Nestes tempos de incerteza, os meus pensamentos estão com o cão de João Galamba.
Todos o vimos, ainda o dono era ministro, naquela peça bizarra da CMtv, perseguindo o homem em calças de pijama à porta de casa, querendo saber se ia ao Conselho de Ministros ou não, e o governante, com aquela má disposição não sabemos se do feitio se ainda do acordar (#quemnunca), rosnando que o deixassem passear o cão.
O que atrai no momento? A inocência, caro leitor. Ou o alheamento, como lhe queira chamar. Marcelo andou a passear com a comandante pelo Beco do Chão Salgado para lhe contar a história do trágico fim dos Távora, Costa com a mulher de mão dada e ar seráfico pelo Largo do Rato, Galamba foi passear o cão – mas este foi o único dos três passeios que podemos garantir que não foi encenado.
O que iria na cabeça do animal naquele momento? Quereria morder as canelas à jornalista? Ao câmara? Valha a verdade que a estação pareceu ter algum pudor em filmá-lo. Sim, contra tudo o que lhe apontam, a CMtv pareceu preocupada em proteger a identidade do canídeo. Sabemos que era um Jack Russell, supomos o género porque foi o próprio tutor (é assim que se diz agora, seus fachos reaccionários) que disse “vou passear o cão”, não a cadela. E, justamente, nada mais importa. Nem como se chame, nem que opinião tenha sobre o efeito da inflação no preço do fiambre ou a trajectória errante do PAN. É, para todo o público, potencialmente eleitor ou não, o cão do Galamba. E naquele momento, não ladrou, não pareceu estranhar sequer a presença daqueles visitantes novos por ali. Pareceu, simples e firmemente, determinado em apenas seguir a sua vida e ir ao canto dele fazer as coisas do costume.
Para o cão de João Galamba, certamente é mais ou menos indiferente o que se passou nos últimos dias. Na qualidade de Jack Russell, é ele mesmo uma pilha de energia, pelo que não se podia estar mais nas tintas para o lítio e para o hidrogénio verde. Decerto nunca teve consciência de que o dono/tutor/humano-na-outra-ponta-da-trela era governante do seu país, quanto mais se andou envolvido em negociatas ou não. Desde que lhe continuem a fazer festas, a pôr comida no prato e a levar à rua, está tudo bem. No fundo, o cão do Galamba é um grande apoiante da filosofia de Costa: à política o que é da política, à justiça o que é da justiça, à tigela o que é da tigela. Como dizia o outro, o que lhe importa é o dinheiro no fim do mês, não se há casos de corrupção no governo.
Mas algumas coisas tenho quase a certeza que até ao cão do Galamba encanitam. O PS quer um aumento do IUC ou é contra o aumento do IUC? A favor do investimento privado ou tudo pelo público? Pela nacionalização das caravelas ou pela privatização da TAP? Impulsionador do alojamento local ou perseguidor-deus-me-livre-vade-retro-satanás do alojamento local? Como o Centeno, que tinha sido convidado pelo Presidente da República para chefiar o governo e, logo a seguir, era “inequívoco que o senhor Presidente da República não me convidou para chefiar o Governo”? O próprio dono-por-comodidade-de-linguagem-não-chateiem, num dia não se demitia e, no outro, pumba, já estava em casa antes das dez – e logo no dia em que o tio Pedro Nuno anunciava a candidatura.
O que nos leva a outra questão: será que o cão do Galamba aceitava assim ser entregue ao tio Centeno? O das cativações? Sem lhe perguntarem nada? Mau. Um cão é um cão porreiro, mas isto também não é assim. Mas e agora? Qual dos tios? Pedro Nuno ou Zé Luís? É que o PS é tantas coisas que, agora, até é radical e moderado, centro-esquerda e centro-direita. O PS é tudo – e isso baralha. Um cachorro gosta de indicações claras: senta, deita, rebola, dá a pata, vamos à rua.
É claro que tudo isto é uma fantasia. O cão do Galamba não vê notícias, ou vê, mas não percebe. As pessoas vêem notícias. E percebem-nas. Certo?
Anda, Senhor Engenheiro (de repente, fantasiei que tenho um cão e que se chama Senhor Engenheiro), vamos dar uma volta. Até às eleições, vão ser quatro meses a atirarem-nos biscoitos.