No mundo anglo-saxónico há, hoje em dia, um estranho fenómeno antidemocrático em que se cancela e silencia quem nos Estados Unidos da América ou no Reino Unido opinar do lado errado de certos temas de repente tornados tabus e dogmas religiosos não debatíveis, como as questões de género ou derrube de estátuas históricas europeias. Chama-se a isso “Cancel culture” e tem levado a divisões profundas na sociedade. Isto porque muitas vezes aqueles que estão do lado “errado”, cancelado, representam a opinião da maioria da população, que assim não se vê representada e é também ela própria silenciada e cancelada.

Em Portugal há um fenómeno de formato semelhante apesar do conteúdo diferente, ainda mais perigosamente antidemocrático. Cá cancela-se e silencia-se quem em Lisboa, Porto ou mesmo emigrado opinar do lado errado de certos temas tornados tabus e dogmas religiosos não debatíveis, como a honestidade e prestígio dos nossos governantes ou os seus inumeráveis negócios com dinheiro do estado, além de decisões inquestionáveis por eles tomadas, da saúde à energia, passando pela banca e aviação.

As portuguesas e os portugueses que questionem a incompetência política com veemência são cancelados e silenciados em todo o lado. Desde os inúmeros casos de notáveis jornalistas de investigação afastados da televisão às listas de deputados agora divulgadas de quase todos os partidos, assépticas e com poucas ou nenhumas vozes fortes contra a corrupção e negócios ruinosos misturados com política.

Os que questionam muito os resultados do regime e os seus protagonistas desaparecem misteriosamente. Ninguém minimamente poderoso em Portugal se sente confortável em escolher ou indicar quem põem questões difíceis. Mesmo que as respostas e soluções resultantes delas nos tirassem finalmente dos últimos lugares da Europa, com 1 milhão de emigrantes saídos do território nacional só neste século XXI.

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Assim, toda aquela e aquele português que cometer o pecado de questionar ou investigar políticos frontalmente é afastado dos media, mesmo que os seus grandes programas televisivos de investigação, ou meros pequenos artigos de opinião, sejam os mais populares e mais vistos que os demais programas e artigos do costume, bem educados e favoráveis a políticos há muito encrustados no regime.

A conclusão é que em Portugal, quem de forma direta e frontal ousar opinar contra e denunciar casos que sugiram corrupção ou, no mínimo, negligência e incompetência danosa e severa de governantes e parceiros é cancelado e silenciado, como no mundo anglo-saxónico, embora por motivos diferentes.

Este lusitano “cancel anticorruption” (cancelar quem opinar contra a corrupção e/ou incompetência) acontece até com uma forca e abrangência maior que o “cancel culture” saxónico. Apesar do conteúdo diferente, o resultado é semelhante em formato ao que se passa nos países de língua inglesa. Isto porque normalmente representam a opinião da maioria da população portuguesa aqueles portugueses cancelados que ousarem denunciar ou investigar factos que envolvem governantes, deputados, escritórios de advogados que contratam deputados ou geridos por familiares de deputados e ministras.

O resultado é, pois, que população portuguesa é cancelada e silenciada. Espoleta-se assim descrença e abstenção crescente, muitas vezes acima dos 50%, porque os portugueses não se sentem representados nos media, governo ou parlamento. Estão desconfiados que não é tudo tão rosado como nos dizem aqueles que nada questionam e que, por esse bom comportamento dogmático, dominam quase por completo as vozes presentes nas televisões, jornais, parlamento, governo ou eventos públicos.