A redução do preço dos passes sociais é uma medida tão boa que só não se percebe porque apenas agora, um mês antes das eleições europeias e seis meses antes das legislativas, foi implementada. Sim, é verdade, foi preciso esperar que as contas públicas se estabilizassem pelo que só em Abril de 2019 terá havido margem para uma medida desta envergadura. O que não é totalmente verdade, pois a dívida pública aumentou, uma vez mais, em Fevereiro. São 249,3 mil milhões de euros. No fundo, e se tivermos em conta este valor, o que é uma derrapagem (logo no primeiro dia da redução dos passes sociais) de 32 milhões de euros, senão uma gota no Oceano? Não gosto de ser desmancha-prazeres, mas a medida dos passes sociais faz-me lembrar a das portagens SCUTS em que o custo das auto-estradas era suportado, não por quem utilizava essas infraestruturas, mas por todos. O resultado é sobejamente conhecido e ainda hoje nem o governo socialista se atreve a cancelar a cobrança de portagens, entretanto implementadas nas ditas SCUTS.
Se há coisa em Portugal que me faz impressão é a parcialidade e ligeireza com que se analisam certas políticas. Atente-se no seguinte: em 1997, quando se implementaram as portagens SCUTS, estas eram óptimas. Em 2002, quando se reparou no seu impacto orçamental negativo, a mesma medida, que era espetacular, foi por todos posta em causa até passar a inaceitável. No entanto, a mesma lógica de financiamento de uma outra medida (por acaso também popular) para os transportes já é louvável, até que daqui a uns poucos anos todos a critiquem. É interessante reparar como há o cuidado de não se repetir o erro com as mesmas medidas, mas este se multiplica noutras decisões como se o raciocínio que estivesse por trás não fosse igual.
Mas o problema da redução do preços dos passes sociais não é apenas financeira. Não revela apenas a pouca consideração que o país ainda nutre pelos fundos públicos. Públicos numa concepção abstracta, já que no caso concreto são utilizados para financimento de interesses específicos. E o problema desta nova medida socialista que o país ainda encara como mágica é que vai ter efeitos perversos, que vão além da mera factura que os contribuintes vão pagar quando os políticos que a implementaram já não precisarem dos votos dos eleitores.
A primeira questão é saber se a redução do preço dos passes sociais vai ter efeitos na procura. Será que com os passes a custarem apenas €40 por mês, os portugueses vão deixar o automóvel em casa e deslocarem-se para o trabalho de transportes públicos? Ninguém sabe. Ao que parece não há estudos e se os há não se conhecem. Claro que António Costa garante que “há um reforço da oferta para corresponder ao maior aumento da procura”. Podia ele dizer outra coisa? O certo é que, até ver, se trata de outro debate.
Porque o mais provável é que a oferta não aumente nem melhore. Porquê? Muito simplesmente porque, devido à redução do custo dos passes sociais, o Estado já garantiu aos operadores o devido pagamento independentemente do aumento da procura. Ou seja, o incentivo dos operadores em investir é pouco pois, mesmo que o não façam, recebem o mesmo da parte do Estado. Para quem não sabe, isto é o socialismo no seu melhor: à primeira vista é tudo excelente, mas olhando com mais pormenor ficamos a saber que iludir os utentes dos transportes com uma redução do custo tem um preço que vai ser pago doutra forma, de um modo mais indolor (e depois das eleições).
Há um outro aspecto a ter em conta nesta medida lançada por Fernando Medina, que é o custo máximo de 40 euros para circular em toda a Área Metropolitana de Lisboa, independentemente da distância que se percorre. Ou seja, há um incentivo para que se more longe do local de trabalho, com as consequências que daí advirão quando a medida cair em virtude da incapacidade de um Estado endividado a continuar a financiar, como sucedeu com as portagens SCUTS. Hoje o interior do país ainda se queixa de ter sido abandonado. O que vão dizer os que acharam que ia ser fácil viver na Ericeira e trabalhar em Setúbal?
A redução do preço dos passes sociais é uma medida bem mais complexa que os sorrisos profissionais de Costa e Medina. E já que me refiro ao presidente da Câmara de Lisboa, há uma questão que gostaria de ver elucidada: a redução do preço dos passes até pode ter sido lançada por Fernando Medina, mas o que eu gostaria de saber é quem é que lhe terá dado a ideia.
Advogado