Tão incertos são os tempos que apetece entrar pela astrologia, a numerologia ou ler as mais diversas cartas. Neste tempo de olhar para a frente, 2017 parece ser o ano em que podemos cair no abismo. Em que podemos deixar de ter o mundo como o conhecemos.

Das ilusões de prosperidade que foram aqui criadas em Portugal a outras ilusões propostas pelas soluções mágicas por outros populismos, como o que vemos com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a escolha dos britânicos de sair da União Europeia, todos os astros de parecem alinhar para mudar radicalmente o mundo em que vivemos.

Comecemos por Portugal. No ano que agora termina, António Costa e o seu Governo criaram – com o PCP, os Verdes e o Bloco de Esquerda – a ilusão de que os nossos problemas económicos e financeiros estão resolvidos. Distribuiu-se dinheiro, acalmou-se as opiniões com acesso ao espaço público e foi-se reduzindo a uma minoria os que alertam para os perigos de uma política financeira tão imprudente em tempos tão incertos.

O Natal de 2016 trouxe inevitavelmente à memória o Natal de 2010. Meses antes de pedirmos um empréstimo ao FMI e às instituições europeias – porque só os especuladores estavam dispostos a financiar-nos a taxas de rapina –, e já depois de o então primeiro-ministro José Sócrates ter anunciado, em finais de Setembro de 2010, cortes nos salários da função pública e a subida do IVA em 2011, andávamos nós a encher as ruas de engarrafamentos e as lojas mais diversas como se não houvesse amanhã. Numa espécie de repetição da história, assistimos ao mesmo no Natal de 2016 sem que nada de substancial tenha mudado na economia portuguesa.

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O que mudou então? Os funcionários públicos recuperaram parte dos cortes que começaram a ter no início de 2011 – parte apenas, porque entretanto os impostos ainda não baixaram – e os reformados com pensões mais elevadas vão deixar de pagar a Contribuição Especial de Solidariedade. Claro que muitos outros pensionistas foram aumentados, mas a principal razão para a “paz social” no espaço público mediático está nessas duas decisões – metade do PIB em despesa interna é muito dinheiro e toca em muita gente. Há depois a parte do acordo com o PCP que garantiu um ano sem greves nos transportes públicos – foi a contrapartida da “reversão” das concessões.

Mas o objectivo do défice público foi atingido, argumenta-se, coisa que nunca aconteceu, o “mais baixo em 42 anos sem medidas adicionais” nem planos B. Deixando cair as questões estatísticas que poderão levar a correcções no futuro, todos percebemos como se conseguiu tal feito.

A mais recente notícia é a do perdão fiscal que garantiu este ano 551 milhões de euros a mais. O resto do objectivo atingido é explicado através de gastos muito abaixo dos orçamentos e um corte no investimento público. Não houve um “plano B” mas vários planos de contingência, sem olhar aos efeitos que isso pode ter no funcionamento do Estado.

O que causa uma enorme preocupação a todos os que defendem, de facto, o Estado Social é ver como esta estratégia de comprar a “paz social” no espaço público é o caminho da destruição e não da salvação do Estado Social. O que vai para salários não sobra para garantir o funcionamento dos serviços, o que vai para pensões altas no presente não sobra para as pensões no futuro.

A grande decepção de 2016 é ver como, depois do que nos aconteceu, temos ainda a capacidade de acreditar que os nossos problemas estão resolvidos. Que conseguimos acreditar que sem a economia estar praticamente a crescer é possível, ao mesmo tempo, aumentar os salários da função pública e as pensões, manter e até melhorar os serviços públicos e reduzir o défice público sem aumentar impostos. Não há milagres e podemos pagar bastante cara esta aventura optimista de António Costa.

Para o bem de Portugal, da democracia portuguesa, temos apenas de desejar que o ano de 2017 seja isento de tempestades financeiras que obriguem a apagar toda a prosperidade ilusória que foi criada em 2016.

Lamentavelmente as dinâmicas que 2017 herda são tudo menos positivas para um país endividado como Portugal e tão dependente do exterior quer financeiramente como economicamente. As taxas de juro já começaram a subir e assim vão continuar durante 2017, puxadas por uma política económica nos Estados Unidos que vai valorizar o dólar e pressionar ainda mais o BCE a comprar menos dívida pública.

As eleições em França, na Holanda e na Alemanha conjugam-se para fazer de 2017 um ano em que a classe política europeia estará ainda mais congelada do que nestes últimos anos. Vão todos fingir que não se passa nada – como aliás já está a acontecer – e, no limite, até vão agradecer que se varram os problemas por debaixo do tapete. Vamos ver se conseguem disfarçar a bossa que se vai formando no tapete.

A onda proteccionista que se está a apoderar do mundo, a atitude anti-imigração, sem que se tenha a consciência que é a possibilidade de trabalhar em qualquer parte do mundo que dá ao trabalho mais poder – tal como deu ao capital – e, em suma, a crença de que todos os nossos problemas se resolvem com estas soluções populistas são tudo péssimas notícias para Portugal. Por aqui precisamos de disciplina financeira – que a Europa está a aliviar – e um mundo globalizado e sem fronteiras para crescermos como sabemos, indo pelo Mundo fora.

O ano de 2016 foi marcado pela improbabilidade das ilusões. A ilusão no Reino Unido de que o Brexit tudo vai resolver, a ilusão nos Estados Unidos de que a solução está em fechar fronteiras e a ilusão da facilidade em Portugal de que é possível aumentar rendimentos sem crescimento. 2017 pode ainda continuar a ser um tempo de ilusões mas a realidade vai impor-se.

No fim do caminho que estamos a percorrer não está o paraíso. É mais parecido com o inferno. Infelizmente 2017 não começa com uma boa herança. Resta esperar que estas previsões baseadas em tendência estejam erradas, porque há sempre cisnes negros. E que o novo ano seja mesmo um bom ano novo.