Portugal é cada vez mais desejado como destino para viver. É fácil compreender que bolsas mais recheadas encontrem no país todos os atributos para uma vida de qualidade. É o clima ameno, a grande costa marítima, a centralidade atlântica, a boa gastronomia, as pessoas acolhedoras, o vinho bom a preços razoáveis, a qualidade dos serviços de internet, a segurança e, especialmente, o acesso a cuidados de saúde.
Em sentido oposto, completamente oposto, está o país como destino do empreendedorismo. Portugal ainda não ultrapassou os traumas do PREC, desconfia das empresas, afasta os investidores, oprime quem ousa arriscar.
A burocracia transformou-se num labirinto amigo das cumplicidades. Um labirinto que tem como consequência afastar quem quer começar, quem quer entrar num território desconhecido, onde o acesso só está permitido a quem tem o “mapa”. Mas o “mapa” chama-se cumplicidade, chama-se atalho, chama-se cunha, chama-se corrupção.
Para pouco é preciso muito. Constituir uma empresa é relativamente fácil, o problema é pô-la a funcionar. É o “papel” para isto e para aquilo, é a AT, é a Segurança Social e, se por azar, a actividade é controlada por uma entidade reguladora, então o calvário não tem fim.
A atitude da administração pública é claustrofóbica. Inverte o ónus, até prova em contrário, desconfia de quem começa. As entidades reguladoras são entidades estranhíssimas, são uma espécie de corporativismo de Estado. Foram criadas para contrariar a posição de domínio de qualquer entidade sobre o mercado, para promoverem a concorrência, para salvaguardar o poder do consumidor, mas agem em sentido oposto às intenções anunciadas. Dificultam até à exaustão a entrada de novos agentes, exigem uma burocracia desconcertante.
Portugal tem uma burocracia que é o reflexo da atitude desconfiada que impregna toda a administração do Estado. É resultado da insegurança, do pavor em assumir responsabilidade. Pedem dezenas de papeis inúteis, apenas com o intuito de afastarem qualquer risco que possa impactar no seu desempenho.
Há uma regra que já se consolidou, quanto menos sabem, mais papeis pedem.
Na verdade, representam uma cultura que capturou o país, uma cultura que tem, pelo menos, 100 anos de lastro. A cultura de que o Estado tem de estar presente em tudo, tem de controlar, tem de autorizar, tem de nos proteger se não desgraçamo-nos todos.
É difícil imaginar quem nunca investiu, quem nunca ousou, quem nunca geriu, a avaliar e a fiscalizar quem arrisca o que é seu. Mas é o que se passa com as entidades da administração pública, muitas delas repletas de colocações políticas, numa espécie de plataforma giratória entre lugares do partido de poder e principal partido da oposição.
O epílogo da desconfiança, revela-se na figura do “Beneficiário Efectivo”. Claramente em alinhamento com os devaneios que se instalaram na máquina burocrática da União Europeia, também em Portugal as empresas têm de indicar o beneficiário efectivo, ou seja, para o Estado é estranho alguém querer ter uma empresa, alguma coisa tem de estar a esconder.
Percebe-se, se pelo facto de ser empresário tem de pagar imposto mesmo que não tenha lucro, tem de pagar Segurança Social mesmo sem rendimento, tem de ter TOC antes de faturar, por que razão insiste em abrir uma empresa? É esta a dúvida que persegue e atormenta quem tem conduzido o país.
Não compreendem nem podem compreender o gosto de empreender, de desafiar as adversidades, de alcançar a superação, de criar valor, de gerar empregos, de sentir a criação de riqueza. Não compreendem porque não o conhecem, nunca o sentiram, nunca o experimentaram.
O beneficiário efectivo não é nenhum mafioso camuflado, são mesmo pessoas que não querem pertencer a um rebanho cujo pastor, por inabilidade, por preguiça, ou simples inaptidão, conduz repetidamente para prados secos, onde já não há nada para além de mais do mesmo.
Curiosamente, quem mais teme o tresmalho das ovelhas é o próprio pastor, diz que é por receio que elas se desgracem, mas, na verdade, o que o atormenta, o que realmente receia, é o seu sucesso. Sucesso que possa ser conhecido pelo resto do rebanho e encoraje todas as outras a tresmalharem-se. É só isso, por isso tem a ajuda do seu cão ameaçador, no caso do Estado é a sua administração.