O futuro da economia portuguesa é um assunto enfadonho para a maioria das pessoas. Mas não devia ser. O que está em causa é o nível de vida dos portugueses nas próximas décadas porque as decisões que forem hoje tomadas terão impacto na vida dos nossos filhos e netos.

É por isso com esperança que devemos receber a intenção de que o Governo decidiu finalmente pensar na economia portuguesa a longo prazo, mesmo que para isso tenha contratado uma pessoa que lhe é exterior.

Pensar no longo prazo é um bom princípio, mas só por si não chega. Tudo vai depender das opções que forem feitas. As opções vão ter impactos positivos e negativos, e a grande questão é quais é que vão preponderar. Nos últimos 25 anos foram as segundas. E nos próximos 25 anos?

Se a aposta for igual à das últimas décadas nada irá mudar e o nível de vida dos portugueses continuará a afastar-se do que têm alemães, suecos, holandeses ou austríacos. Portugal tem um menor nível de produtividade do que estas economias. Nas últimas décadas tentou recuperar o atraso apostando na educação, na formação, no investimento, na inovação, na investigação, na simplificação administrativa ou na regulação dos mercados, mas esta aposta nunca foi consistente e não foi bem implementada, e os parcos melhoramentos obtidos não levaram à convergência nos níveis de vida.

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Portugal registou um crescimento mais lento do que o verificado nos países desenvolvidos e está agora mais longe do que estava em 1995, quando se iniciou o desequilíbrio externo da economia portuguesa.

E também não conseguiremos convergir se a aposta for igual à dos outros países, que têm mais recursos e são mais eficientes a aplica-los. A imitação do que os outros fazem não é suficiente. Pode aprender-se lá fora, mas depois tem de se pensar cá dentro como aplicar essa aprendizagem. E essa forma inteligente de aplicar a aprendizagem não é uma cópia integral do que os outros dizem e fazem.

Este é um perigo demasiado evidente, uma vez que a tentação será continuar a justificar a aplicação dos fundos da UE perante os países que nos estão a dar dinheiro com políticas iguais às que esses países vão aplicar. A supervisão da Comissão Europeia tentará forçar isso mesmo.

A ideia de que é através do ambiente e da digitalização que o nível de vida dos portugueses vai convergir com o dos alemães está instalada entre nós mas pode ser contraproducente pelas ilusões que cria. Primeiro, porque estes não são temas novos, ao contrário do que é frequentemente referido. O facto de haver mais apoios dos países europeus para estas áreas significa apenas que as economias estão lentamente a mudar e que isso requer investimentos significativos de reconversão nas próximas décadas (não é só nos próximos anos) em todos os países, e não apenas em Portugal.

Segundo, porque a ilusão de que os portugueses vão tirar melhor partido desta reconversão do que os restantes países desenvolvidos é isso mesmo, uma ilusão. Estas mudanças já ocorrem há algumas décadas e não evitaram o distanciamento do nível de vida dos portugueses. Portugal não demonstrou conseguir aproveitar melhor as oportunidades abertas por estas mudanças estruturais. Há empresas portuguesas que o fizeram, mas são em número muito insuficiente.

Copiar a aposta dos outros países será repetir o erro do passado, quando não soubemos aproveitar as oportunidades únicas dos fundos europeus e do dinheiro barato por via do Euro, e obter mais uma prova de que não resultará. O que a imitação demonstra é a falta de alternativas, pelo que um dos vícios que urge eliminar é o hábito de nos cingirmos a imitar o que se faz lá fora.

Qual a solução? Sem querer ser presunçoso deixo aqui alguns princípios que poderão ajudar o novo contratado na sua tarefa de pensar a economia portuguesa no futuro:

1 Recuperar o ímpeto reformista que se perdeu e colocar o Estado ao serviço das empresas promovendo a concorrência e mitigando a rigidez nos mercados, especialmente nos serviços não transaccionáveis, flexibilizando o mercado de trabalho e reduzindo a sua dupla segmentação, adequando a educação e as qualificações às necessidades das empresas, apostando na competitividade fiscal, orientando a investigação científica para aplicações no mercado, eliminado leis e burocracia (justiça, licenciamentos, pagamentos em atraso) e avaliando sistematicamente as políticas implementadas de forma a termos um Estado que sirva e que seja independente do clientelismo político.

2 Recompensar a iniciativa e o risco, e mudar a cultura de dependência e de excessiva segurança que impera na sociedade portuguesa, apostando na formação contínua de empresários, gestores e colaboradores, fomentando a cooperação entre empresas, comunidades e investigadores, aliando a mudança tecnológica à resposta às necessidades das pessoas, criando bons hábitos de poupança e atraindo investimento para aumentar o stock de capital por trabalhador, facilitando novas fontes de financiamento para o crescimento das empresas, incentivando um espírito de autonomia e recompensando o esfoço individual de modo a colocar o empreendedorismo e os empreendedores no centro da sociedade portuguesa.

3 Procurar novas fontes de crescimento e de rendimento, diversificando para mercados com crescimento mais rápido (fora da Europa) e afirmando a procura externa como alternativa ao consumo privado, internacionalizando o investimento de forma a criar novas actividades no exterior, aumentando a escala de produção, apostando em I&D e na propriedade industrial, promovendo a eficiência energética, optando pela maior especialização internacional e prestando novos serviços de apoio a residentes e não residentes (na qualificação, na saúde, na velhice).

Perdemos já muitos anos para a implementação destas políticas e com o actual retrocesso da globalização poderá ser ainda mais difícil. Mas é necessário. A aplicação destes princípios requer a participação do Estado mas não pode depender da sua acção. O passado recente demonstra-o. Nos anos 1990, a dinamização pelo Estado da internacionalização para Espanha, África e Brasil falhou.  Nos anos 2010, o crescimento do Turismo, que beneficiou da instabilidade no Norte de África e da moda “Portugal” associada à bancarrota, os vistos “gold” e a dinamização do mercado imobiliário permitiram “alindar” as cidades portuguesas, e em conjunto com as empresas “forçadas” pela crise a procurar novos mercados, trouxeram o crescimento à economia portuguesa. Tudo isto sem precisar da orientação do Estado.

4 Ultrapassar preconceitos sobre o crescimento do país, pois o desenvolvimento não se consegue com uma postura centralista em que uma vanguarda “iluminada” pensa o futuro e decide por todos nós. A opção necessária é descentralizar para as empresas, onde é criada riqueza, pois serão estas a reformar o país, a ter iniciativa, a assumir o risco e a procurar novas fontes de crescimento. É preciso deixá-las fazer isso.

Só desta forma poderemos ter um crescimento sustentável dos salários e do nível de vida, o acesso a bens e serviços de cada vez maior qualidade e a desejada convergência com os países mais desenvolvidos.

O texto reflecte apenas a opinião do autor