O Fundo Ambiental entrega cerca de meio milhão de euros ao Instituto da Conservação da Natureza para a recondução de Planos a Programas, como se pode ver neste despacho.

O que significa reconduzir Planos a Programas está explicado nesta ligação.

No essencial, o Estado decidiu mudar a lei, com essa mudança de lei é preciso transformar os planos de ordenamento das áreas protegidas em normas que se integram nos Planos Directores Municipais, e é para isso que o Fundo Ambiental entrega meio milhão de euros ao ICNF este ano (já o tinha feito em anos anteriores).

Este é apenas um exemplo para contrastar com a dificuldade do Estado em entregar o mesmo meio milhão de euros aos gestores do território que podem gerir os combustíveis finos cuja acumulação esteve na base da tragédia de Pedrogão, em 2017 e, a continuar com a tendência actual, estará na base de nova tragédia por volta de 2030.

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Em termos mais gerais, como se pode ver na primeira ligação deste artigo, o Fundo Ambiental distribui 1,2 mil milhões de euros com base no despacho de um único ministro, sem critérios objectivos, públicos e transparentes, que permitam compreender as opções e, mais grave, sem que isso suscite a menor comoção política.

O exemplo com que comecei o artigo pretende centrar-se na forma como o Estado auto-alimenta as suas opções burocráticas, evitando começar com exemplos mais caricatos como o financiamento da festa dos 100 anos do Parque de Serralves (meio milhão) ou festivais de Verão (600 mil euros), para que não nos desviemos do essencial.

Cerca de 600 milhões de euros do Fundo Ambiental provêem de licenças de emissão de carbono e, forçosamente, pelo menos 50% têm de ser gastos em políticas de acção climática.

O ministro que assina o tal despacho que distribui o dinheiro, atribui 24 milhões para a sustentabilidade dos serviços de águas, 20 milhões para subsidiar os passes dos transportes públicos das grandes áreas metropolitanas, transferências do sistema energético nacional, enfim, atribui mais de 700 milhões de euros desta forma.

Em todos os documentos sobre acção climática e gestão das emissões de gases com efeito de estufa, o problema da gestão dos incêndios tem um papel de destaque na medida em que se pretende que a produção florestal funcione como sumidouro de carbono, o que é incompatível com o padrão de fogo que temos.

O padrão de fogo que temos resulta da acumulação de combustíveis finos (folhas, raminhos, cascas, ervas, manta morta, etc.) por falta de gestão.

Essa falta de gestão tem uma origem claríssima: a falta de competitividade económica das fileiras que poderiam gerir o território, desde a produção florestal mais clássica, passando pela resina, pastoreio, caça, conservação da natureza, etc..

É por isso que de há uns tempos para cá tenho defendido o pagamento directo de 100 euros por hectare, de três em três anos, a todos os proprietários e gestores que mantenham o mato das suas parcelas florestais com menos de 50 cm de altura, reduzindo o risco de fogo, criando economia e viabilizando opções de gestão diferenciadas.

Esta proposta pode ser absurda – ainda ninguém me explicou onde está errada, dando eu de barato que o valor concreto deve ir sendo aferido com o tempo – mas tem duas virtudes muito grandes: é simples e pode ser aplicada imediatamente, nomeadamente em articulação com as organizações de produtores florestais, com efeitos imediatos na gestão do fogo.

Não é nenhuma bala de prata, não é uma poção mágica, não resolve tudo de um dia para o outro, mas é simples, não burocrática e é justa, pagando um serviço de interesse geral que o mercado não consegue remunerar.

Tem efeitos positivos na transferência de recursos das grandes áreas urbanas para o mundo rural, tem efeitos positivos na revitalização do mundo rural, tem efeitos positivos no controlo social do território e tem efeitos positivos num conjunto de actividades económicas que estão no limite da viabilidade, tendo por isso um retorno económico que, se não chega para repor o dinheiro dos contribuintes, nem por isso deve ser desvalorizado.

E aqui volto ao exemplo inicial da forma como o Fundo Ambiental é gasto: o retorno social de uma medida deste tipo é maior que a recondução de Planos a Programas, que a festa dos 100 anos do Parque de Serralves ou que as acções de sensibilização para esverdear os festivais de música do Verão?

Se a resposta for sim, sim, sim, como me parece a mim que é, por que razão é tão difícil canalizar recursos para a gestão sustentável do território, que inclui a gestão sensata do problema dos fogos e, de caminho, a viabilização de muitas actividades geradoras de riqueza, como a produção de resina ou a pastorícia?

Suspeito que a principal razão é que, aparentemente, a forma como se estoira 1,2 mil milhões de euros (um terço da TAP, mas anualmente), com base no despacho de um ministro, não tem dignidade política e social, não suscita espanto e horror, no fundo, para todos nós e para os agentes políticos, não interessa nada.