1 Há muitos anos já, estava-se em 2005, após o ter entrevistado na SIC Notícias escrevi a seguir no Expresso um artigo sobre ele, “O melhor aluno de si próprio”. É verdade: António Horta Osório foi (sempre) o melhor aluno de si mesmo. Comecei por dar por isso quando muito antes, no inverno de 2001, lhe fizera a primeira entrevista na mesmíssima SICN, era ele um jovem de trinta e tal anos. Numa inocente insegurança e por entre a timidez constrangida do seu primeiro dia televisivo, havia porém já a impressão digital do trabalho e da determinação. Começou a haver resultados e a seguir, eles deram nas vistas. O que é outra forma de dizer que havia mérito, substantivo do qual pouco se gosta na língua – e na vida! – portuguesa e ao qual defeituosamente ainda menos se atende. Contrariando o costume, António Horta Osório aprendia consigo mesmo a refinar uma mistura das palavras que mais gostou sempre de usar e praticar: “educação”, “cultura de mérito,” “trabalho”, “responsabilidade”, “sociedade civil”. A mistura rendeu, os talentos dela saídos, também. Todos privilegiavam os valores, nenhum o dinheiro.
Nesse ano de 2005 fiquei com a certeza que o país tinha razão em levá-lo a sério: concretizara uma rendilhada operação estratégica – onde o risco valsava com o desafio e este com a responsabilidade – focada na transformação empresarial do ex-Totta&Açores, Crédito Predial Português e o Santander Portugal, fundidos numa só instituição bancária, o Santander Totta.
(É-me irresistível não lembrar que no Programa de Responsabilidade Social e Corporativa da nova instituição, a maior fatia era destinada ao desenvolvimento do conhecimento e ao ensino universitário. Não por acaso.).
2 Em 2010 o interesse e a curiosidade eram grandes: como iria agir António Horta Osório, o português escolhido pelo governo britânico, para a tão incerta e complexa empreitada de salvar o Loyds Bank do precipício em que caíra o maior banco britânico? Foi uma grande vitória profissional mas no verão de 2011, quando fui a Londres entrevistá-lo á sede do próprio Loyds — desta feita para o Diário Económico — ninguém a anteciparia, talvez nem ele. E no entanto, uma década depois, e com um duro esgotamento pelo meio, Horta Osório devolveria aos ingleses uma instituição já desintervencionado, com custo zero para os contribuintes. Uma façanha. (Devolvia sobretudo à Grã-Bretanha o orgulho num dos seus maiores e mais antigos ex-libris, agora ressuscitado e de saúde.)
Londres também notara a qualidade do cidadão: entregaram-lhe a presidência de uma reputada instituição cultural (Wallace Collection), premiaram-lhe o voluntariado que fazia – em saúde mental, por exemplo – a Rainha agraciou-o: Sir António Horta Osório.
Saltando no tempo (mas não ainda de protagonista): há dias na CNN, sentada à sua frente, fiz perguntas mas desta vez já não a um gestor internacional da banca mas entregue hoje, com 58 anos, a tarefas não executivas, dentro e fora de Portugal. Tínhamos combinado esta entrevista em 2021 quando Horta Osório foi para o Credit Suisse mas a saída prematura de Zurique um ano e tal depois, deixou-me no limbo de um adiamento indefinido. Há dias, houve reencontro televisivo. Fecundo como sempre. E nisto, do écran saiu um forte desafio aos portugueses – a “todos” e não só aos “eles” dos governos – para que fossem mais “ambiciosos”, o país também é com eles: porque não, cada um à sua maneira mas com o mesmo empenho, participarem da “ ambição” de – por exemplo – “duplicar o valor do PIB em dez anos”?
3 Podia ter aqui contado as “boas histórias” que Horta Osório coleciona, as pessoas que conheceu, os seus anos londrinos, as conversas que aí teve com o então Príncipe Carlos, hoje Rei, as vivências culturais, os antiquários, a própria Londres. Preferi falar dele, mesmo que brevissimamente. É que no fundo, só uma coisa interessa e não são honrarias, mesmo que douradas, o dinheiro mesmo que muito, ou as “facilidades” mesmo que todas, mas o exemplo: trabalho, responsabilidade, esforço, noção de serviço. Postos em marcha pelo combustível da ambição.
Não há segredos, é isto. Mas com isto chega-se ao cume da montanha. Seja ela qual for.
4 Pedro Passos Coelho (e cá está o outro protagonista desta crónica) estará certamente atónito de o terem subitamente tirado de casa e atirado para o ar mediático; de – malgré lui – ser “tido” como candidato presidencial; de – muito malgré lui – ser chamado de D. Sebastião… Não é isso porém o que o traz hoje a esta página. É uma vez mais a importância do exemplo. No caso, o seu exemplo. Num país politicamente à mingua deles, não é coisa pouca. Tal como o cavalheiro acima, Passos Coelho é de outro campeonato. Falo de singularidade, decência, inteligência política.
5 Começando pelo princípio: Passos exemplifica a singularidade, porque tudo o distingue na política portuguesa. Desde logo pelo que fez e não tenho outro remédio senão recordá-lo – a narrativa oficial, sete anos depois, mantém aceso o lume da falsidade. Em 2011, com uma banca rota à porta, Passos Coelho tomou o país em mãos. Cinco anos de pesadas penas e pesadíssimos sacrifícios depois, ganhou de novo as eleições. Pelo caminho dispensou a última tranche do empréstimo internacional, evitou um segundo resgate, pôs o país a crescer (o crescimento emitiu os seus primeiros sinais no final de 2013). Fabricando ainda uma almofada financeira que viria a fazer um arranjão aos socialistas já sentados em S. Bento, sobre a vitória do centro direita, expeditamente corrida dali. Mas o ex-chefe do Governo da coligação PSD/CDS é também um exemplo de singularidade pelo modo como enfrentou o cerco logo montado, país fora: agindo sozinho – lembram-se? – contra tudo e todos: as oposições, a media, a rua, o comentariado, as associações patronais que raramente deram a cara, as “elites” que nunca deram, as reticências do próprio CDS, parceiro de coligação; e é-o ainda pelo modo como indiscutivelmente recentrou Portugal na credibilidade europeia.
Isto por um lado. Por outro, há a decência. Sempre houve, mas agora voltou a reparar-se nela no modo como tendo saído de cena, disse a verdade: permanece fora de cena. Longe da praça pública, alheio aos écrans, ao comentário, às manchetes. Nunca cedendo e menos alimentando a telenovela diária da política nacional. Está aliás a anos luz dela: não se lhe arranca uma palavra, um desabafo, uma opinião, uma interferência. Não é de hoje mas é impossível não o sublinhar. (De hoje, são os que temendo-o, o armadilham, mas não há aí grande novidade, temem-no desde o princípio.) E finalmente há a sua inteligência política: se Pedro Passos Coelho tiver ambições de mais tarde regressar aos palcos, é assim mesmo que se deve fazer, recato e silêncio; se tal não vier a ocorrer, deu o exemplo. De uma singularidade inspiradora, de decência, de inteligência.
Também é assim que se atingem os cumes mais altos das montanhas.