Primeiro, denotar que me declaro favorável a uma fórmula a que gosto de chamar “pessimismo orçamental”.

Significando que, ao fazer o Orçamento do Estado, encontrando o valor que o Estado precisará de gastar num intervalo (por exemplo entre 100 a 120), prefiro utilizar como referência o valor que envolve gastar mais (os 120) e, da mesma forma, averiguando como poderá coletar-se esse valor num intervalo supor que só se consegue capturar a o mínimo apresentado no intervalo. O que significa que o Superávit seria regra, como agora o é, infelizmente, o Déficit.

Contudo, ter um excedente orçamental, independentemente do método de cálculo, é a diferença entre o previsto e o sucedido, num sentido favorável à coleta, via impostos ou taxas (por absurdo, podendo ser por um perdão de dívida ou uma doação massiva ao erário público). Enquanto o que nos parece acontecer, no caso das “contas certas à moda de Centeno”, mesmo sem Mário Centeno, agora que nas Finanças está Fernando Medina, é que há um excedente orçamentado, o que acaba por ter semelhanças, quer com o excedente orçamental, porque excede, quer com o “pessimismo orçamental”, porque há previsão de receber menos e gastar mais.

Em segundo, o que se manifestou, por causa do nível brutal de inflação com o qual nos vemos confrontados, foi que (ao excedente orçamentado) se juntou um excedente orçamental.

Daí se poder tomar a medida “extraordinária” dos 240 euros a 1 milhão de famílias, e simultaneamente dizer que o ano irá terminar com um défice de cerca de 1,5%[1], vindo já, anteriormente, a notícia de ter 5 mil milhões de excedente até setembro deste ano[2].

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Ora, se até somos apologistas de “pessimismo orçamental”, para evitar, totalmente, défice, certamente que reduzir o mesmo não nos apoquenta.

Por outro lado, se há um fenómeno inflacionário não dominado pelo Governo, o excedente orçamental também não é imputável ao mesmo.

Era, então, de pensar que nada se tem a apontar a isto… mas não.

O problema central é, em vez de efetivar as medidas orçamentadas e evitar coletar valores diferentes das prioridades traçadas (como redução do défice, pelo menos nessa proporção), está o Governo a dar “palmadinhas nas costas”  – ou palmadinhas no Costa – por fazer um bom trabalho. Isto quando o excedente orçamentado é resultado de uma política não assumida e, logo, não aprovada pelo eleitorado como modus operandi desejado.

E, para agravar, juntando à situação atual, não só se mantém a gabarolice como se aproveita, de forma (deliberada ou inadvertidamente) populista, uma prestação social “one time only” que aproveita argumentos da burocracia, que o Governo não faz por combater, como forma de aplicação mais complexa, mas mais justa da redistribuição realizada.

Ou seja, há um aproveitamento político de uma situação que é má para os portugueses, para reduzir um déficit cuja associação político-partidária no Partido Socialista (PS) não tem como fugir, como principal responsável do nível de endividamento português, pelo próprio PS.

Resultando, ainda – para gáudio de quem ria da desgraça alheia – de uma posição interna governativa de orçar excedentes de que se gabará, não por prever excedentes, mas porque parece “boa governação” eles aparecerem.

Conforme qualquer pessoa versada nas áreas económicas poderá reparar, a hipótese de ejetar o dinheiro da economia poderá aumentar a propensão inflacionária. O que dá alguma sensatez, de duvidosa virtude de premonição, ao Governo, mas existe tanto por onde se prever que seria de interesse nacional superior em comparação com esta redução da dívida… num país que poderia utilizar um valor deste calibre para um investimento que reduzisse a nossa pegada ecológica e dependência energética (aposta mais urgente e inteligente a cada dia que passa) ou para algum fundo das previsíveis imprevisibilidades futuras como os incêndios, os professores no regresso às aulas ou as cheias e temporais.

Em resumo, que venha este 2023 porque, em 2022, há excedente orçamental de táticas políticas ad populum, e Déficit de visão para o País.

[1] Conforme noticiado no Eco, no dia 25 de dezembro de 2022:Redução do défice e dívida “coloca-nos ao abrigo das turbulências do passado” – ECO (sapo.pt)
[2] Conforme noticiado no Observador, no dia 27 de outubro de 2022: Estado regista excedente de 5.253 milhões de euros até setembro – Observador