A consternação está generalizada. O maior desbloqueador de conversas já não é o covid nem o tempo e a chuva que tardou em chegar. São os preços dos combustíveis. Existem grupos de discussão sobre o tema nas redes sociais. Um deles, o maior, está com 670.000 membros. Para se ter ideia da dimensão, é o dobro do somatório de todos os militantes dos 4 maiores partidos nacionais. Grande partido político podia sair daqui. Há alguma acção relevante que esse grupo tenha conseguido levar avante para contrariar a pressão dos preços altos? Ainda não. Dirão alguns que apesar de haver propósito falta o essencial, a liderança. Mas isso acabará por aparecer. Mas valerá realmente a pena o esforço? Não me parece. Os fins não justificarão os meios, ou seja, as acções que possam vir a pôr em prática para moldar a decisão de redução do ISP não terá qualquer efeito.

Isto ocorre por um motivo simples, que se percebe após 10 minutos a visitar o site da DGO – Direcção Geral do Orçamento (ver aqui).

A receita do ISP em Setembro 2021 está ainda abaixo do valor de 2020 (-1.1%). A má notícia: este governo atingiu um défice total de 4634 milhões de euros. A notícia ainda pior: para este valor já foram consideradas como receitas as contribuições da UE de 1395 milhões de euros por antecipação de verbas no âmbito do instrumento de Assistência da Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (REACT EU) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Isto devia arrepiar o leitor. Sobretudo quando alguns economistas vislumbram aumento da taxa de juro em breve por contrapartida do aumento da inflacção, que tudo indica não será tão temporária como alguns optimistas julgam. Para quem não entende o racional do ISP estar abaixo do ano passado, importa lembrar que está enviesado por consequência da tolerância de ponto de 31 de Dezembro de 2019, que incrementou a receita em Janeiro de 2020 em 167 milhões de euros, não repetidos em 2021. Ou seja, a receita do ISP estaria ligeiramente acima de 2020, o que mesmo assim se estranha, quando no ano passado, no mesmo período, estivemos 6 meses meio confinados. Qualquer das formas, o total previsto do Imposto sobre Produtos Petrolíferos para 2021 será em redor de 3400 milhões de euros. E verdade seja dita em defesa do governo, o valor é elevado mas o peso do ISP nos impostos indirectos tem sido estável nos últimos anos. Não houve aumento relevante do valor percentual do imposto cobrado, além da sobretaxa de 2016. O custo da matéria-prima (petróleo) é que tem aumentado.

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A receita fiscal não está a aumentar como era expectável com a reabertura da actividade económica. Não basta tirar as pessoas de casa para o consumo interno aumentar exponencialmente. É preciso arte e engenho para isso acontecer, uma estratégia e muito empenho para se aumentar a confiança e reduzir as inseguranças do futuro próximo. Na minha opinião são três os principais factores que estão a justificar esta inércia: 1) Há claramente perda de rendimento face ao ano anterior; 2) Há um sentimento generalizado de aumentar aforro pela incerteza do futuro e 3) o aumento de preços generalizados. Tudo isto tem retraído o consumo.

Que podemos concluir? Importa lembrar que por um lado, estamos com um nível de financiamento favorável, com a divida pública está a ser negociada ao melhor preço de sempre e com juros negativos a ser praticados pelo BCE e por outro lado, a elevada carga fiscal, já com impacto nas receitas das verbas do PRR, com os níveis de execução orçamental em muitas rubricas aquém do expectável para 9 meses do ano e com tudo isto, estamos com um défice enorme, que se espera vir a ser em redor de 11.500 milhões de euros no final do ano (Sim! Leu bem, 5% do PIB nacional), o cenário não é o melhor.

Então onde está o sentido de querer reduzir mais a receita fiscal na rubrica do ISP? A pergunta que se tem de colocar a seguir é qual a alternativa a tomar: Aumento dos impostos directos, como o IRS e descontar mais nos recibos de vencimento de toda a população activa? Ou em opção, aumentar o IVA para 25% como acontece em alguns países da UE?

Se mantivermos tudo como está quem vive no interior, sem transporte públicos, terá uma vida pior, haverá um maior aumento de preços com foco nos bens alimentares, há menos rendimento disponível em todas as famílias e arriscamos a aumento de inflacção, que em Outubro já chegou a +1.8%. É mau sim.

Mas o que é errado é este modelo de governação, que prioriza a distribuição de riqueza (que não existe) e não a criação de riqueza. Não se optimiza, não há ganhos de eficiência e não se envolve a comunidade no mesmo desígnio. Passos Coelho falhou exactamente aqui. Não se lembrou a tempo da máxima que o homem adere ao que ajuda a construir. Não soube explicar bem o seu plano. E foi incompreendido.

É frustrante verificar que a maioria da população não sugere nenhuma alternativa viável. Limitamo-nos a reclamar e a exigir baixa de preços do gasóleo.

E soluções? Alguns gestores visionários sugerem que a redução do ISP possa estimular uma redução do preço de muitos produtos, onde o impacto dos custos de transporte é mais relevante. Desta forma aumentar a procura e o consumo interno havendo a devida contrapartida pelo aumento da receita do IVA. Correcto mas incompleto. Seria decerto assim, se toda a envolvente macro-económica fosse favorável e se alguns outros indicadores estivessem de feição. O indicador de confiança dos Consumidores diminuiu em outubro, o custo da energia a aumentar, os custos de importação idem, a escassez e aumento de preço de algumas matérias-primas essenciais. E não menos importante, o valor da taxa de desemprego real e não o oficial, que não retrata a realidade da população activa (é bom sempre lembrar que dos 900.000 empresários em nome individual e os trabalhadores independentes, onde uma maioria está parada há meses ou reduziu radicalmente a actividade, não são considerados na taxa de desemprego. Está colectado, mesmo sem facturar, não conta como desempregado. Isto está a inquinar o valor da taxa de desemprego).

Estamos focados no acessório e não no essencial. O que temos de discutir e reclamar não é imposto sobre os combustíveis, mas sim o modelo de governação, os tais “orçamentos de esquerda” e os propósitos e sustentação da despesa pública actual. Em 2020, a carga fiscal chegou a 34.8% do PIB. Para quem tem memória curta, lembro que em 2012, tempos de Troika, chegaram a 31.7%.

É possível claramente dar a volta, mudar as prioridades e implementar mecanismos económicos e um novo modelo para se reduzir a carga fiscal e aumentar mesmo assim a distribuição de riqueza. Não é paradoxal.

Há um axioma que diz: “Para viver bem, gasta menos do que tem”. Se isso for verdade, o contrário então também o é: não se vive bem, gastando mais do que se tem.

Quanto ao ISP é melhor esquecer e comer uma peça de fruta enquanto não for considerado um produto de luxo, face aos aumentos dos custos de logística. Sobretudo pêras e como dizia o meu avô Zé Gato, a melhor pêra era sempre a da variedade «come-e-cala». Já provaram?