Sábado, num seminário a propósito do amor, uma pessoa, com uma delicadeza fora do vulgar, pediu-me para conversarmos sobre o amor-próprio. Dizendo-me que sentia que se tratava dum termo quase em desuso. E que não compreendia bem porquê. Até porque, intuitivamente, achava que o amor-próprio será uma qualidade ímpar que nos faz falta. Em todos os momentos.

Eu associo o amor-próprio a darmo-nos ao respeito. A ideia nos darmos é já, por si só, muito bonita. Supõe um gesto espontâneo. De confiança inabalável. De dádiva. E de esperança. Quando nos damos ao respeito, isso supõe que, sem hesitação, escutamos o que sentimos e perscrutamos os nossos pensamentos. E confiamos tudo isso à atenção de alguém. Esperando gestos de reciprocidade com a mesma transparência.

Acho que só nos damos ao respeito em função da forma como nos sentimos respeitados. Como somos amados e re-conhecidos. Todos os dias. É isso que nos faz reconhecer naquilo que somos. E orgulharmos-nos por sermos assim. Até porque resultamos da comparticipação de quem gosta de nós. Talvez seja por isso que o amor-próprio acabe por parecer desconcertante. Por um lado, assumimo-lo e trazemo-lo à relação. Gerimo-lo. Por outro, ele precisa dos outros para florescer. Da sua guarda. E do modo como nos interpelam e “desarrumam”.

Talvez seja nisso que, num primeiro momento, o amor-próprio se distinga da auto-estima. A ideia de estimarmos aquilo que somos evoca um lado atento e cuidadoso que temos para com aquilo que somos. Mas não se esgota em si. Nem se alimenta, sequer, de forma circular. E favorece, muito facilmente, uma atitude falsa, como se aquilo que desejamos ser anulasse partes de nós que censuramos. Por vezes, a auto-estima favorece a falsidade. E representa um refúgio quando o amor próprio parece não existir.

Já o amor-próprio representa um exercício de autenticidade. De tenacidade. E de delicadeza. Por isso mesmo é realmente estranho que não nos demos a esse respeito. Como se precisarmos dos outros e de todos os nossos mais diversos pedaços para nos reconhecermos fosse uma espécie de dependência que compromete a nossa auto-determinação. Quando, seguramente, a nossa liberdade, como qualidade ímpar, começa aí.

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