Apesar das narrativas de desresponsabilização de Sócrates e dos seus seguidores, era de calcular, com a intervenção dos credores internacionais pedida pelo governo PS, que não seria tão fácil fazer oposição como eles davam a entender. Do mesmo modo que era muito difícil à coligação governamental aplicar as receitas do ajustamento, também não era evidente como é que o PS iria apontar o dedo ao novo governo depois de quase 15 anos de governação socialista contada desde que voltou ao poder em 1995.
E assim tem sido de facto. As vitórias eleitorais do PS nas autárquicas de 2013 e nas europeias de Maio passado foram curtas de mais para esconder a abstenção maciça e a falta de confiança da grande maioria dos eleitores na generalidade dos partidos em competição. A mitigada reacção eleitoral contra o ajustamento internacional acabou por demonstrar, ao cabo dos três anos do programa subscrito pelos três partidos do chamado arco constitucional, que era tão difícil fazer oposição como governar em tempo de austeridade sem melhores alternativas à vista.
Foi isto que o presidente da Câmara de Lisboa talvez não tenha avaliado bem. António Costa e os seus apoiantes dentro e fora do PS convenceram-se demasiado facilmente que a culpa era da “falta de carisma” de António José Seguro e não tanto da real dificuldade em apresentar alternativas credíveis às medidas do governo. Devem ter imaginado que Seguro seria rapidamente varrido pela onda mediática favorável a António Costa e toda a gente está de acordo que ele tem “melhor imagem” do que Seguro. Mas é tudo. Durante um breve instante, imaginou-se que bastaria, como escreve Sousa Tavares no Expresso de sábado passado, que António Costa falasse. Ora, a verdadeira questão era saber como é que se fará a substituição.
Na minha opinião, teria sido boa ideia os proponentes da candidatura de Costa perguntarem ao secretário-geral do PS o que ele pensava acerca disso. Aparentemente, esqueceram-se dos poderes que Seguro assumiu entretanto na “máquina partidária”. Ou então falaram com ele mas Seguro revelou-se surdo à ideia de ser substituído e a sua resiliência foi desprezada. Acontece que os meios de comunicação social fazem os candidatos – ou crêem fazê-los – mas não fazem aos estatutos nem a burocracia dos partidos. Viu-se desde o início que Seguro também tinha os seus apoiantes, nomeadamente entre aqueles que o têm acompanhado na tomada de poder dentro do partido, a partir do último congresso em que António Costa optou por lhe ceder o lugar e não enfrentar então as dificuldades de fazer oposição a um programa que o próprio PS se vira obrigado a solicitar.
E não só. Seguro possui também os instrumentos internos para recusar as propostas de António Costa para que o PS faça um congresso extraordinário e eleições directas. Seguro tem, sabemos agora, esses estatutos que proíbem aquelas soluções. Mas teve a inteligência de não desprezar a candidatura do seu camarada e ofereceu-lhe, não se sabe bem com que intenção, essas famosas “eleições primárias” para candidato a primeiro-ministro, marcando-as cuidadosamente para o mais tarde possível. Repare-se que, tanto quanto me apercebi, Seguro não pôs o seu lugar de secretário-geral a votos, mas tão só o de “candidato a primeiro-ministro”, figura tão inédita em Portugal quanto a das “eleições primárias”, acerca das quais ninguém faz ideia em que consistirão, nomeadamente quem votará nessas eleições internas. Já está em curso mais um daqueles esotéricos debates partidários entre as duas candidaturas sobre as eventuais regras para as “primárias”.
Até aqui, terminado o momento mediático inicial da declaração de António Costa, tudo o que se tem passado é típico dessas lutas intra-partidárias que a generalidade da opinião pública consabidamente detesta. O problema é que essas brigas fazem parte da natureza dos partidos, pelo menos dos nossos, e os protagonistas, por mais que queiram, não conseguem fugir delas. Neste caso, deve dizer-se que Seguro tem mantido um perfil deliberadamente mais cauto do que António Costa, ao qual parece não chegar a “boa imprensa” e cujo nervosismo perante as súbitas dificuldades que surgem dia após dia de dentro da máquina partidária é maior do que o do secretário-geral, como se compreende.
Com os incidentes dos últimos dias, o caldo está a entornar-se. Os empurrões e os insultos não enganam. O partido está cada vez mais nervoso e, pouco a pouco, está a ficar dividido em duas “famílias” muito diferentes, como já foi assinalado e como aconteceu no PSD com o advento de Passos Coelho. Se é certo que Costa soma avanços em algumas distritais, a resistência de Seguro e dos actuais dirigentes, muitos dos quais vêm do PS puro e duro, tem sido tenaz. A demora numa decisão transforma-se em desgaste. Pior do que isso, não há espaço para falar de soluções para o país. Dir-se-á que ainda há tempo mas a ideia de que as “primárias” são só daqui a três meses ensombra o panorama para qualquer dos concorrentes.
