O Alto-comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Refugiados, o italiano Fillipo Grandi pediu à União Europeia para receber cerca de 42.500 afegãos nos próximos cinco anos, declarou, ainda, ser estimável que 85 mil refugiados venham a precisar de ser reinstalados a partir dos países vizinhos do Afeganistão durante esse período e, por isso, convidou a Europa a partilhar responsabilidades.

Em setembro deste ano foi tornada pública a Resolução do Parlamento Europeu sobre a situação no Afeganistão. Se, por um lado, nesta resolução é patente uma visão do Parlamento Europeu que repudia a violenta tomada do poder pelos talibãs no Afeganistão e a recusa de reconhecimento do seu atual governo, manifestando profunda solidariedade para com os afegãos fugidos do país, bem como pelos que aí permanecem, por outro mostra-se a União Europeia preocupada com a sua capacidade de resposta a uma potencial nova crise migratória de refugiados. É indiscutível a ambivalência entre uma Europa atenta aos direitos humanos e a imperativa necessidade dos seus Estados‑Membros serem capazes de garantirem uma proteção eficaz das fronteiras externas da UE, a fim de se preparar de forma mais adequada para os movimentos migratórios a partir da região e para as entradas não autorizadas na UE.

Não podemos ignorar que o conflito no Afeganistão perdura há duas décadas custou a vida a 3 609 militares aliados e ao serviço dos EUA; além disso, o conflito custou também a vida a 66 000 militares e agentes da polícia nacionais afegãos, a 47 245 civis afegãos, a 444 trabalhadores humanitários e a 72 jornalistas.

Parece indiscutível para a Europa que foi mal preparada e caótica a saída dos EUA do Afeganistão, sob a liderança do Presidente Biden, em agosto de 2021. Nem que seja porque essa impreparação resultou numa evacuação caótica e colocou a Europa sob uma pressão considerável para retirar cidadãos e pessoal antes de os talibãs assumirem o controlo total do aeroporto de Cabul.

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Foi noticiado e horrorizou o mundo Ocidental que um membro do Estado Islâmico da Província de Khorasan (ISIS-K) detonou uma bomba suicida no aeroporto de Cabul, em 26 de agosto de 2021, fazendo 175 vítimas mortas, entre os quais 13 soldados americanos. Em 27 de agosto de 2021, os EUA realizaram um ataque aéreo de retaliação, alegadamente matando dois membros “proeminentes” do ISIS-K e 10 civis, entre os quais sete crianças. A guerra não escolhe as suas vítimas.

A crise afegã terá consequências duradouras para a Europa em termos de paz e segurança, em especial a migração ilegal e a ameaça do terrorismo. Não houve tempo para que as evacuações fossem conduzidas de forma mais lógica e ordenada. Pura e simplesmente em tempos de guerra não há espaço para organizar agendas, entidades de acolhimentos, saídas controladas e ordeiras. A guerra é cega, surda, muda e muito selvática, por isso é indiscriminadamente mortífera. Chegam-nos relatos de profunda preocupação por aqueles que foram deixadas para trás no Afeganistão.

Estamos, igualmente, a ser alertados para o facto de um êxodo de afegãos criar o ambiente ideal para células terroristas viajarem para a Europa sobe a capa de meros “refugiados”. Não é para criar o caos, a dúvida ou até anular a solidariedade, mas é uma situação inevitável e que deve ser criteriosamente analisada. Sim, existe um risco adicional de oportunismo de grupos terroristas chegarem à Europa.

Vale a pena recordar que, durante a crise migratória de 2015, vários membros do Estado Islâmico que mais tarde planearam ataques em Paris aproveitaram o fluxo de migrantes para viajarem para a Europa sem serem detetados. Observa-se com preocupação que cinco afegãos, que chegaram a França em agosto de 2021, foram colocados sob vigilância por suspeita de ligações aos talibãs. No Afeganistão jovens são roubados aos seus familiares para receberem treino para se tornarem crianças‑soldados membros efetivos de células terroristas; ali não há opção de escolha, nem liberdade de expressão. Mas estas questões são deixadas para os serviços e forças policiais competentes. Estarão eles devidamente atentos e com capacidade de intervenção?

O eficaz acolhimento é indispensável para nos defenderem, não só por questões estritamente humanitárias, mas também como a melhor forma de evitar a radicalização futura de refugiados a quem for concedido esse estatuto. Para além destes o acolhimento eficaz é essencial para não se deixar os refugiados entregues a sua sorte e à possibilidade de marginalização. Assistimos a uma Europa que procura controlar as entradas de migrantes, mas que não tem mecanismos para fazer cumprir a ordem de legal de abandono daqueles a quem os tribunais recusam o asilo.

O processo de integração dos refugiados nas sociedades de acolhimento pode ser entendido como mais um momento difícil pelo qual vão ter de passar. É um processo que tem de ser assumido pelos Estados de acolhimento como uma prioridade de grande responsabilidade quer para com aqueles que se predispõe a receber (refugiados) quer para com a população já residente que confia a sua segurança aos seus governantes. A coesão social tem um maestro: o Estado, claro que em todas as orquestras podem existir desafinações, mas certamente se maestro juntar vários instrumentos musicais sem uma partitura o resultado sairá ruído. A música só é harmoniosa porque foi previamente escrita pelo compositor. Ora, o Estado não pode agir de improviso perante as questões da migração.

Mas, se a política pública nacional tem um papel relevante e determinante na criação dos mecanismos gerais de acolhimento dos refugiados, o poder local com as suas diferentes abordagens e respetivos recursos disponíveis tem também uma participação essencial no planeamento do acolhimento dos refugiados.  Num tempo em que a descentralização está em aceso debate é imperativo discutir o acolhimento dos refugiados ao nível do poder local.

A política de planeamento das cidades deve ter, igualmente, o prepósito de executar medidas ajustadas às características de cada território de acolhimento. Nesse planeamento é conveniente evitar-se a concentração de grupos étnicos e religiosos em qualquer zona, sendo preferível um acolhimento disperso não só pelo território nacional como dentro dos grandes núcleos urbanos. Deve o setor económico ser envolvido priorizando-se a integração no mercado laboral. A quota de refugiados, à semelhança de alguns países europeus, deve ser proporcional ao número de habitantes de cada região. Igualmente, a resposta habitacional deve ser dispersa por vários bairros onde se encontrem casas disponíveis.

Durante a migração e relocalização num novo país, o refugiado procura manter as ligações afetivas ao país de origem, mas deve procurar, igualmente, adaptar-se ao país de acolhimento. Nesta adaptação, o papel da sociedade local de destino é crucial, como um elemento potenciador e facilitador deste processo.

Gostaria de destacar a importância do acesso à aprendizagem da língua de cada Estado-membro de acolhimento, facilitando a obrigatoriedade de participação no ensino regular. As competências linguísticas são o alicerce da construção do processo de integração. A prática desportiva pode também ser um outro fator de integração para os jovens, assumindo eles o papel de transmissores da integração junto das respetivas famílias. Acolher bem é saber acompanhar em diferentes dimensões da vida em sociedade, tendo consciência que os recursos são sempre limitados e cuja boa gestão é premissa fundamental.