Há dias, na CNN Portugal, Tiago André Lopes, acabava a sua análise da situação israelita com uma sinuosa indirecta ao governo israelita, que estaria a “fazer um finca-pé nas questões securitárias em vez de nas questões humanitárias”.

Nesta matéria, tal como na questão ucraniana, Tiago AL, não consegue esconder o seu óbvio enviesamento antiocidental.

Aparentemente, para Tiago AL é estranhíssimo que um líder de um país democrático, invadido por um grupo terrorista, atacado a partir do Irão, do Líbano, do Iémen, da Síria, da Judeia, da Samaria e do Iraque, com numerosos cidadãos sequestrados, dos quais seis acabam de ser executados a sangue frio, esteja mais preocupado com as “questões securitárias” dos seus cidadãos, do que com as “questões humanitárias” dos cidadãos do inimigo.

Presumivelmente, Tiago AL, à frente de um governo de um país nesta situação, colocaria todo o seu empenho e engenho a tratar das questões humanitárias do inimigo, deixando para segundo plano a segurança dos seus cidadãos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não estaria muito tempo à frente desse governo, porque nas democracias quem é eleito é suposto servir o povo que o elege, e não os outros povos.

Todavia, uma vez que Israel, indo muito para além do que as leis da guerra preconizam, até garante condições para a vacinação das crianças de Gaza, permite e facilita a entrada de alimentação, fármacos, água, electricidade, etc., que deveria fazer mais, para mostrar preocupação com as “questões humanitárias”?

Talvez Tiago AL inovasse nesta matéria, a partir da sua confortável poltrona mas, no mundo real, não se conhece nenhum país que, atacado de uma forma que viola completamente o jus ad bellum e o jus in bello, se preocupe mais com a população do atacante do que os próprios dirigentes dessas pessoas, os quais, como é sabido à exaustão, mesmo por quem não quer saber, as usam despudoradamente como escudos humanos e até se vangloriam do brilhantismo dessa estratégia, como fez o próprio Sinwar.

Lamentavelmente, Tiago AL e toda uma considerável constelação (a maioria) de comentadores, jornalistas e “especialistas” vários da CNN Portugal, que martelam ostensivamente as notícias e as opiniões para que Israel seja visto como o mau da fita (omitindo factos, repetindo acriticamente as perspectivas, léxico e números do Hamas, acrescentando adjectivos tremendos às acções israelitas, apagando o terrorismo palestiniano nas narrativas, etc.), têm a vantagem de estarem longe da realidade da guerra e não terem de enfrentar os dilemas que se colocam a Israel.

Para eles, Israel tem de “aceitar o cessar-fogo”, seja ele qual for, e o culpado por não haver cessar-fogo é “o Netanyahu” e a “extrema-direita”. É assim de simples, porque tudo é simples para quem pouco compreende.

Não são só os comentadores.

Qatar, Egipto, a Administração Biden/Kamala, Guterres, a Europa, etc., estão também embalados nessa narrativa que o Hamas e o Irão aplaudem fervorosamente e procuram promover.

Guterres porque a sua especialidade, para além dos pântanos, é fazer “alertas” e sinalizar virtude para o auditório.

A Administração Biden/Kamala, porque a proximidade das eleições implica alinhar a virtude com as novas tendências woke e antissemitas que grassam em largas faixas do seu eleitorado, mesmo ao custo de alienar o seu maior aliado na região e os interesses americanos e ocidentais a longo prazo.

O Qatar, porque joga em dois tabuleiros, e é um generoso patrocinador do Hamas e da Irmandade Muçulmana.

O Egipto, que mostrou não ser fiável ao fazer vista grossa perante as escavações do Hamas, e até colaborou com o intenso contrabando de armas e todo o tipo de bens para o movimento jihadista de Gaza.

A Europa – cuja hostilidade crescente a Israel e aos judeus a leva a financiar galhardamente diversos grupos anti-israelitas e outros ligados ao terrorismo, sob a capa diáfana de “ajuda humanitária” – remete-nos para uma das finais declarações aparentemente alucinadas de Adolfo Hitler: “Passarão os séculos, mas nas ruínas das nossas cidades e monumentos, renovar-se-á o ódio contra aqueles que são os verdadeiros responsáveis por isto: o judaísmo internacional!”.

Só se enganou no prazo. Não foram precisos séculos, alguns anos bastaram.

Em suma, toda esta gente repete ipsis verbis, conscientemente ou não, as posições do movimento terrorista e do seu titereiro iraniano, e verbaliza como solução exactamente o que estes pretendem: a rendição incondicional de Israel às exigências do Hamas.

Tendo em conta que é a sua sobrevivência que está em jogo, deve Israel fazê-lo ou, pelo contrário, responder de forma a que os seus inimigos vacilem e se contenham?

Qualquer das opções tem consequências, trata-se de uma daquelas decisões onde a escolha não é entre o mal e o bem, mas entre dois males.

O Hamas é uma organização terrorista movida pelo ódio, pelo islamismo jihadista, pelo dinheiro do Qatar, pela simpatia acéfala da esquerda ocidenta,l e pelas armas do Irão. Procura obviamente quebrar a vontade dos cidadãos israelitas e forçá-los à submissão, acreditando que ao infligir dor e medo pode extrair infindáveis concessões. O seu objectivo final é claro, abertamente declarado e coincidente com o do Irão: a destruição da “Entidade sionista”, e a expulsão ou submissão dos judeus!

Voltemos ao passado para aprendermos algo.

Há 13 anos, com aplauso e aclamação, Israel trocou o soldado Gilad Shalit, preso pelo Hamas, por mais de 1000 jihadistas palestinianos.

Um preço alto, mas que o Estado de Israel entendeu poder pagar.

Contudo o preço foi muito maior do que esse.

Um desses jihadistas libertados chamava-se Yahya Sinwar e é ainda o líder do Hamas. Os milhares de israelitas e palestinianos que entretanto morreram nas batalhas e nos actos de terror, são uma consequência directa dessa troca.

Tal como o facto de o Hamas ter feito mais de 200 reféns, porque os seus líderes perceberam a eficácia de tal acto e a extraordinária remuneração que conlevava.

O passado ensina uma lição inescapável: ceder ao terror, é garantir que ele funciona e o maior incentivo para que volte a acontecer.

Ser inflexível com o terror, é a maneira certa de Israel tornar caríssimo e inútil o sequestro e morticínio de israelitas.

Isto não tem a ver só com Israel.

A única forma de os terroristas em todo o mundo entenderem que as democracias não se curvam perante o terror é fazendo-os pagar um preço altíssimo por qualquer tentativa. Chama-se a este processo elementar dissuasão!

Neste momento, perante as reacções de certos líderes ocidentais e de uma parte da população israelita, que aceita qualquer acordo que o Hamas queira impor, e sendo aconselhado e apoiado pelo Qatar, Irão, Rússia, Turquia e China, o Hamas sente que pode assassinar reféns e continuar a controlar a maior parte de Gaza sem consequências de maior.

Recentemente, o ex-líder Khaled Mashaal fez um discurso em Istambul, abertamente, na capital de um país membro da OTAN, anunciando os atentados suicidas como a nova táctica do Hamas.

No Ocidente, a execução dos seis reféns, motivou umas breves e protocolares palavras de condenação, logo complementadas com pungentes pedidos de cessar-fogo que colocam o ónus, não no movimento terrorista, mas em Israel, o que é música para os ouvidos dos aiatolas e dos líderes jihadistas.

Caso notável e particularmente escandaloso, tanto quanto sei, e peço desculpa se estiver errado, em Portugal, nem o Primeiro-Ministro, nem o Presidente da República, nem o Ministro dos Negócios Estrangeiros se pronunciaram sobre o assassinato dos reféns em cativeiro, ao contrário de Sanchez, de Macron, mesmo de Borrell, dos governos de Grécia e Irlanda, e de toda a Europa….

Israel vive a hora do falcão, a hora das decisões, um daqueles momentos da história dos povos em que as escolhas podem determinar a sobrevivência ou o desaparecimento. Actualmente executa em Gaza operações de baixa intensidade, com as unidades posicionadas nos corredores de Netzarim e Filadélfia. O resto de Gaza é do Hamas, que já perdeu mais de 20 000 homens, mas está intacto em várias zonas e tem presença noutras, não sendo contestado internamente por qualquer outra força.

A Judeia e a Samaria são agora um foco importante da acção do Exército, com o objectivo de desarticular a infraestrutura terrorista que estava há anos a ser construída sob os auspícios do Irão, seguindo o modelo de Gaza e do Líbano.

No Norte, continua o standoff com o Hezbollah, que terá de ser resolvido brevemente, ou a bem ou com uma operação militar de grande envergadura que pode envolver vários actores. E terá de ser resolvido porque, na presente situação, Israel não tem soberania total sobre o seu território, já que uma área importante está à mercê dos mísseis do Hezbollah, e deserta de dezenas de milhares de habitantes.

Voltando a Gaza, o Hamas exige que Israel saia dos corredores e da zona tampão de 1 km de profundidade, a partir da fronteira com Israel, em troca da libertação de alguns reféns.

Se Israel aceitar um cessar-fogo nestas condições, o Hamas retomará rapidamente o controlo da fronteira e da população, o dinheiro do Qatar e dos países ocidentais voltará a fluir para Gaza, os túneis serão reconstruídos, os mísseis e explosivos entrarão novamente e, daqui a algum tempo, tudo se repetirá, ainda com mais intensidade e morticínio.

O ponto moral em questão é: Israel tem o direito de sobreviver como Estado e impedir futuras tomadas de reféns, ao custo de arriscar a vida dos reféns actualmente detidos.

Esta é uma escolha que, emocionalmente, ninguém gostaria de fazer, porque libertar os reféns de hoje com um resgate exorbitante, encorajará os sequestradores a repetir e amplificar a estratégia, sequestrando ainda mais reféns.  Pode um líder político fazer esta escolha?

Em teoria, Israel poderia coreografar uma retirada, lograr a libertação de todos os reféns e, logo após, retomar os seus objectivos estratégicos.

Mas para isso necessitaria de um pretexto, já que num mundo com regras pacta sum servanda, e Israel não tem nada a ganhar se destruir o capital de confiança que torna possíveis as relações amigáveis entre Estados.

É por todas estas razões que aquilo que Tiago André Lopes adjectiva desdenhosamente de “finca-pé” de Netanyahu, é tão só o exercício da mais elementar racionalidade que, infelizmente, vai escasseando em algumas lideranças ocidentais, porventura porque tardam a perceber, apesar de a guerra lhes estar ruidosamente a bater às portas, que o mundo real não é um pacífico condomínio kantiano, mas um perigoso universo hobbesiano, onde o homem continua a ser o lobo do homem.