Um dos aspectos mais interessantes das recentes eleições presidenciais francesas – mas que mereceu pouca atenção entre nós – foi que a segunda volta das referidas eleições foi disputada entre um candidato (Emmanuel Macron) associado ao grupo europeu a que pertence a Iniciativa Liberal e uma candidata (Marine Le Pen) associada ao grupo europeu a que pertence o Chega (CH). Sem surpresa (e com algum respaldo adicional pela difícil posição em que a invasão da Ucrânia pela Rússia colocou Le Pen dada a sua proximidade com Putin), Macron venceu por uma margem confortável de quase 20 pontos percentuais. Mas essa margem confortável deve ser contextualizada pelo facto de Macron ter agregado em torno de si apoios de todo o espectro do centro-esquerda e centro-direita tradicionais. Fazendo uma adaptação grosseira ao contexto português, seria como se o candidato da IL apoiado por PSD e PS tivesse derrotado a candidata do CH (que teria atraído também parte do eleitorado do PCP e do BE). Ou seja, apesar de claramente derrotada, Marine Le Pen conseguiu uma votação superior a 40% contando apenas com apoios da direita radical e, muito provavelmente, com uma parte do eleitorado de esquerda radical e extrema-esquerda que prefere Le Pen a Macron.

Ainda que as duas realidades tenham diferenças substanciais, os resultados franceses devem motivar reflexão sobre o contexto português – e em especial sobre o potencial de crescimento eleitoral do CH. Observando a trajectória do CH desde 2019, o seu crescimento com o terceiro lugar conseguido por André Ventura nas presidenciais, a forte estreia nas eleições autárquicas e o crescimento para terceiro partido nacional nas legislativas de 2022, é difícil não reconhecer um caso de rápido sucesso, ainda para mais numa área eleitoral na qual nenhum partido político se tinha conseguido afirmar nas últimas décadas em Portugal. Mas olhando para o caso francês e para o contexto europeu, este sucesso pode ser perspectivado ainda assim como uma primeira fase do que poderá ser uma transformação estrutural do sistema partidário português à direita.

Importa aqui salientar que em outros países europeus com alguma proximidade sociológica e cultural a Portugal, o panorama à direita tem algumas semelhanças com o francês. Em Itália, o centro-direita tradicional parece estar também em vias de desaparecimento, com o espaço da direita a ficar dividido entre dois partidos – a Lega de Matteo Salvini e os Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni – que podem, tal como o CH, ser caracterizados como estando situados na direita radical. De forma menos dramática para o centro-direita tradicional, mas ainda assim bem mais significativa do que aconteceu até agora em Portugal, também em Espanha a nova direita radical agregada no Vox de Santiago Abascal disputa hoje a predominância à direita com o PP.

A esta luz, será prudente pelo menos colocar a hipótese de o desaparecimento parlamentar do CDS e a crise do PSD poderem ser o início de uma mudança mais estrutural à direita, em linha com o que vem acontecendo noutros países europeus. Muito vai depender, naturalmente, da reacção do PSD à sua crise interna e da capacidade da nova liderança laranja para reconstruir e reposicionar o partido de forma que lhe possibilite continuar a ser a clara alternativa de governação à direita do PS. E não é demais relembrar que o CH continua a sofrer de várias fragilidades muito significativas: um partido em larga medida unipessoal (que chega a extremos caricaturais como o recente episódio dos retratos de Ventura espalhados pelos gabinetes parlamentares sugere), com extrema dificuldade em recrutar quadros competentes e que continua sem um programa político consistente que vá além da meia dúzia de causas que o CH usou até agora para ter projecção mediática.

Mas sem ignorar estas grandes fragilidades importa igualmente não ignorar o enorme potencial de crescimento do CH, quanto mais não seja em perspectiva comparada. Uma coisa é certa: o cenário ideal para o PS será a concretização desse potencial de crescimento do CH conjugado com a adesão de todos os restantes partidos a uma estratégia de cordão sanitário anti-CH. Um cenário que se traduziria na prática numa garantia de perpetuação do PS no poder.

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