscam as suas vidas têm a possibilidade de pedir asilo, o atual sistema europeu continuará a condenar milhares de vidas a perecerem no Mediterrâneo todos os anos, vai continuar a deixar para trás aqueles que mais precisam de proteção. Continuará este atual sistema a ser usado como oportunidade por muitos que não têm motivos válidos para requerer asilo; e vai, por este mesmo motivo continuar a ser um tema fraturante nas sociedades europeias.