A propaganda eleitoral no nosso país é um flagelo.
A profusão de cartazes, outdoors e mupis, nas principais artérias e rotundas de todas as cidades, fora da época de eleições, devia ser penalizada por lei pelos transtornos que cria. Mas não, e muito pelo contrário, é permitida, quase incentivado pela ausência de regras. E ninguém tem o poder de mandar retirar ou, tão pouco, limitar os locais de afixação.
Começamos por clarificar a posição da CNE: “…a atividade de propaganda, incluindo a atividade de propaganda político-partidária, com ou sem cariz eleitoral, seja qual for o meio utilizado, é livre (não carecendo de comunicação, autorização ou licença prévia por parte das autoridades administrativas). E pode ser desenvolvida fora ou dentro dos períodos de campanha eleitoral”.
Não sabia, pois não? Mas os partidos políticos sabem-no e bem.
Ao olhar em seu redor, desengane-se se achar que se trata de resquícios das eleições de junho. Há cartazes anos a fio afixados, sem que nenhuma entidade possa diligenciar para serem removidos.
Alguns exemplos:
Lembro-me de ver há dias um cartaz do MPT, com o Marinho Pinto como protagonista. Ele desfiliou-se do partido há 10 anos.
Na zona de Loures, existem vários outdoors 8×3 com as redes sociais de dois vereadores, pasme-se, da oposição. Já encontrei três iguais e arrisco a afirmar que existem mais no concelho.
O PCP vai ao limite e promove em todo o país a sua Festa do Avante (com entradas e consumos pagos), com toda a similitude de um festival gerido por operadores privados, mas com a vantagem (injusta) de poderem anunciar de forma massiva em mupis e outdoors nas grandes rotundas do país e sem pagar quaisquer taxas.
O PAN comunica num enorme outdoor que as “touradas só na cama” em plena Avenida da República no centro de Lisboa. Ter os meus filhos a pedirem-me para explicar essa mensagem, é priceless.
Gera-se um sentimento de vergonha alheia, nada mais. E não, os fins não justificam os meios.
Naturalmente se uns partidos o fazem, todos se sentem no direito de fazer o mesmo. Penso que só o partido Livre tem sido mais rigoroso nesta matéria, procurando retirar os cartazes após as eleições.
Impotência e frustração é o que sentem muitos cidadãos e inclusive autarcas ao observar esta situação. O ex-presidente da Câmara de Gaia, Luís Filipe Menezes, num destes dias, numa publicação sua, apelidava como sendo uma “bagunça terceiro-mundista”. O futuro candidato presidencial Tim Vieira, até uma petição lançou sobre esta situação. Carlos Moedas, o actual presidente do Município de Lisboa, tem sido incansável no combate a este flagelo. No mundo da televisão, o argumentista e humorista José de Pina, no programa Irritações da SIC Radical, de forma recorrente, tem partilhado situações hilariantes e bizarras de propaganda eleitoral afixada em Portugal. Todas as semanas dá exemplos desta triste realidade.
E qual tem sido o resultado de todo este empenho? Isso, nada.
Como gestor e empresário, sinto naturalmente uma injustiça tremenda. Observar as enormes limitações na colocação de painéis publicitários e além disso, as taxas com valores elevados, a todas as empresas que pretendem promover os seus produtos ou serviços e depois observar os painéis, mupis, outdoors, faixas, pendões colocados em sinais de trânsito, pontes, postes, rotundas, de forma indiscriminada e com enorme impacto na circulação rodoviária. Para não falar nos graffitis e nas pinturas em edifícios e espaços públicos.
Diz uma das minhas filhas, com uma pinta de sarcasmo: o propósito final é o mesmo, “ambos” pretendem clientes para assegurar a sustentabilidade da sua actividade, pois estão em causa muitos postos de trabalho, que não podem ficar desempregados e a concorrência a isso obriga…
Acredito que não serão essas as motivações dos partidos políticos. Reconheço mais elevação no seu papel na comunidade, considero que são fundamentais da gestão da causa pública e contribuem de forma consciente para a promoção de boas práticas e hábitos.
Mas lido mal com toda esta situação, porque sou daqueles que recorre inúmeras vezes à velha máxima “Dar o exemplo não é uma maneira de influenciar. É a única.”.
A CNE (Comissão Nacional das Eleições) é a entidade a quem cabe fiscalizar o cumprimento da lei nesta matéria. Nada pode fazer senão seguir escrupulosamente a lei, que criada nos tempos do PREC, num contexto que fazia todo o sentido (e sendo ajustada e complementada ao longo dos anos, nomeadamente pela Lei nº 97/88 de 17 de agosto). O legislador pretendia, e bem, evitar que fosse sonegado conteúdo e mensagens políticas, fruto das más práticas do Estado Novo. Ninguém tinha esse poder a não ser o próprio partido que colocava os cartazes. E passados quase 50 anos, continua em vigência os mesmos princípios da lei e em última instância, complementam com a Constituição no direito da Liberdade de expressão e informação.
A lei devia ser o limite basilar que suportaria as acções dos partidos. Não a referência para defender as suas práticas. Ou melhor, porque é permitido, não tem de ser feito forçosamente.
É bizarro tudo isto, numa era digital e quando todos conhecemos exemplos de eleições com candidaturas vencedoras que não usaram quaisquer meios de propaganda exterior, como no caso das Presidenciais em Portugal. No caso dos EUA, a comunicação digital desde a campanha de Obama, tem provado ser altamente eficaz e naturalmente, muito mais eficiente.
A quem cabe alterar a legislação, o âmbito, regulação dos prazos da propaganda eleitoral e locais para afixar? Exactamente, à Assembleia da República, aos senhores deputados e no final de contas, aos partidos políticos. Ver alguém a ser juiz em causa própria não nos dá de facto muita tranquilidade.
Mas afinal o que está em causa?
Poluição visual: Mais do que ter cidades esteticamente desagradáveis, perde-se o verdadeiro princípio da urbanidade, o respeito pela qualidade de vida dos cidadãos e a acessibilidade a vistas desafogadas. Veja-se o exemplo concreto na Alameda, junto ao jardim em frente do IST. É um degredo ver aquela zona verde interrompida por uma abundância de outdoors.
Impacto ambiental: a produção de grandes quantidades de cartazes, estruturas metálicas aplicadas em passeios e no chão, lonas plastificadas, tudo com utilização de recursos naturais, alguns não renováveis, emissão de poluentes e a geração de resíduos, não sendo possível reciclar nada após cada campanha, é contrário a tudo o que acreditamos ser o caminho correcto para cuidar do nosso ambiente.
Manipulação e desinformação: o recurso a soundbites, a conteúdos parcos que induzem o engano e desta forma, influenciam a opinião pública de forma pouco ética. Aos partidos compete sim facultar acesso a informação fundamentada e não o contrário, distorcer a realidade e confundir os eleitores.
Fadiga Eleitoral: A exibição constante de mensagens políticas, pode causar cansaço ao eleitor e desta forma, gera desinteresse e afastamento dos processos eleitorais. Repetir a mesma mensagem muitas vezes, pode gerar desconfiança e a eficácia da comunicação desvanece-se.
Priorização errónea no espaço público: o excesso de propaganda política, pode fazer crer que o espaço público é dominado por interesses dos políticos ao invés dos interesses dos cidadãos, que pretendem um espaço de convivência e expressão comunitária.
Desigualdade na representação: Os partidos com mais recursos financeiros, facilmente podem dominar na comunicação e isso distorce naturalmente a democracia, dando maior exposição a quem tem mais capacidade financeira para mandar instalar outdoors.
Uso indevido de recursos públicos e privados: As maiores receitas dos partidos políticos provêm das subvenções estatais e depois de donativos e contribuições de privados, assim como quotas de militantes. Estes recursos financeiros podiam ser usados de melhor maneira pelos partidos em prol da comunidade, no debate de ideias, criação de conteúdos, análises e elaboração de estudos e propostas exequíveis de implementar. Era nisto que gostava de ver aplicado o dinheiro e não na promoção de soundbites sem qualquer racional estruturado e nem qualquer exequibilidade. Os eleitores não são mentecaptos.
Quem leu Jean-Paul Sartre, reconhece-lhe a expressão: “A existência precede a essência”. Este é o conceito central do existencialismo, a ideia de que os seres humanos primeiro existem, sem qualquer propósito ou essência predeterminada, e através das suas escolhas e acções, definem quem são. Ou melhor, todos nós não temos uma natureza fixa ou um propósito dado. Criamos a nossa própria essência (aquilo que somos) através das nossas decisões e acções (aquilo que fazemos). Numa frase: nós somos aquilo que fazemos.
Considerando esta ideia e aplicando ao caso concreto, poderíamos dizer que da mesma forma, os partidos políticos são na realidade aquilo que fazem. Isso envolve as suas prioridades, propósitos e objectivos. A desconstrução mais aprofundada desta ideia, será um juízo de valor e por isso deixo ao critério do leitor.
Por tudo isto, é importante haver uma regulamentação urgente sobre os prazos temporais da propaganda política, meios, canais, quantidade e locais de comunicação no espaço público, para garantir que os conteúdos sejam eficazes, justos e respeitem o ambiente urbano e a comunidade.
Não é uma tarefa muito difícil esta regulamentação. Basta ver o exemplo de França, onde a colocação de outdoors e cartazes é regulamentada de forma rigorosa, com espaços públicos designados para a afixação de cartazes, geralmente painéis instalados pelos municípios. Além de que cada partido ou candidato, tem direito a um espaço igual nesses painéis, e a utilização de outros espaços públicos ou privados para propaganda é sujeita a regras restritas. Se é fácil resolver, porque não é feito então?