O mais recente Estado da Nação deliberou, conforme esperado, um conjunto de tendências de evolução recente do nosso sistema partidário. Para o Partido Social-Democrata, a sua prestação, corporizada nas intervenções do Grupo Parlamentar e, especificamente, na pessoa de Joaquim Miranda Sarmento como novo líder parlamentar, caracteriza uma organização política desnorteada e que, numa linha de continuidade, se apresenta esquiva das suas responsabilidades enquanto principal instituição política partidária de centro-direita em Portugal. A subversão desta principal dinâmica de competição, nas palavras de Mair e Jalali, coloca em causa o equilíbrio que, historicamente, sempre caracterizou o sistema partidário português. A responsabilidade é, mais do que delegada no surgimento de partidos competitivos à sua direita como a Iniciativa Liberal ou o Chega, inteiramente do partido, das suas lideranças e do seu modus operandi contemporâneo.
Desde a sua fundação, o Partido Social-Democrata, mesmo com uma aparente formulação socialista promovida pela liderança inicial encabeçada por Francisco Sá Carneiro, teve um papel fundamental no nosso sistema político, com relevância a nível eleitoral no contexto da contenda associada à formação da Assembleia Constituinte e às subsequentes eleições legislativas, por um lado; e com relevância a nível da construção de um sistema partidário mais fechado e consolidado durante o processo de transição democrática inerente ao período posterior à Revolução de Abril, com efeitos positivos sobre a estabilização do cenário político da República recentemente implantada e consequente neutralização do PREC e de outras formas de expressão ameaçadora ao funcionamento de um sistema demoliberal na linha do constitucionalismo ocidental. Este papel, consolidado com a abertura do arco da governação a uma coligação liderada por esse mesmo partido em 1979, com o advento da Aliança Democrática, consubstancia, assim, um equilíbrio tácito assente na existência, paradoxal, de dois partidos catch-all que, ainda que sem associação a linhas de clivagem social de relevo, permitem uma representação ampla de eleitores de centro-esquerda (Partido Socialista) e de centro-direita (Partido Social-Democrata) – com uma lógica que tem vindo a ser subvertida a partir de uma liderança errada e erraticamente centrista de Rui Rio e que, ao renegar a identidade que, tendencialmente, compete ao PSD, tem vindo a promover a reconversão do atual equilíbrio partidário para uma configuração favorável ao Partido Socialista e a uma possível afirmação da sua dominância nesse mesmo ordenamento.
A prestação social-democrata no mais recente debate sobre o Estado da Nação marca uma linha de continuidade com esta mesma expressão – marcando um Estado do Partido Social-Democrata que, numa espera platónica por um Messias sebastiânico, se presta ao mesmo modelo de oposição e de ação do seu antecessor. As consequências deste descarte, conjugadas com a acutilância e notoriedade dos partidos com assento parlamentar à sua direita, tendem a encerrar um conjunto de consequências que, de forma objetiva, concretizam uma predominância deste Partido Socialista liderado por António Costa e, por conseguinte, de um modelo apático que, desde 2015, propõe uma navegação conjuntural e deambulante com consequências a médio e, possivelmente, a longo prazo. Para todos os efeitos, o modelo de Rio é um modelo politicamente derrotado e esgotado, com uma prossecução de um «modelo de oposição construtiva» e de consolidação de uma alternativa centrista que culminou em quatro derrotas eleitorais e numa maioria absoluta inédita na sua dimensão e no seu contexto, face a um oponente (partidário e pessoal) desgastado, desinspirado e em fim de ciclo político, pelo que a sua continuação, agora corporizada numa figura como Joaquim Miranda Sarmento, caracteriza uma fórmula perigosa de insucesso, instabilidade e mudança política, para o PSD e para todo o sistema partidário português.
A Rui Rio foram garantidas condições ímpares de estabilidade, e a sua vitória contra Rangel, além de expressar uma vertente de oposição mais aguerrida entre o ex-autarca da Câmara Municipal do Porto, apossou-o de legitimidade democrática para levar a cabo a prossecução do seu modelo político, com uma lista, em relação aos vários círculos distritais, francamente alinhada com a sua matriz ideológica, com um modelo específico de campanha eleitoral e com um programa eleitoral, naturalmente, com uma única rubrica – a sua. A estrondosa derrota e a longa travessia no deserto que o PSD terá de enfrentar perante uma maioria absoluta socialista exige uma reflexão e a definição de um rumo distinto, especialmente quando a oposição de maior relevo ao Governo advém das suas próprias fileiras. Dessa nova alternativa, associada a um regresso a uma matriz conservadora-liberal que caracterizou os momentos eleitorais de maior sucesso, com Cavaco Silva e Passos Coelho, e da qual depende a afirmação clara do PSD enquanto maior partido do seu espectro político e componente de um modelo bipartidário imperfeito de geometria variável. O Estado da Nação afigurou-se, então, como uma oportunidade perdida, conjugando uma expectativa sobre mito sebastiânico a um passado passista de governação personificada de forma medíocre em Montenegro, na representação institucional do partido, e uma prossecução de um modelo de falhanço e de derrota, personificado pelo atual líder parlamentar e pela restante ala rioísta presente na Assembleia da República.
O futuro eleitoral do PSD depende da libertação de ambas as amarras – com a concretização de uma alternativa de oposição e escrutínio intenso em função da maioria absoluta conquistada pelo PS e com a apresentação de um projeto que afirme uma matriz de centro-direita, agregadora na sua base e com capacidade para voltar a reafirmar a dominância total dos sociais-democratas no seu espectro político. A incapacidade de concretização destas premissas conduziria a uma reconfiguração ampla do sistema partidário português, com uma derrota para a sociedade e para todos os intervenientes, mesmo aqueles que consideram sair vitoriosos no curto-prazo, como demonstra o legado de Miterrand em França. A política partidária portuguesa depende da continuidade de um bipartidarismo que garanta uma representatividade ampla em vários partidos, mas que afirme a dominância de dois. Só assim se garante a estabilidade e a alternância política necessária à nossa realidade política.