(É a primeira vez que começo um texto com um parêntese, mas gostaria de fazer uma nota prévia para justificar uma opção terminológica que tomo mais abaixo. Penso que se deve dizer “a primeiro-ministro” e não “a primeira-ministra”. Quem ocupa o cargo é o primeiro dos ministros. “Os ministros” podem ser homens ou mulheres – a expressão é neutra. “A primeira-ministra” seria a primeira das ministras, o que apenas seria válido se os ministros fossem apenas mulheres.)
Em 1984 Margaret Thatcher veio a Sintra para um banquete com Mário Soares, no qual afirmou que “[era] tempo de Portugal se juntar [aos britânicos] como parceiros na Comunidade Europeia.” Mais tarde, disse que a “Europa” não estaria completa sem a Ibéria. Os tempos eram outros, e a então CEE só tinha dez países. Do outro lado da “cortina de ferro” estavam as ditaduras comunistas, que não faziam parte do jogo. A CEE era assumida pelo Reino Unido como se de um clube se tratasse, algo tão caro à cultura britânica. O “clube”, para os ingleses, é, por definição, restrito. Os membros são poucos e a entrada obedece a um rigoroso processo de seleção. Quando o clube se alarga em demasia, perde a sua identidade. Não pode haver um “clube universal”.
Em 2014, quando Jean-Claude Junker tomou posse como Presidente-eleito da Comissão, a então União Europeia tinha já 28 membros, quase o triplo dos de 1984. Junker afirmou no discurso inaugural que a União precisava de uma pausa no alargamento.
Dois anos depois, em 2016, o Reino Unido votou o Brexit. Os que defenderam a saída do Reino Unido alegaram a falta de legitimidade da União Europeia, tanto do ponto de vista da falta de controlo que os britânicos tinham sobre as decisões da União, como no que respeita à substância das leis europeias, as quais, ou eram indesejáveis para o Reino Unido, ou podiam ser replicadas com os britânicos fora da União e sem os contratempos associados à pertença a esta organização.
Um dos temas mais quentes da campanha do referendo foi o da imigração – não a ilegal, mas a legal, ligada à liberdade de circulação de pessoas dentro da União. A votação pró-Brexit foi mais elevada nas áreas com maior imigração, como se os ingleses tivessem aceitado a concorrência dos portugueses, mas já não tanto a dos “canalizadores polacos”. (A expressão “canalizadores polacos” simboliza os trabalhadores qualificados de Leste que se transferiram para os “velhos” países da União – França e Reino Unido em especial –, disponíveis para trabalhar por baixos salários.) Nas negociações de saída da União, a primeiro-ministro Theresa May afirmou que a “linha vermelha” era o controlo da emigração.
No fundo, o “clube” tinha ido longe demais.
Já se passou quase uma década desde o discurso de Junker. Agora, um novo alargamento da União parece um facto politicamente aceite, com a Ucrânia a liderar a fila de candidatos. A preparação de um alargamento para até 36 países levanta sérios desafios, não só para os Estados candidatos, mas também para a própria União, em especial no que respeita a reformas institucionais, capacidade orçamental, funcionamento do mercado interno e segurança.
A absorção de novos Estados será o tema central para a legislatura que nascerá com as eleições do próximo ano para o Parlamento Europeu. Há outros temas quentes além deste, como o futuro do “Green Deal”, a questão migratória, a “fronteira” entre a Irlanda (que faz parte da União) e o Reino Unido ou a separação de poderes na Hungria e na Polónia (esperemos que não em Portugal) – mas o alargamento será o que terá maior impacto na estrutura da União.
O mercado interno, com a liberdade de circulação de bens, pessoas, serviços e capital, será felizmente a norma em quase toda a Europa, e não apenas num clube restrito. No entanto, neste contexto Portugal deixará de beneficiar de um estatuto especial. Ser membro da União já não será a exceção, mas sim a regra. Os portugueses terão de se valer de si próprios, ser altamente competitivos numa sociedade aberta e deixar de contar com o gigantesco nível de fundos europeus que receberam desde 1986 e a que tanto se acomodaram.