Nos próximos dias 7 e 8 de Setembro, a Faculdade de Letras da Universidade do Porto vai acolher a conferência Basic Science of a Changing Climate: how processes in the sun, atmosphere and ocean affect weather and climate [Ciência Básica de um Clima em Mudança: Como processos no Sol, atmosfera e oceano afectam a meteorologia e o clima]. Esta poderia ser mais uma conferência académica sobre alterações climáticas, mas já está envolta em polémica. Se, por um lado, tanto o título como os oradores estão a gerar um mal-estar dentro da comunidade científica, por outro lado, a organizadora nacional queixa-se de censura. Com este texto, pretendo clarificar o que está em causa.
Os debates académicos devem ser plurais e abertos ao escrutínio científico. Mas este não é o caso, como o título da conferência o indica: são alvo de discussão várias possíveis causas de alterações climáticas, ficando de fora outras – precisamente aquelas que reúnem consenso científico. Não só o título não faz referência às actividades antropogénicas como causa do aquecimento global que se vem a verificar, como a professora Maria Assunção Araújo, organizadora, afirmou “Não me interessa ter cá alguém a dizer que a causa das alterações climáticas é o CO2”. Este é o primeiro problema: a realização de uma conferência que não só contraria o consenso científico como recusa o confronto de ideias, uma característica do avanço do conhecimento em ciência.
As críticas da comunidade científica a este evento não se fizeram esperar. Perante estas críticas, a organizadora disse estar a ser alvo de censura, uma vitimização comum em situações deste tipo. Os críticos não dizem que esta conferência não deveria ocorrer, apenas que a Universidade do Porto não deveria ser o local para a mesma, pois não se deve dar o palco de uma instituição científica a opiniões marginais e contrárias à ciência contemporânea. O que as instituições proponentes ganham com esta conferência é poder argumentar que foram convidadas (e promovidas) por universidades e, portanto, que as suas ideias têm validade científica e acolhem apoio dos pares. Ou seja, procuram apenas uma forma de legitimação académica – da mesma academia que criticam.
Outro problema prende-se com a qualidade científica dos oradores e as organizações a que estão associados. Por exemplo, Niels-Axel Mörner, para além de negar o aumento do nível do mar, de ser crítico do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), de publicar em revistas científicas predatórias, ainda deu cursos de radiestesia (a técnica que alega identificar cursos de água através de pêndulos ou de varas). Christopher Monckton, outro convidado, é conselheiro do Heartland Institute, um think-tank conservador norte-americano que já esteve envolvido, na década de 1990, no negacionismo dos malefícios do tabaco. No passado, este instituto utilizou a mesma técnica que utiliza agora: reuniu uma minoria de cientistas para ganhar credibilidade e promover a dúvida junto do público, levando os cidadãos a pensar que existe uma controvérsia científica onde ela não existe.
Outra estratégia em curso passa por criar eventos paralelos e com designações semelhantes para causar confusão no público. Em 2015, enquanto decorria a Climate Change Conference in Paris (COP21) das Nações Unidas, o Independent Committee on Geoethics e o Heartland Institute (os mesmos que organizam este evento) organizaram também a conferência Paris Climate Challenge, com o mesmo objetivo de dar a entender que a comunidade científica estava dividida. Também agora, esta conferência decorrerá por ocasião da Marcha Mundial do Clima (8 de Setembro).
Esta conferência não é, nem nunca foi, destinada à comunidade científica. O público-alvo do evento é, desde o início, a sociedade: é para ela que é dirigida e a mensagem que pretende passar é a de que os cientistas se encontram divididos em relação à origem antropogénica das alterações climáticas. Não estão. Até prova em contrário, o consenso é de que há alterações climáticas com uma causa associada às actividades humanas, entre outros fatores. Ou seja, ao contrário do que este evento pretende fazer passar, não há controvérsia científica, por muito que a tentem fabricar. Por isso, considero que a Universidade do Porto colocou em causa a sua credibilidade.
Biólogo, dirigente da COMCEPT – Comunidade Céptica Portuguesa